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Em agosto de 1997, seis meses depois de ter-me aposentado da Universidade Federal de Viçosa (UFV), após vinte e dois anos de docência, mais oito em que havia lecionado, anteriormente, na Uiversidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), na de São João del-Rei (UFSJ), na UNIPAC de Barbacena, na Escola Preparatória de Cadetes da Aeronáutica de Barbacena (EPCAR) e na Escola Agrotécnica Federal de Barbacena (EAFB), fui procurado pelo Adil, diretor do Colégio Anglo de Viçosa, para dar aulas de Matemática. Aceitei, receoso em retornar ao ensino secundário depois de tanto tempo. Mas meu filho era aluno ANGLO e eu sabia onde estava colocando meus pés. Pouco depois, tendo vindo a substituir o saudoso professor Luigi Tonegguzzo em suas aulas de Física, pude ampliar meu contato com os alunos do Ensino Médio e, também, com as turmas do Fundamental, para as quais passei a dar aulas de Informática. Desde 1999, assumi responsabilidades na parte administrativa, como Vice-Diretor do Colégio.
Tive a grata satisfação de vir a fazer parte de uma grande família, em que os funcionários e os colegas professores são amigos sinceros e o relacionamento professor-aluno, sem faltar ao respeito, se caracteriza por uma grande afeição recíproca. Imbuídos do ideal maior de fazer do Colégio um verdadeiro educandário, na plena acepção da palavra, todos trabalham com denodado afinco, para obter o máximo em proveito da formação da juventude que passa pelas salas de aula. Isto se aplica não só no aspecto da instrução, em que modernos recursos pedagógicos, como as apostilas-caderno, os testes semanais e os cadernos de tarefas, são colocados na prática do dia a dia, mas também na formação plena da pessoa e do cidadão, pelas atividades extra-curriculares e pela abordagem dos temas transversais, que perpassam todas as matérias.
No ANGLO, as potencialidades do aluno são despertadas e desabrocham em plenitude, cada um dando de si o máximo tanto para seu auto-aperfeiçoamento como para o proveito de todos e, mesmo, da coletividade externa, beneficiada por várias atividades, como os “Amigos Solidários”, que assistem creches e instituições filantrópicas e as diversas feiras que levam o público a despertar a consciência para temas candentes da atualidade. Os pendores artísticos também são desenvolvidos, como ocorre na “Oficina de Teatro” que levou à criação da “Companhia Anglo de Teatro”, que tem apresentado, com sucesso, várias peças em Viçosa. Na verdade não vejo, em Viçosa, outro estabelecimento de ensino que se compare ao ANGLO em tudo o que ele tem a oferecer aos estudantes que o escolhem para confiar sua formação. Eu e todos os que lá trabalham, vestimos verdadeiramente a camisa ANGLO e nos orgulhamos disso.
Havia apenas um senão: o acanhado espaço físico à época. Este problema foi resolvido a partir de 2001 com o ANGLO sendo instalado no VIÇOSA SHOPPING, em um espaço digno de inveja. Uma beleza! Dois andares, cada um com 2.500 metros quadrados. Vale a pena visitar e conferir a amplitude, a claridade, os equipamentos, tudo de primeira. E o mais importante: o aconchego que faz do Colégio uma extensão natural da própria casa do aluno, onde ele é acolhido pelos professores como por seus pais mesmos e pelos colegas com uma amizade fraterna e duradoura, ligações essas tão fortes que, no momento em que, vitoriosos, deixam o terceiro ano integrado para alçarem vôos mais altos na vida universitária, partem com o coração despedaçado de saudade, como vejo todo ano na formatura de mais uma turma. Por tudo isso afirmo, com convicção que vale a pena ser ANGLO, pois nele se ensina e, verdadeira mente, se aprende.
O arrojo e a visão dos seus sócios proprietários, Adil, Ademir e Márcio, os levaram a adquirir quatro andares de uma magnífico prédio do "Calçadão Arthur Bernardes", no coração de Viçosa, onde se instalou a unidade dos cursos pré-vestibulares. A seriedade, o empenho e a competência com que esse empreendimento educacional tem sido levado adiante tornou o Anglo-Viçosa o cursinho que mais aprova na cidade e o Ensino Médio do Colégio Anglo, em três anos consecutivos, o de maior índice apresentado no escore do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) aplicado pelo Ministério da Educação, sendo superado apenas pela Colégio de Aplicação da UFV.
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quinta-feira, 24 de julho de 2008
Prefácio do Livro "Estudos Filosóficos" de Alexandre Anello
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Recebi o convite de um grupo de debatedores de comunidades de Filosofia do Orkut para prefaciar este livro, organizado pelo Alexandre Anello. Esta subida honra emocionou-me, uma vez que, diversamente de vários de seus autores, não me habilitei formalmente em Filosofia e sim em Matemática e Física. Todavia a Filosofia sempre foi a menina dos meus olhos, tanto que, dentro da Física, dediquei-me à Cosmologia, sua parte mais filosófica. Em todos os quarenta anos que venho laborando no magistério secundário e superior, sempre busquei levar ao estudante a visão filosófica, não só do conteúdo em pauta no estudo naquele momento, mas, principalmente, de sua inserção na vida e no mundo.
