segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Qual a diferença entre "mente" e "consciência"?

Percepção, pensamento e consciência são fatos distintos da mente. Este é um assunto sobre o qual já lí, estudei e refletí longamente, tendo, inclusive, já postado muito, tanto em comunidades do orkut, especialmente a minha, Wolf Edler, quanto em meus dois blogs e meu ning, cujos links estão em meu perfil. É só procurar pelas palavras chave “consciência”, “mente”, “cérebro” nas caixas de busca. Preliminarmente quero dizer que as analogias são muito perigosas. Elas podem ilustrar algum aspecto particular de uma teoria, mas não se pode estender ao resto da teoria o que se verifica na analogia. Prefiro não usá-las e tratar diretamente com os conceitos envolvidos e suas relações. Outra questão que precisa ficar clara é que não existem mistérios de espécie alguma. O que existem são fatos ainda não explicados. A história da ciência e da filosofia nos dão uma confiança muito boa de que qualquer tema, não importa o quão aparentemente misterioso seja, será um dia compreendido e explicado. Há que se dar tempo ao tempo, uma vez que nossa espécie é muito jovem neste planeta, a civilização mais ainda e a ciência, um bebê. A terceira coisa que quero ressaltar é que o caráter de simplicidade de uma explicação é realmente desejado e preferível, desde que se tenham várias outras que expliquem a mesma coisa de forma mais complicada. Se não houver explicação mais simples, a complicada tem que ser aceita, caso dê conta de explicar. Isto posto passarei a comentar o tema, que é a consciência e sua localização. Para tal há que se conceituar claramente os termos envolvidos e delinear onde se pretende chegar.
Cérebro é um órgão do sistema nervoso dos animais mais evoluídos No caso dos vertebrados está abrigado na caixa crâneana, junto aos outros órgãos que constituem o “encéfalo”. O tecido cerebral, como o do resto do sistema nervoso, é constituído de neurônios e células gliais, além das membranas delimitadoras. Os neurônios possuem dendritos e axônios, pelos quais transitam as mensagens nervosas, por meio de uma inversão de polaridade elétrica de suas membranas, ocasionada por transporte iônico de sódio, potássio e cálcio. Nas sinapses entre dendritos de um neurônio e o axônio de outro, também há transmissão de mensagem nervosa, por meio de portadores químicos que são os neurotransmissores, As células gliais suportam a estrutura reticular dos neurônios. No ser humano existem cerca de 86 bilhões de neurônios, interligados por cerca centenas de trilhões de sinapses. Tal estrutura ocorre no cérebro, cerebelo, bulbo, medula e nervos. É sobre esta estrutura que está se cogitando que a consciência resida ou não. É importante notar que tal estrutura está completamente conectada com o restante do organismo, isto é, os músculos, os órgãos sensoriais, as vísceras, as glândulas endócrinas, os vasos sanguíneos e o resto, de tal forma que não se pode falar de ocorrências exclusivas do sistema nervoso, sem a participação do resto do organismo.
Conceitua-se mente como uma “ocorrência”, isto é, um acontecimento, um fenômeno que se dá com o animal vivo, que possibilita a coordenação do funcionamento do seu organismo, a percepção do mundo exterior e interior à própria mente, a memória, o pensamento, o raciocínio, a consciência (psíquica e moral), a autoconsciência (o “eu”), as emoções, os sentimentos, os desejos, as volições, as decisões e os demais fatos de ordem não estritamente corpórea, como são os movimentos, as sensações ou o funcionamento visceral. Note-se que a mente não é uma “coisa”, isto é, não tem localização, extensão, volume, massa, energia, composição substancial, temperatura, cor, sabor, textura, rigidez ou qualquer propriedade física, química ou biológica. Conceituando-se entidade como tudo o que seja capaz de existir objetivamente, mesmo que não concretamente, isto é, que não seja apenas uma concepção irrealizável, dizemos que a mente é uma “entidade”, não material. De que natureza seria, pois? Note-se que não é uma abstração, como um número, uma figura geométrica, um valor ou uma norma, que só existem como idéias. A mente tem existência real no mundo, e, como concebo, no mundo natural, isto é, não é uma entidade cultural (social ou econômica, por exemplo).
