domingo, 5 de abril de 2009

Incausalidade na origem do Universo



Sabe-se que tudo o que existe era um campo que começou a se expandir em um momento. Se tudo isso já existia, surgiu ou foi criado, é especulação. Mas o fato é que nada impede (nenhuma lei de conservação) que tenha surgido do nada. Se existia, mas de forma completamente estática, não havia decurso de tempo, até que a expansão iniciou-se, sendo aí o “início do tempo”. Quanto ao espaço, todo ele seria o que conteria esse campo, que, dado a sua altíssima densidade, teria imensa curvatura. Não havia e não há espaço “fora” do conteúdo do Universo. Tal conteúdo primevo seria “campo puro”, sem quantização em nada, nem quarks, nem glúons, nem leptons, nem fótons, nem W’s nem Z’s. O interessante é que a temperatura seria zero. A energia seria toda potencial. Somente quando alguma perturbação originou a expansão, teria havido a súbita transformação em cinética (temperatura), que, inicialmente seria altíssima, significando que a aceleração da expansão, em seu início, seria imensa. O espaço-tempo é função de seu conteúdo, mas não é algo substancial, mas sim estrutural, isto é, um atributo do conteúdo que lhe define a extensão e ritmo de evolução.
Entendendo espaço como a “cabência”, isto é, cabacidade de caber, como também a “locância”, ou seja, possibilidades de localização, pode-se perceber que não há vazio, isto é, só há espaço se preenchido por conteúdo. Vácuo existe, pois vácuo não é espaço vazio, mas apenas espaço desprovido de matéria (quantizações fermiônicas), mas preenchido por campo (não quantizado) e radiação (quantizações bosônicas). Quanto ao tempo, trata-se de uma propriedade do campo universal relatada à suas mudanças de estado (estado é o modo como um sistema “está”, isto é, como se configura (distribui-se pelo espaço) e como se dinamiza (tende a evoluir)). Mesmo que alguma região não evolua, se houver evolução em qualquer lugar (pois o Universo é todo interconectado), decorre tempo. Mas se todo o Universo estiver estático (na morte térmica ou no ovo primordial), não decorre tempo.
A redução localizada de entropia (às custas de um aumento maior na vizinhança) pode ser obtida naturalmente por meio de interações atrativas e cumulativas, como a gravidade, as pontes de hidrogênio e a força de Van der Walls (mas não pelo eletromagnetismo). Isto permite a formação de galáxias, de estrelas, de planetas, de bio-moléculas e, a partir daí, da vida. Uma concentração aleatória de gás interestelar, por exemplo, devido às flutuações caóticas, dá origem, pela gravidade, a um incremento cada vez maior da concentração, com a sucção do gás circunvizinho, que leva à formação de estrelas (e galáxias, numa escala maior). A conservação do momento angular promove a formação de um disco, do qual surgem planetas, por outras concentrações. Nesses planetas, havendo condições propícias de pressão, densidade e temperatura, formam-se agregados de átomos que se unem para a formação de moléculas mais complexas até a vida. A vida trabalha com redução de entropia às custas do aumento maior do ambiente devido à respiração e todas as excreções, inclusive perda de calor. Mas isto não poderá se dar indefinidamente e, algum dia, esse mecanismo não mais será possível, levando à degeneração completa do Universo (se não houver “big crunch”). O princípio antrópico forte não suporta uma analise mais apurada e o fraco nada mais é do que uma mera coincidência.
Um Universo estático é uma possibilidade lógica sim. Alíás, é o que mais provavelmente ocorrerá dentro de uns cem bilhões de anos, quando todas as estrelas tiverem esgotado seu combustível e o Universo como um todo estiver em seu nível mais baixo de energia e a entropia total tiver atingido o seu máximo. Não haverá nenhuma possibilidade mudança, porque tudo já estará no fundo do poço de energia. Mesmo a energia potencial da presumida quintessência terá se esgotado, não podendo mais acelerar a expansão. E o afastamento mútuo de todas as coisas terá atingido o limite de energia potencial gravitacional nula, de modo que não poderá mais haver contração. Então a expansão cessará, tudo estará escuro, todos os fótons da radiação de fundo terão atingido frequência zero, a temperatura terá atingido o zero absoluto e nada mais mudará. O tempo não passará. Mais isto será atingido assintoticamente.
Como a temperatura é a densidade de energia cinética translacional, e como a energia potencial gravitacional aumenta com a separação, a expansão do Universo provoca o aumento da energia potencial gravitacional (que , sendo negativa, atinge seu máximo valor no zero) e a redução da temperatura. A presença da quintessência (uma das possibilidades do que seja a Energia Escura - nome bem inapropriado) introduz uma energia potencial positiva (interação repulsiva), que deve decair com a distância, atingindo zero no infinito. Assim, a morte térmica é uma constatação de que a energia total do Universo seria nula. Isto, inclusive, diz que, mesmo sem ser preciso, possivelmente, o surgimento do Universo “do nada”, não infringiu a conservação da energia, pois ela era, foi, é e será sempre nula.