Com o surgimento da rede de relacionamentos “Orkut”, a que me filiei desde os primórdios, pude usufruir de um privilegiado fórum de debates, inscrevendo-me nas principais comunidades, não só de Filosofia, mas também de outros temas de meu interesse, nas ciências e nas artes. Em todas elas, descontando-se uma fração de perturbadores irreverentes, sempre encontrei pessoas lúcidas e preparadas, imbuídas do desejo maior de buscar a verdade nos diferentes tópicos, e não apenas de vencer eristicamente a discussão ou exibir vaidosamente sua erudição, mesmo que lídima. De muitas dessas pessoas tornei-me amigo virtual, tendo passado a respeitar e admirar suas posturas e argumentos, mesmo, em alguns casos, delas discordando. Morando em Viçosa, uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, que, tendo uma Universidade de renome na área tecnológica, especialmente agrária, não tem tradição humanística e filosófica, eu, que nela lecionei por vinte anos, sentia-me isolado em meus anseios de encontrar pessoas com quem pudesse conversar, discutir, debater e com elas aprender muita Filosofia e adquirir cultura e conhecimento, de um modo mais amplo. Isto eu pude achar no Orkut e, então, extravasei minha verve filosófica, artística, musical, poética e literária, além da científica. A chegada desse convite foi então, para mim, um reconhecimento da sinceridade do meu intento e da propriedade com que a ele me dediquei.
O livro “Estudos Filosóficos” é um conjunto de ensaios, primorosamente elaborado por seus autores, sobre as vertentes que marcaram indelevelmente a virada do século XIX para o XX e, até hoje, dão o tom no discurso filosófico que viceja no ambiente acadêmico e, mais recentemente, até mesmo nas revistas de divulgação filosófica que se colocam à venda nas bancas de jornal. A escolha dos nomes pelo organizador não poderia ser mais judiciosa em encontrar, dentre os participantes das comunidades filosóficas do Orkut, os mais indicados para cada tema desenvolvido. Entre eles encontram-se filósofos de formação, professores secundários, estudantes universitários de diversas áreas, mestres, mestrandos, bacharéis, bacharelandos e profissionais de variados matizes, todos, no entanto, profundamente mergulhados na Filosofia em suas buscas por um significado para a vida, fato revelado por sua erudição filosófica ímpar, além de imbuídos do espírito questionador que norteia toda a obra.
A espinha dorsal do livro é a ruptura com as tradições das linhas mestras da Filosofia européia até o século XIX, em suas várias vertentes, de Tomás de Aquino até Kant e Hegel, passando por Descartes, Espinosa, Hume e outros importantes pensadores, não esquecendo, é claro, de considerar a enorme influência da Grécia, em especial de Platão e Aristóteles. Como pano de fundo de todo esse movimento, está a presença marcante e ameaçadora do Cristianismo, do Judaísmo e do Islamismo, com seus livros sagrados e seus “doutores da lei”, sem falar da espada e da fogueira, como também da guilhotina.
Esta ruptura, em diferentes aspectos, começa com Marx, Comte, Schopenhauer e Kierkegaard, firmando-se definitivamente com Nietzsche. No mundo da Ciência, ela é acompanhada por Darwin, Freud, Planck, Einstein, Bohr e Heisenberg, para citar os mais destacados. Na verdade, há uma constante retroalimentação entre a Filosofia e a Ciência nesse período de mudança de paradigmas. Os modelos cosmológicos de Kant baseiam-se na mecânica de Newton, no cálculo de Leibnitz e na astronomia de Laplace, mas a Filosofia depois de Nietzsche, Einstein e Heisenberg, não pode mais deixar de considerar a relatividade do tempo e do espaço nem a incerteza e a probabilidade inerente a todo encadeamento de eventos. Sem esquecer o quanto devem à demolição da noção bíblica da criação efetuada por Darwin, a aceitação do pensamento materialista de Marx e existencialista de Sartre.
Os nomes de Heidegger, Russell, Bergson, Husserl, Wittgenstein, Horkheimer, Habermas, Adorno, Sartre, Merleau-Ponty, Foucault e Deleuze, dentre outros, despontam no cenário da Filosofia do século XX, não só pelo que tiveram a dizer, mas, principalmente, por sua atitude de independência e busca de caminhos para a Filosofia, sem que estivessem atrelados ao pensamento dos veneráveis vultos imortais da história da Filosofia. Especialmente mostraram o que precisa ainda ser compreendido por muitas instituições acadêmicas: que filósofo é aquele que filosofa e não o que conhece o que os outros filosofaram, por mais útil, importante e indispensável que isto seja para se filosofar. Todo aquele cuja presença marcante na história do pensamento foi de valor suficiente para que sobre ele (ou ela) possa-se dedicar uma tese de doutorado, assim se tornou porque pensou por si mesmo e deu sua contribuição pessoal e original ao legado da humanidade.
Ao comentar a contribuição que eles deram ao debate filosófico, os ensaios que se apresentam abrem a mente do leitor para as grandes veredas da Filosofia contemporânea, em sua busca para o entendimento do mundo e da existência. É importantíssimo que se explorem todas as vertentes e, principalmente, que a juventude seja colocada em contato com alternativas, embasadas e viáveis, aos paradigmas oficiais que o “establishment” político, econômico e religioso lhe apresenta como única alternativa. É uma pena que a maior parte da grande massa de jovens que participa do Orkut não revele o mínimo interesse em agregar-se a comunidades filosóficas e, mesmo, dos poucos que se filiam, vários encarem a coisa de uma forma superficial e, em muitos casos, galhofeira. Não se pode esquecer nunca que a Filosofia é a mestra da vida e que a principal razão para se filosofar não é a busca do saber, mas da sabedoria, de forma tal que o saber seja desejado e perseguido porque é caminho para levar-se a vida de forma a valer a pena ser vivida, não importa que prêmio ou punição posterior porventura possa existir.