Em que consiste o mundo natural? À primeira vista de espaço, tempo, matéria, radiação e campos (note-se que não falei “energia”, pois esta não é um tipo de entidade e sim um atributo de entidades). Mas não é só isto. Mais do que isto, o mundo natural é feito de “estruturas” e “ocorrências”. Estas são as categorias mais elevadas de entidades naturais. O monte de átomos que compõe o meu corpo só é o meu corpo porque se dispõe de acordo com certa estrutura. E a minha vida é uma ocorrência que se dá com esta estrutura. Galáxias, estrelas, prédios, aparelhos e empresas são estruturas. Furacões, terremotos, relacionamentos, eleições e doenças são ocorrências. A mente é uma ocorrência que se dá com a estrutura do organismo, em especial com o cérebro, mas não só.
Vários experimentos clínicos atestam que a mente é uma ocorrência que se dá principalmente no cérebro (mas não apenas). A literatura neurocientífica está repleta deles. No cérebro, ao que parece, existe uma localização preferencial para o registro de cada informação, mas ela também está registrada em outros locais, de modo que, havendo lesões, é possível uma certa recuperação, até de memórias. Um evento é registrado em vários locais de memorização, segundo cada um de seus aspectos (verbal, visual, emocional, cinestésico etc). Existe uma concepção holográfica dos registros cerebrais, mas não acho que ela seja exclusiva. Considero uma possibilidade muito plausível, mas não de uma forma estrita. Explico: numa fotografia normal o que se registra é a amplitude e a frequência da onda luminosa, mas não a fase e a elongação. Na holografia se registra a elongação e a fase, que são capazes de gerar a amplitude e reconstruir uma imagem, mesmo com um fragmento do holograma, enquanto na foto ordinária, cada fragmento não tem informação sobre o resto da foto. No caso do cérebro isto não é tão radical, mas é possível umas partes substituirem as outras, em suas funções. Todas as funções mentais se dão por excitação de neurônios e transmissão de impulsos entre eles. Esta é uma rede incrivelmente complexa. Seu estudo demanda uma especialização médica bem profunda, especialmente se a pessoa for se tornar pesquisadora, trabalhando com psicólogos, filósofos, engenheiros de computação (para produzir inteligência artificial) e essa turma toda da pesada.
Se a mente é um “epifenômeno” do organismo (especialmente do cérebro) é uma questão de definição do que seja epifenômeno. De fato, a mente não é o cérebro e nem é material (senão se poderia transferir memórias numa seringa). Mas ela acontece em virtude do funcionamento do cérebro. Não considero que isto a caracterize como sendo de natureza transnatural. Trata-se de uma ocorrência natural do organismo, que não sobrevive à sua falência.
A consciência psíquica (consciousness, e não conscience) é a propriedade da mente estar ciente do mundo exterior e de seu processamento interno. A maior parte das sensações provinda dos sentidos (visuais, auditivas, olfativas, gustativas, táteis, térmicas, cinestésicas, álgicas, vestibulares etc), bem como a maior parte do processamento mental, se dá sem que se tome conhecimento do que ocorre. Somente é percebido aquilo que prende a atenção e o pensamento, só em parte, é acompanhado. Estar consciente é estar sabendo o que está acontecendo. No sono, desmaio, anestesia e morte, está-se inconsciente, no último caso, de forma definitiva. A consciência é a mais importante das ocorrências que fazem parte da mente. Ao se dizer que se está sabendo do que acontece, a primeira pergunta é “Quem?”. Sim, qual é o ente que tem consciência do que ocorre em sua mente? Tal ente, denominado “eu”, é o dono de sua mente e de seu corpo. A “autoconsciência” é esta noção que se tem de si mesmo. Também ela é, segundo as mais recentes pesquisas neurológicas, uma ocorrência mental e, logo, proveniente do funcionamento do organismo, portanto, natural, sem ser material. A noção de si mesmo é dada por uma varredura constante que o cérebro faz do próprio organismo e do mundo, atualizando as informações sobre tudo o que esta ocorrendo com o corpo, a mente e o mundo exterior. O cruzamento dessas informações permite que se tenha a noção da distinção da pessoa em relação ao resto e de que ela continua sendo ela mesma ao longo do tempo, mesmo modificando-se.