Nada não é uma entidade, não possui potencialidade para coisa alguma. É só uma designação para a ausência total: de matéria, de campos, de radiação, de espaço, de tempo, de espíritos, de mentes, de consciência, de leis e de valores, ou o que seja. Dizer “surgir do nada” não significa que o “nada” deu origem à coisa, mas sim que ela surgiu sem que tivesse algo de que fosse proveniente. Isto não contraria nenhuma lei de conservação, no surgimento do Universo, porque as leis de conservação se referem aos valores de alguma propriedade, que permanecem os mesmos em diferentes momentos. Como não há momento anterior ao inicial, qualquer coisa que apareça nesse momento não precisa obedecer a nenhuma lei da conservação, não só porque antes não havia nada, nem leis, mas também porque não havia “antes”. Dizer que qualquer coisa que surja deva ter existido potencialmente naquilo que a produziu é uma concepção da filosofia aristotélico-tomista que não se verifica na realidade. Trata-se de um preconceito filosófico, do mesmo tipo do que diz que todo evento tem que ser efeito de uma causa e que toda causa, nas mesmas circunstâncias, produz o mesmo efeito. Nada disso prevalece após a constatação empírica, no mundo atômico e sub-atômico, de eventos sem causa, de resultados diferentes de causas iguais em iguais circunstâncias e outras ocorrências aparentemente padadoxais, que só assim são chamadas por se ter uma concepção lógica e metafísica da realidade que a realidade não possui. Não que nunca ocorra, mas que não precisa sempre ocorrer.
No caso da pré-existência de um conteúdo estático que tivesse dado origem ao Universo, pode-se considerar que tudo estava contido nele. O início fortuito da expansão (que poderia nunca ter ocorrido) não requer uma causa. Pode-se dizer que isto existia “em potência” naquele conteúdo, que era algo e não nada. Mas também pode ser que não havia mesmo nada e o surgimento de tudo já se deu em expansão. Nada disso é sabido a partir dos dados e das teorias disponíveis, mas são possibilidades física e filosoficamente permitidas.
A incausalidade não significa que não haja ligação entre eventos, mas sim que não haja ligação “causal”, ou seja, provocativa, mas pode haver ligação condicionante ou ligação de continuidade substancial ou simplesmente sequencial, sem que o anterior provoque o posterior, o que se denomina “causa”. Não é necessário que todo evento possua uma causa. Isto é um preconceito advindo da observação das ocorrências que se dão no nível de dimensões e intervalos acessíveis à percepção humana. Não é o que se dá no nível atômico e subatômico.
A expansão atual não implica necessariamente que o Universo tenha tido um início, pois é possível que ela tenha se dado como um tipo de “ricochete” de uma contração anterior. Isto é questão de se analisar os dados de velocidade e densidade. Pode ser que o Universo tenha sempre existido em uma infinidade de ciclos de expansão e contração. A morte térmica que descreví é uma das possibilidades, mas não a única. Atualmente é a que goza de maior plausibilidade, face aos dados conhecidos.
Um Universo estático não seria eterno, pois nele não decorreria tempo e eternidade é um tempo que decorre sem limite. Mas isto pode se dar no futuro ou ter havido no passado, de modo que o tempo teria existência em um intervalo finito. O fato de hoje haver uma dinâmica não significa que sempre houve ou sempre haverá.
A singularidade inicial do Universo não tinha densidade infinita, pois isto só se dá nos modelos da Relatividade Geral, que não se aplicam a altas densidades (isto é, não seria uma singularidade). O fato de se desconhecer sua estrutura não impede de se conjeturar que qualquer coisa seria possível, especialmente se o seu conteúdo tenha surgido sem ser originário de nada (que é o que teria havido se o surgimento fosse uma “criação” por algo extrauniversal). Certamente que poderia haver o nascimento de outro Universo, se o atual se aniquilasse e se voltasse a não haver nada (ou não). Pode ser que este Universo seja único ou que tenham havido outros antes ou em paralelo, mas incomunicáveis. Tal não é o caso para um Universo cíclico ou para a morte térmica, pois nestas hipóteses o Universo não deixa de existir. Na morte térmica cessa a passagem do tempo, mas o espaço e seu conteúdo continuam a existir numa situação do ser que “é”, ao invés do que se tem hoje, em que todo ser não “é”, mas “está sendo”, ou seja, tudo o que existe hoje, existe ao longo do tempo. É o “dasein” de Heidegger, pois o “sein” seria imutável. Mas o tempo não é absoluto e independente da evolução do conteúdo do Universo, como bem o descreve a equação de Einstein que, do lado esquerdo contém a geometria do espaço-tempo e do lado direito a dinâmica do conteúdo: Gμν = kTμν. Logo seu fluxo pode variar e, mesmo, cessar. Se houver algum Universo paralelo, ele(s) não se comunica(m) com este, de modo que não se pode saber se há.
Há três conceitos de Universo: observável, conectável e total. O primeiro é o conjunto de tudo o que pode ser detectado (mesmo que por falta de tecnologia não se consiga). O segundo é o conjunto de tudo que possa ser detectável, em algum momento futuro (que é o conceito com que estamos trabalhando). O terceiro é o de tudo o que existe, mesmo que seja impossível detectar. Estas coisas não estariam neste universo, pelo segundo conceito. Então chamariamos o terceiro conceito de “Multiverso”. Tenho para mim que o Multiverso é apenas este Universo, mas isto é só uma crença, impossível de confirmar ou contrariar.
A relação de antecedente e consequente muitas vezes é confundida com a de causa e efeito, mas pode não ser. Mesmo em ciência isto tem que ser muito cuidadosamente investigado e pode levar a falsas conclusões, que ocorrem, às vezes, em Medicina, Sociologia, Psicologia, Economia, Agronomia, Biologia e outras ciências em que as investigações dos fenômenos que lhe são próprios muitas vezes é feita por meio de levantamentos estatísticos. O fato de se encontrar uma correlação estatística entre eventos sequenciais costuma ser considerado como causalidade sem o ser. Na prática forense todo cuidado tem que ser tomado para não se condenar um inocente por ilações desse tipo (e os advogados são mestres em distorcer os fatos para convencer o juri de sua tese). Exemplos de eventos incausados na natureza são os decaimentos radioativos e a emissão de fótons por átomos ou sistemas de átomos excitados. David Hume já apontou este tipo de problema em sua “Investigação sobre o Entendimento Humano”.

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