Constantin Constantius, no exórdio da introdução do livro, conceitua a Filosofia como aquilo que se faz quando se filosofa, o que leva, não a existência de uma Filosofia única, mas de tantas Filosofias quantos forem os filósofos. Sem dúvida esta é uma característica da Filosofia que a distingue da Ciência, uma vez que esta procura ser objetiva e independente do cientista, buscando uma interpretação da realidade de seu campo por meio de um modelo, abstratamente construído, de conceitos idealizados e pelo estudo empírico das relações que as entidades a que esses conceitos se reportam guardam entre si, no mundo real. Para Deleuze, filosofar é construir conceitos e, de fato, a maior parte das discussões filosóficas é semântica, as diversas escolas atribuindo conceitos diferentes às facetas da realidade filosófica e, em sentido oposto, dando significados distintos a conceitos denominados por uma mesma palavra. O aprofundamento dos seguidores de diferentes escolas nos conceitos estabelecidos pelas demais, no meu entendimento, é um fator importantíssimo para procurar-se um consenso conceitual e, a partir dele, passar-se à investigação da relação filosófica que o que estes conceitos significam guardam entre si. Tais relações, uma vez estabelecidos os conceitos, são passíveis de verificação fatual e esta verificação é o segundo nível (depois da conceituação) de investigação filosófica. Um projeto deste tipo, possivelmente, poderia tirar a adjetivação da Filosofia e levá-la a uma objetividade semelhante à da Ciência. Mas esta discussão já ultrapassa o escopo deste trabalho.
Em minhas lides cotidianas, muitas vezes deparo-me com questionamentos às concepções filosóficas que possuo, não por seu conteúdo, mas simplesmente por ter esta visão de pautar minha vida por princípios que sejam frutos de uma reflexão, ao invés de levá-la de modo pragmatista, deixando de ser tão “teórico” e passando a encarar a vida de um modo mais “prático”. Por exemplo, por ser anarquista e considerar que o dinheiro é algo que não deveria existir, acabo trabalhando de graça na grande maioria dos casos, além de não possuir nenhuma propriedade, exceto minha biblioteca, que almejo disponibilizar ao povo. No entanto, estou profundamente convencido de que a única alternativa capaz de dotar a vida de significado, já que também não considero a possibilidade da sobrevivência da consciência à morte do organismo que a suporta, é viver segundo uma cosmovisão baseada em princípios filosóficos que resultem de um processo, muitas vezes doloroso, por partir ilusões caramente acalentadas, de mergulho nos questionamentos de toda ordem sobre a existência e o mundo e dele emergir, como resultado das reflexões, para um estado de comunhão assertiva com a realidade, por mais aparentemente cruel que ela seja. Isto, contudo, não significa passividade frente as ignomínias e sim, pelo contrário, engajamento em uma militância efetiva na luta pelo prevalecimento do bem e erradicação do mal, no que quer que ele esteja representado. Tal postura leva a uma auto-aceitação, que é o que mais aproxima-se do que eu denominaria “felicidade”.
Para que tal tipo de postura dissemine-se na humanidade e todos possam libertar-se das amarras mentais que os interessados na manutenção do “status quo” pretendem que sejam mantidas por meio das religiões e outros mecanismos de coerção psicológica, a única saída é a educação filosófica. É, justamente, fazer as pessoas deixarem de ser “práticas” e tornarem-se “filosóficas”. E elas só assim o serão se lhes for servida muita filosofia no prato do dia da Educação, em todos os níveis, bem como da educação que a vida fora da escola, muitas vezes mais significativamente, propicia. Os “Estudos Filosóficos” que aqui se apresentam cumprem com oportuna propriedade este objetivo, especialmente por focar-se nas vertentes de pensamento que mais questionam tudo o que aparentemente está assentado em sólidas e inamovíveis bases. No entanto, “Tudo que é sólido se desmancha no ar”, assim, o importante, que é a grande mensagem desta obra, é a perene atitude de questionamento, até mesmo do marxismo, do estruturalismo, da filosofia analítica, do existencialismo, do pós-modernismo e de todo e qualquer “ismo”. Não há uma filosofia definitiva e, na verdade, todos os “ismos” têm que ser encarados, como faz a Ciência, como “hipóteses a testar”, na construção da “Filosofia”, com “F” maiúsculo, sem adjetivos, que, de fato, é um corpo em permanente formação e que, talvez, jamais seja parida. Na essência do poema “Nuvem de Calças” de Maiakovsky, está a destruição de nossas mais caras concepções e estruturas, com a abertura para um mundo de novas possibilidades, não necessariamente socialistas, mas diferentes de tudo o que se tem, isto é: “Abaixo com seu amor! / Abaixo com a sua arte! / Abaixo com sua religião! / Abaixo com seu regime!”
Que todos tenham o excelente proveito que eu tive na leitura das páginas, nem sempre fáceis, mas certamente de requintado sabor e consistente conteúdo que se seguem. Sem esquecer, evidentemente, da sobremesa. Pois que o homem é razão, emoção, lógica e intuição. Os filósofos também amam e na poesia expressam, como na arte de qualquer gênero, sua sensibilidade, emoção, sentimento, criatividade, talento e habilidade literária. Os poemas que fecham a obra revelam essa faceta e a coroam primorosamente.
(este livro pode ser baixado gratuitamente no sítio:
http://www.4shared.com/file/48901019/192b7da0/Estudos_Filosficos_-_Alexandre_Anello.html?dirPwdVerified=2b6ee085 )
Recebi o convite de um grupo de debatedores de comunidades de Filosofia do Orkut para prefaciar este livro, organizado pelo Alexandre Anello. Esta subida honra emocionou-me, uma vez que, diversamente de vários de seus autores, não me habilitei formalmente em Filosofia e sim em Matemática e Física. Todavia a Filosofia sempre foi a menina dos meus olhos, tanto que, dentro da Física, dediquei-me à Cosmologia, sua parte mais filosófica. Em todos os quarenta anos que venho laborando no magistério secundário e superior, sempre busquei levar ao estudante a visão filosófica, não só do conteúdo em pauta no estudo naquele momento, mas, principalmente, de sua inserção na vida e no mundo.