Falou-se que o cérebro seria o “hardware” e a mente o “software” e que o hardware não pode construir o software. Este é um ponto em que as analogias falham. A mente não é, nesta analogia, um software instalado em um hardware em branco, mas sim um tipo de “eprom”, em que o software está gravado (e até pode ser modificado), mas não é volátil. A noção de “tabula rasa” é falsa. À medida que o desenvolvimento embrionário e fetal vai ocorrendo, tanto o cérebro quanto os órgãos dos sentido formam-se paralelamente. Então, o protocérebro já vai recebendo impressões dos protosentidos e tudo vai se formando junto. Ao nascer, o bebê já tem muitos registros de percepções em sua memória e, nos primeiros dias e meses, isto cresce tremendamente. Esses impulsos sensoriais, juntamente com as respostas motoras de toda ordem (movimento, choro etc) é que vão formando as ligações sinápticas que estruturam o hardware, juntamente com o software, ao mesmo tempo. Os sentidos são as principais ferramentas para a construção da mente. Tudo provém deles, exceto o que já vem geneticamente pronto, que, além da existência das células nervosas, no ser humano, é pouco, como o instinto de sugar e agarrar. A maior parte é aprendida, como o ato do coito, que nos animais é instintivo. Mesmo na vida adulta, o exercício dos sentidos é capaz de gerar conexões sinápticas e aumentar a inteligência, por exemplo. De fato, nos seres biológicos, o hardware constrói seu próprio software.
O fato da consciência ser uma função orgânica de certos organismos biológicos evoluídos, não implica na recíproca, ou seja, que todo organismo, biológico ou não, tenha consciência. Todavia não há impedimento de que um artefato possa ter consciência. Qual seria? É possível dotar um robô de consciência sim, porque não? Só não se tem é competência tecnológica para isto, por enquanto. Mas pode-se vir a ter dentro de poucas centenas de anos.
As evidências de que os organismos biológicos constroem seu próprio hardware e software são patentes. Primeiro que esta separação em hardware e software, aplicável aos processadores eletrônicos, não se aplica aos sistemas biológicos. Neles a construção do software é feita pela construção do hardware, já com o desenho ajustado para a função que exercerá. Não existe uma estrutura pronta e vazia para acolher dados. Os dados são registrados como informação pela própria formação de conexões no momento do registro. O cérebro é construído não apenas na gestação, mas ao longo de toda a vida, entendendo-se que mudanças de conexões são novos projetos de reforma da estrutura, que estão a todo momento ocorrendo, especialmente durante o sono. Nessas reformas de estrutura é que se fixam na memória cortical as ocorrências experimentadas e temporariamente registradas no sistema límbico. E os registros de memória não são apenas imagens, sons ou outras percepções sensoriais. São também, emoções, sentimentos, raciocínios, desejos, decisões, enfim… tudo o que possa acontecer na mente.
Não há problema nenhum em considerar a mente gerada pelo cérebro. A mente pode ser uma entidade imaterial gerada por uma entidade material sim, porque não? Isto se dá em muitos outros casos: Uma orquestra tocando produz uma música, que não é material. Do mesmo modo que a matéria inanimada produziu a vida, na origem da série evolutiva. O ônus da prova não é provar que a matéria pode gerar a mente mas sim provar que não pode.
No meu entendimento a mente não é uma ocorrência da consciência e sim uma ocorrência do cérebro. A consciência é uma das funções da mente, não a precedendo. É como uma música. A música não é a partitura em que está escrita e nem as vozes e instrumentos que a executam. A música não está latente nos instrumentos. Soá-los pode não produzir música alguma. Ela é a ocorrência de sua execução. Mas esta ocorrência só se dará se houverem vozes ou instrumentos (podem ser gravações, rádios ou televisões). E a música também não é o som. É um conteúdo do som. Assim a consciência, como aliás, as demais funções psíquicas, como o pensamento, as emoções etc. Tais coisas se dão no cérebro mas não são matéria e nem espírito. São acontecimentos, processos, ocorrências. Não se pode extrair um pensamento numa seringa e injetá-lo em outro cérebro. Nem uma emoção. A consciência, especialmente, é um estado de funcionamento do cérebro. A mente é o cérebro em funcionamento, mesmo inconsciente. A consciência é uma propriedade da mente. Um cérebro recém morto não tem mente nem consciência. Isto se esvai com a morte e deixa de existir. A consciência não é uma estrutura, pois esta é estática. Como ocorrência, a consciência é dinâmica. Ela não “é”, mas “está sendo”, a todo momento em que estiver ligada. Mas, nos estados inconscientes da mente (sono, desmaio, anestesia) em que o organismo permanece vivo, como as estruturas e registros de memória que geram a consciência estão presentes, ela volta integralmente findo o episódio de inconsciência. Não existe parte não mental da consciência e o espírito não tem energia alguma, simplesmente porque não existe.