Com o surgimento da rede de relacionamentos “Orkut”, a que me filiei desde os primórdios, pude usufruir de um privilegiado fórum de debates, inscrevendo-me nas principais comunidades, não só de Filosofia, mas também de outros temas de meu interesse, nas ciências e nas artes. Em todas elas, descontando-se uma fração de perturbadores irreverentes, sempre encontrei pessoas lúcidas e preparadas, imbuídas do desejo maior de buscar a verdade nos diferentes tópicos, e não apenas de vencer eristicamente a discussão ou exibir vaidosamente sua erudição, mesmo que lídima. De muitas dessas pessoas tornei-me amigo virtual, tendo passado a respeitar e admirar suas posturas e argumentos, mesmo, em alguns casos, delas discordando. Morando em Viçosa, uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, que, tendo uma Universidade de renome na área tecnológica, especialmente agrária, não tem tradição humanística e filosófica, eu, que nela lecionei por vinte anos, sentia-me isolado em meus anseios de encontrar pessoas com quem pudesse conversar, discutir, debater e com elas aprender muita Filosofia e adquirir cultura e conhecimento, de um modo mais amplo. Isto eu pude achar no Orkut e, então, extravasei minha verve filosófica, artística, musical, poética e literária, além da científica. A chegada desse convite foi então, para mim, um reconhecimento da sinceridade do meu intento e da propriedade com que a ele me dediquei.
O livro “Estudos Filosóficos” é um conjunto de ensaios, primorosamente elaborado por seus autores, sobre as vertentes que marcaram indelevelmente a virada do século XIX para o XX e, até hoje, dão o tom no discurso filosófico que viceja no ambiente acadêmico e, mais recentemente, até mesmo nas revistas de divulgação filosófica que se colocam à venda nas bancas de jornal. A escolha dos nomes pelo organizador não poderia ser mais judiciosa em encontrar, dentre os participantes das comunidades filosóficas do Orkut, os mais indicados para cada tema desenvolvido. Entre eles encontram-se filósofos de formação, professores secundários, estudantes universitários de diversas áreas, mestres, mestrandos, bacharéis, bacharelandos e profissionais de variados matizes, todos, no entanto, profundamente mergulhados na Filosofia em suas buscas por um significado para a vida, fato revelado por sua erudição filosófica ímpar, além de imbuídos do espírito questionador que norteia toda a obra.
A espinha dorsal do livro é a ruptura com as tradições das linhas mestras da Filosofia européia até o século XIX, em suas várias vertentes, de Tomás de Aquino até Kant e Hegel, passando por Descartes, Espinosa, Hume e outros importantes pensadores, não esquecendo, é claro, de considerar a enorme influência da Grécia, em especial de Platão e Aristóteles. Como pano de fundo de todo esse movimento, está a presença marcante e ameaçadora do Cristianismo, do Judaísmo e do Islamismo, com seus livros sagrados e seus “doutores da lei”, sem falar da espada e da fogueira, como também da guilhotina.
Esta ruptura, em diferentes aspectos, começa com Marx, Comte, Schopenhauer e Kierkegaard, firmando-se definitivamente com Nietzsche. No mundo da Ciência, ela é acompanhada por Darwin, Freud, Planck, Einstein, Bohr e Heisenberg, para citar os mais destacados. Na verdade, há uma constante retroalimentação entre a Filosofia e a Ciência nesse período de mudança de paradigmas. Os modelos cosmológicos de Kant baseiam-se na mecânica de Newton, no cálculo de Leibnitz e na astronomia de Laplace, mas a Filosofia depois de Nietzsche, Einstein e Heisenberg, não pode mais deixar de considerar a relatividade do tempo e do espaço nem a incerteza e a probabilidade inerente a todo encadeamento de eventos. Sem esquecer o quanto devem à demolição da noção bíblica da criação efetuada por Darwin, a aceitação do pensamento materialista de Marx e existencialista de Sartre.
Os nomes de Heidegger, Russell, Bergson, Husserl, Wittgenstein, Horkheimer, Habermas, Adorno, Sartre, Merleau-Ponty, Foucault e Deleuze, dentre outros, despontam no cenário da Filosofia do século XX, não só pelo que tiveram a dizer, mas, principalmente, por sua atitude de independência e busca de caminhos para a Filosofia, sem que estivessem atrelados ao pensamento dos veneráveis vultos imortais da história da Filosofia. Especialmente mostraram o que precisa ainda ser compreendido por muitas instituições acadêmicas: que filósofo é aquele que filosofa e não o que conhece o que os outros filosofaram, por mais útil, importante e indispensável que isto seja para se filosofar. Todo aquele cuja presença marcante na história do pensamento foi de valor suficiente para que sobre ele (ou ela) possa-se dedicar uma tese de doutorado, assim se tornou porque pensou por si mesmo e deu sua contribuição pessoal e original ao legado da humanidade.
Ao comentar a contribuição que eles deram ao debate filosófico, os ensaios que se apresentam abrem a mente do leitor para as grandes veredas da Filosofia contemporânea, em sua busca para o entendimento do mundo e da existência. É importantíssimo que se explorem todas as vertentes e, principalmente, que a juventude seja colocada em contato com alternativas, embasadas e viáveis, aos paradigmas oficiais que o “establishment” político, econômico e religioso lhe apresenta como única alternativa. É uma pena que a maior parte da grande massa de jovens que participa do Orkut não revele o mínimo interesse em agregar-se a comunidades filosóficas e, mesmo, dos poucos que se filiam, vários encarem a coisa de uma forma superficial e, em muitos casos, galhofeira. Não se pode esquecer nunca que a Filosofia é a mestra da vida e que a principal razão para se filosofar não é a busca do saber, mas da sabedoria, de forma tal que o saber seja desejado e perseguido porque é caminho para levar-se a vida de forma a valer a pena ser vivida, não importa que prêmio ou punição posterior porventura possa existir.
Constantin Constantius, no exórdio da introdução do livro, conceitua a Filosofia como aquilo que se faz quando se filosofa, o que leva, não a existência de uma Filosofia única, mas de tantas Filosofias quantos forem os filósofos. Sem dúvida esta é uma característica da Filosofia que a distingue da Ciência, uma vez que esta procura ser objetiva e independente do cientista, buscando uma interpretação da realidade de seu campo por meio de um modelo, abstratamente construído, de conceitos idealizados e pelo estudo empírico das relações que as entidades a que esses conceitos se reportam guardam entre si, no mundo real. Para Deleuze, filosofar é construir conceitos e, de fato, a maior parte das discussões filosóficas é semântica, as diversas escolas atribuindo conceitos diferentes às facetas da realidade filosófica e, em sentido oposto, dando significados distintos a conceitos denominados por uma mesma palavra. O aprofundamento dos seguidores de diferentes escolas nos conceitos estabelecidos pelas demais, no meu entendimento, é um fator importantíssimo para procurar-se um consenso conceitual e, a partir dele, passar-se à investigação da relação filosófica que o que estes conceitos significam guardam entre si. Tais relações, uma vez estabelecidos os conceitos, são passíveis de verificação fatual e esta verificação é o segundo nível (depois da conceituação) de investigação filosófica. Um projeto deste tipo, possivelmente, poderia tirar a adjetivação da Filosofia e levá-la a uma objetividade semelhante à da Ciência. Mas esta discussão já ultrapassa o escopo deste trabalho.
Em minhas lides cotidianas, muitas vezes deparo-me com questionamentos às concepções filosóficas que possuo, não por seu conteúdo, mas simplesmente por ter esta visão de pautar minha vida por princípios que sejam frutos de uma reflexão, ao invés de levá-la de modo pragmatista, deixando de ser tão “teórico” e passando a encarar a vida de um modo mais “prático”. Por exemplo, por ser anarquista e considerar que o dinheiro é algo que não deveria existir, acabo trabalhando de graça na grande maioria dos casos, além de não possuir nenhuma propriedade, exceto minha biblioteca, que almejo disponibilizar ao povo. No entanto, estou profundamente convencido de que a única alternativa capaz de dotar a vida de significado, já que também não considero a possibilidade da sobrevivência da consciência à morte do organismo que a suporta, é viver segundo uma cosmovisão baseada em princípios filosóficos que resultem de um processo, muitas vezes doloroso, por partir ilusões caramente acalentadas, de mergulho nos questionamentos de toda ordem sobre a existência e o mundo e dele emergir, como resultado das reflexões, para um estado de comunhão assertiva com a realidade, por mais aparentemente cruel que ela seja. Isto, contudo, não significa passividade frente as ignomínias e sim, pelo contrário, engajamento em uma militância efetiva na luta pelo prevalecimento do bem e erradicação do mal, no que quer que ele esteja representado. Tal postura leva a uma auto-aceitação, que é o que mais aproxima-se do que eu denominaria “felicidade”.
Para que tal tipo de postura dissemine-se na humanidade e todos possam libertar-se das amarras mentais que os interessados na manutenção do “status quo” pretendem que sejam mantidas por meio das religiões e outros mecanismos de coerção psicológica, a única saída é a educação filosófica. É, justamente, fazer as pessoas deixarem de ser “práticas” e tornarem-se “filosóficas”. E elas só assim o serão se lhes for servida muita filosofia no prato do dia da Educação, em todos os níveis, bem como da educação que a vida fora da escola, muitas vezes mais significativamente, propicia. Os “Estudos Filosóficos” que aqui se apresentam cumprem com oportuna propriedade este objetivo, especialmente por focar-se nas vertentes de pensamento que mais questionam tudo o que aparentemente está assentado em sólidas e inamovíveis bases. No entanto, “Tudo que é sólido se desmancha no ar”, assim, o importante, que é a grande mensagem desta obra, é a perene atitude de questionamento, até mesmo do marxismo, do estruturalismo, da filosofia analítica, do existencialismo, do pós-modernismo e de todo e qualquer “ismo”. Não há uma filosofia definitiva e, na verdade, todos os “ismos” têm que ser encarados, como faz a Ciência, como “hipóteses a testar”, na construção da “Filosofia”, com “F” maiúsculo, sem adjetivos, que, de fato, é um corpo em permanente formação e que, talvez, jamais seja parida. Na essência do poema “Nuvem de Calças” de Maiakovsky, está a destruição de nossas mais caras concepções e estruturas, com a abertura para um mundo de novas possibilidades, não necessariamente socialistas, mas diferentes de tudo o que se tem, isto é: “Abaixo com seu amor! / Abaixo com a sua arte! / Abaixo com sua religião! / Abaixo com seu regime!”
Que todos tenham o excelente proveito que eu tive na leitura das páginas, nem sempre fáceis, mas certamente de requintado sabor e consistente conteúdo que se seguem. Sem esquecer, evidentemente, da sobremesa. Pois que o homem é razão, emoção, lógica e intuição. Os filósofos também amam e na poesia expressam, como na arte de qualquer gênero, sua sensibilidade, emoção, sentimento, criatividade, talento e habilidade literária. Os poemas que fecham a obra revelam essa faceta e a coroam primorosamente.