Quero deixar claro que, como livre pensador, tenho a mente aberta a qualquer possibilidade, estando sempre disposto a mudar meu modo de pensar, logo que convencido de estar errado. Contudo, o volume e o tempo de estudos que já apliquei à questão mente-cérebro, até o momento, me garantem a validade da concepção monista fisicalista, isto é, de que a mente é um produto do funcionamento do cérebro, não o precedendo, em absoluto. Certamente que a inteligência não é apenas uma questão hereditária, mas produto da predisposição hereditária aprimorada pelos estímulos ambientais, podendo, inclusive, ser diminuída pela falta de estímulos. Por outro lado, hereditariedade não é um fator determinista. Pais burros podem gerar filhos inteligentes e vice versa, sem nenhuma transgressão às leis da genética. Quanto aos “savants”, trata-se de uma patologia mental. Além de Zera Colburn e Jedediah Buxton, podemos mencionar os casos de Leslie Lemke, Richard Wawro, Kim Peek, Alonzo Clemons, Daniel Tammet e muitos outros.
Tal não é o caso das inteligências excepcionais, que não tiveram pais nem filhos igualmente excepcionais. Isto não contraria nenhum princípio genético nem apoia nenhuma tese de que a mente preceda o cérebro ou tenha uma sede não corpórea. Pelo contrário, corrobora a hipótese de que a mente seja uma ocorrência orgânica.
As pesquisas neurológicas não identificam nenhuma localização encefálica especial para a mente e para a consciência, mas mostram cabalmente que elas só existem em cérebros em funcionamento. Não há nenhuma evidência da existência de mentes não associadas a cérebros vivos em funcionamento, menos ainda de consciências. Note que considero a consciência como uma função mental, de certa forma análoga às percepções, mas mais abrangente. Isto não significa que tais ocorrências não sejam naturais, isto é, físicas (no caso, biológicas). É preciso entender que não é só a matéria que é entidade física. Dentre as entidades substanciais tem-se matéria, radiação e campo, além disso há o espaço, o tempo, as estruturas, os eventos, os fenômenos, as ocorrências, as dinâmicas (mas não a energia, que é atributo e não entidade). Tudo isto é físico, além da matéria. Ocorrências são conjuntos de eventos elementares interconectados e encadeados de forma complexa, como por exemplo, furacões, correntes oceânicas, terremotos, a vida, e… a mente e a consciência. Elas são o resultado da estrutura e da dinâmica do sistema nervoso. Todas as funções da mente, como percepção, pensamento, memória, raciocínio, emoção, sentimento, desejo, volição, consciência, autoconsciência e todas mais são ocorrências, sendo a própria mente uma ocorrência global de tudo isso. Não se trata de um epifenômeno que emerja do funcionamento do cérebro, porém de categoria mais elevada. Trata-se do próprio funcionamento do cérebro e demais órgãos e sistemas responsáveis pelo psiquismo, como, inclusive, o sistema endócrino. Não é só uma função do córtex, mas do conjunto, incluindo o sistema límbico, o cerebelo, o tronco, o bulbo, a medula, os nervos, os órgãos sensoriais, principalmente os que informam o estado interno do organismo e os órgãos motores. A consciência é uma função, pois, do organismo. Não sei se um cérebro mantido vivo fora do corpo terá consciência e mente, mas não posso dizer que não, pois ainda não se procedeu a um experimento assim.

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