(este livro pode ser baixado gratuitamente no sítio:
http://www.4shared.com/file/48901019/192b7da0/Estudos_Filosficos_-_Alexandre_Anello.html?dirPwdVerified=2b6ee085 )
quarta-feira, 23 de julho de 2008
Alguns Conceitos Ontológicos
Vou tecer algumas digressões sobre meu entendimento do assunto, sem citações de autores, mas, certamente, tudo o que eu disser provém do que já li e estudei, devidamente assimilado, intercotejado, repensado e concluído, sem contudo, pretender ser definitivo. A Filosofia não é apenas a formulação de conceitos mas, certamente, isto é um de seus aspectos fundamentais. A Ontologia é, assim, a disciplina que cuida da categorização dos termos usados na Filosofia, enquanto a Metafísica, busca a relação que o que tais termos significam mantêm entre sí. O conceito mais genérico que vejo é o de “algo” referente a tudo que puder ser concebido, de qualquer espécie, existente ou não, que se possa associar gramaticalmente a um substantivo, um pronome, um numeral. Assim um corpo físico, uma norma, um valor, uma figura geométrica, um sentimento, um espírito, tudo isto é algo. Já uma ação, uma conexão, um modo, uma qualidade, isto é, categorias que sejam expressas por verbos, verbos de ligação, conjunções, preposições, advérbios e adjetivos não são “algo”. Uma cor, um odor, não são algo.
Algo é um “ente” se ele existe ou possa existir objetiva ou conceitualmente associado a coisas concretas. Um objeto, uma figura, um número são entes, mas um valor ou uma norma não são entes. Um unicórnio e um anjo são entes, mesmo que não existam. Um ser é um ente que, de fato, existe, não apenas como conceito, mas na realidade objetiva, fora de uma mente que o conceba. A essência de um ente é a especificação das características que o tipificam como tal, sem as quais ele não é aquele tipo de ente. Existir é essencial ao ser. Um ser que possua consciência mental é uma pessoa, caso contrário é uma coisa. Um corpo é um ser do mundo físico, constituído de matéria.Um objeto é um corpo com extensão espacial definida.
É importante precisar estes conceitos de forma que se possa falar deles sem ambiguidade. Esclarecendo minha noção de ente: Quando disse “coisas concretas” o que eu estava querendo dizer é que ente é algo que corresponda ao que existe objetivamente ou possa existir como tal mesmo que não exista, mas não seja uma abstração. Isto não significa que seja material ou físico. Deus é uma entidade pois é algo que, conceitualmente, poderia existir. Da mesma forma o unicórnio. Números, figuras geométricas, grandezas físicas também são entes pois possuem uma existência representativa em entidades objetivamente existentes. Já os valores, como beleza, bondade, verdade, preço, utilidade, não são entes. Assim também as leis, as normas, os códigos, não são entes. Mas espíritos são entes. E se, de fato, existissem, seriam seres. A noção que diferencia o ser do ente é a realidade objetiva, que não é, necessariamente, física. Um ser é um ente que existe objetivamente. Real é tudo o que existe, objetiva ou conceitualmente, seja algo ou não. A realidade objetiva é a existência fora da mente. Um quadrado redondo não é real pois não existe nem conceitualmente. Um unícórnio pode ter uma realidade conceitual, mas, de fato, não existe objetivamente, logo não é um ser, mas é um ente.
Note-se que minha noção de filosofia não se prende ao ser humano. Os conceitos de “ser aí” (dasein) ou outros de Sartre e Heidegger, para mim, não têm significado filosófico importante. O homem é só uma dentre as inúmeras espécies de seres vivos que, por enquanto, é a única consciente que se conhece. Mas não é nada especial, exceto pelo fato de nós sermos pertencentes a ela.
Vou me referir a causas, princípios, razão e propósito do ser e não do ente, pois o ser é o ente que existe e não vejo sentido em buscar a causa, o princípio, a razão e o propósito de algo que não exista. Bom… pode ser até que haja. Nisto é que a Metafísica se distingue da Ontologia. A Metafísica busca essas respostas, enquanto a Ontologia só categoriza e define. A Metafísica está para a Ontologia assim como a Dinâmica está para a Estática. Uma diz o que é, outra como funciona. E, então, não se pode dissociar a Metafísica da Cosmologia e da Física. Mesmo que se entenda que a Metafísica busca as razões além da Física, elas estão ligadas às razões físicas. Daí que vejo a necessidade de que todo filósofo (como o eram os gregos), também sejam físicos, ou que, pelo menos, tenham um bom entendimento conceitual de Física (e de biologia também).
Isto porque, no meu entendimento, não há realidade sobrenatural, isto é, a razão de ser de todos os seres está na própria natureza. E não é verdade que a Física procura saber apenas “como” a natureza funciona, sem se preocupar “porquê” e “para quê”. Todavia, chega-se a um ponto em que a razão extrapola o domínio da Física, então entra a Metafísica. Digo extrapola não dizendo que a razão não possa ser natural, mas que o método de investigação físico não consegue ser aplicado. Isto, absolutamente, não significa que a Metafísica trate de entidades sobrenaturais ou que ache suas explicações fora da natureza.
A investigação metafísica se fará, então, não por experimentos ou observações, mas por especulações racionais e reflexão sobre o que os dados empíricos fornecem à mente. Todavia, mesmo assim, suas conclusões precisam passar pelo crivo do teste e da comprovação, delas deduzindo consequências que possam ser testadas no confronto com a realidade. É nesse sentido que digo que a Filosofia precisa ser encarada sob um ponto de vista mais científico. Não por conta de seu objeto de estudo e nem por causa do método de investigação, mas por ter um compromisso com a verdade. E como a verdade é única, mesmo que não se consiga atingí-la de imediato, há que se buscar aproximações cada vez maiores, de modo que desapareçam as “escolas” de pensamento e se atinja uma convergência de visões da realidade para uma visão que deverá ser única, por ser a verdadeira. Não é possivel que todas as escolas filosóficas sejam igualmente corretas, de vez que, em muitos aspectos, elas divergem radicalmente em suas concepções. É o que se dá com as religiões, a psicologia, a sociologia e a economia, por exemplo. Se uma das correntes de pensamento estiver certa nessas disciplinas, as que lhe sejam divergentes, no aspecto considerado, estarão erradas. Possivelmente todas podem estar erradas, como penso que se dá com as religiões. O que decidirá? O confronto com a realidade.
Por isso é preciso se debruçar de modo isento no estudo de todas as correntes filosóficas e procurar extrair delas o que possam ter de verdadeiro, sem se aferrar incondicionalmente a nenhuma, na busca da filosofia plena e sem rótulos.
Os indícios de que existe uma realidade exterior à mente são muito grandes para que eu possa desconsiderar o solipsismo. Caso alguém insista neste ponto, seria melhor abrir um tópico à parte. Parto, pois, do princípio de que o mundo existe fora de mim, mesmo que eu não existisse ou que nenhuma mente existisse para percebê-lo. Outro fato que se pode depreender é que esta existência não é necessária, isto é, que poderia não existir. Tal conclusão pode ser inferida da observação de seres que deixam de existir, bem como daqueles que passam a existir. A ocorrência fundamental que se dá com um ser é, pois, a passagem da não existência para a existência. Entende-se por existência o fato de estar presente no mundo exterior a qualquer mente. Não estou dizendo que tenha que existir em algum lugar e ao longo de uma série de momentos. É possível se conceber a existência real fora do tempo e do espaço, como seria a de espíritos. Todavia tenho argumentos contra esta possibilidade concreta.
Dentre as categorias de causas elencadas por Aristóteles, a única que, de fato, considero como “causa” é a dita “causa eficiente”, que é a razão pela qual um ser passa a existir, sem a qual não existiria. Para que tal causa possa concretizar-se, certamente há condições a serem preenchidas, mas, exceto para seres concebidos e projetados por outro ser inteligente, não há propósito para a existência de seres na natureza. Quero analisar essas duas questões.
Primeiramente, não é verdade que a passagem da inexistência para a existência tenha que ter alguma razão. Ela pode se dar de modo fortuito, expontâneo e casual, isto é, sem causa. O ”Princípio da Causalidade”, isto é, a afirmação de que todo evento experimentado por um ser tenha uma causa é algo que se induz (e não se deduz) a partir da observação de numerosos casos particulares em que isto é verdadeiro. Um raciocínio indutivo, contudo, não é nunca garantido. Basta um contra-exemplo para derrubá-lo. De fato, existem míriades de contra-exemplos, isto é, de eventos que não são efeitos na natureza. Ocorre que eles não são acessíveis à percepção humana direta por estarem fora da escala de dimensões e tempos perceptíveis pelos sentidos naturais do homem, pois se dão na escala sub-atômica. Experimentos sofisticados, confirmam as previsões da mecânica quântica sobre, pelo menos, dois tipos de ocorrências incausadas. A primeira é a emissão de luz por um átomo excitado ao decair para seu estado fundamental (que é como todas as fontes emitem luz) e a segunda é o decaimento de um isótopo radioativo. A excitação é condição e não causa do decaimento. Ele pode ocorrer a qualquer momento ou nunca, sem nada que determine que se dê. Só se tem informação sobre o tempo médio de decaimento (ou a meia-vida, conceito correlato). As interpretações que procuram preservar o princípio da causalidade (inclusive defendido por Einstein), como a das “variáveis ocultas”, de Bohm, se revelaram errôneas. Assim é falso de que todo evento seja um efeito, logo a causalidade não é necessária.
Se a causalidade não é necessaria para algum ser existir (como os fótons de luz), então é possivel que ela também não seja necessária para a existência da totalidade de tudo o que existe, isto é, do Universo. Portanto pode-se admitir que o surgimento (veja-se que não digo “criação”) do Universo possa perfeitamente ser um evento que tenha se dado sem razão de ser alguma. Mas não estou dizendo que assim o foi, e sim que pode ter sido. Não há uma necessidade de haver uma razão para a existência do Universo. Por extensão também, pode-se inferir que qualquer coisa não precisa ter razão para existir, mas pode ter. Há que se investigar cada caso. Isto não contraria nenhum princípio estabelecido.
A outra questão é a do propósito. Isto é, para que existe tudo o que existe? As explicações teleológicas eram comuns em Biologia. A Teoria da Evolução derrubou-as completamente. Nenhum ser vivo evolui a partir de outro ou nenhum órgão de nenhum ser vivo se desenvolveu com algum propósito. Seu surgimento se deu por mutação aleatória. E sua fixação e permanência se deu porque ele se revelou mais eficaz para a sobrevivência daquele organismo em seu ambiente externo e interno (de seus parasitas, que sempre querem dar cabo dele). Se isto é observado na esfera biológica, tanto mais é verdade nos seres inanimados. As galáxias, estrelas, planetas, rochas, continentes, oceanos e toda a realidade mineral foi formada por mera conjunção de fatores inteiramente cegos e sem o mínimo propósito. É o que se observa a cada dia, não só astronomica, como também geologicamente. Em resumo, o Universo, o mundo, a vida e nós mesmos existimos sem finalidade alguma. Estamos aqui porque surgimos e pronto.
Ainda quero comentar mais dois outros princípios antes caros aos filósofos, que a Física derrubou. O primeiro é o do determinismo, que diz que, dadas as mesmas condições, uma mesma causa produzirá o mesmo efeito. Não é verdade. O comportamento da natureza não é deterministico e sim probabilístico. Isto pode ser perfeitamente demonstrado por uma experiência de difração de elétrons em que se tenha um elétron de cada vez passando por um aparato de duas fendas. Qualquer livro de Física Atômica descreve este experimento e qualquer um, tendo o equipamento, pode reproduzí-lo. Há grandes controvérsias sobre as interpretações da Mecânica Quântica, mas nenhuma das explicações que pretendem preservar o determinismo se revelou consistente com os dados experimentais em todos os aspectos. A interpretação probabilística do comportamento da natureza é a que prevalece.
Aliás é nela que se pode fundamentar a existência do livre arbítiro, de um ponto de vista reducionista. Se fosse prevalecer o determinismo Laplaceano, existiria destino, isto é, como queria Calvino, tudo seria pré-determinado: “Maktub”!
Outro caso é o da procedência, isto é, de que tudo o que existe tenha que provir de algo que previamente já exista. Tal fato é consignado na lei de conservação da massa-energia (uma extensão da “Lei de Lavoisier” da Química, levando em conta a Relatividade). O surgimento de algo sem que seja proveniente de algo pré-existente (isto é , surgir “do nada”) é uma possibilidade considerada seriamente na Física (a expressão “surgir do nada” é inadequada).
Para sustentá-la é preciso entender o “Argumento Kalam” que é a premissa maior da prova da existência de deus pelo “motor primo” feita por Aristóteles, que, contudo, falha pela invericidade de sua premissa menor.
De fato, a filosofia precisa extapolar do homem e ver a realidade de uma forma global. Por acaso, no momento presente e neste planeta, somos a única espécie com nível de consciência e inteligência capazes de filosofar (mas isto é só questão de grau, não somos qualitativamente diferentes dos outros animais). Mas outras já houveram, como o Neanderthal que, se não tivesse sido extinta, atualmente seria nossa espécie companheira, compartilhando e talvez competindo pelos recursos do planeta, muito provavelmente com nível de inteligência e consciência idênticos ao nosso. E não seria a nossa espécie. Como chimpanzés e bonobos, ou tigres e leões. Além disso é muito provável que, no futuro, novas espécies tão inteligentes como a nossa venham surgir e que a nossa própria evolua para novas, cada vez mais inteligentes. Temos menos de um milhão de anos neste planeta. Como serão as coisas daqui a cem milhões de anos? Por outro lado, a existência de vida inteligente em outros planetas é uma possibilidade. Então o homem não deve ser a única espécie inteligente, mesmo que, atualmente, se tenha reduzido bastante o cálculo de possíveis planetas com seres inteligentes, talvez menos de três por galáxia (cada galáxia tem centenas de bilhões de estrelas). Mas como existem centenas de bilhões de galáxias também…O que considero é que a filosofia deve buscar verdades universais e não apenas humanas, mesmo que sejamos humanos e, portanto, tudo que seja humano nos seja de grande importância. Mas precisamos relativizar nossa importância no conjunto da natureza. Tudo é imbrincado e o homem tem que viver em harmonia com o resto da natureza. O Universo não existe em função dele. Aliás, não dá a mínima para ele.
Física Quântica
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Sabemos que a Filosofia, mesmo centrando seu método na reflexão e no raciocínio especulativo, não prescinde do conhecimento revelado pelas ciências experimentais, que procuram explicar a realidade natural, social e cultural. Nesse sentido a Física destaca-se por ser a ciência fundamental da natureza, da qual derivam, por particularização do objeto de estudo, as demais ciências naturais. E, na Física, o advento da Teria Quântica e da Teria da Relatividade, no início do século XX, foram os eventos que mais implicações filosóficas provocaram. Assim, é de todo prudente e proveitoso, que aquele que intente dedicar-se a filosofar, tenha noções corretas sobre o significado e as implicações filosóficas dessas duas teorias. No presente tópico desejo discutir os aspectos quânticos. Que fique claro, contudo, não se tratar de aulas, mas sim de discussões, pois os temas ainda não se encontram fechados.
Para começar é preciso entender que toda teoria física é um modelo, um construto intelectual do homem, calcado predominantemente na matemática, que pretende descrever o comportamento de certo aspecto da realidade física. Esta, todavia, existe por conta própria, independente de que explicação se tenha para ela. Assim, a validação de qualquer teoria física, dá-se enquanto seja ela capaz de descrever o comportamento da natureza, de modo a que suas previsões sejam acertadas e possibilitem, até, o controle deliberado dos fenômenos envolvidos. Mas, diferente do que em geral se considera, as teorias físicas não se atém, apenas, em descrever “como” a natureza opera, mas procuram achar também “porquê” assim o faz.
Enquanto as equações levam a resultados quantitativos corroborados pelas medidas experimentais, pode-se dizer que a teoria tem sucesso em dizer “como” opera a natureza. Os porquês, contudo, ligam-se às interpretações que se fazem para ligar a teoria formal à realidade objetiva do mundo. A teoria existe no contexto das idéias. Sua realidade é conceitual. Os fenômenos existem na realidade física do mundo.
Sucesso da Física Quântica
Sem dúvida a Física Quântica (ou, se preferir, sua formulação teórica, a Mecânica Quântica), tem revelado um estrondoso sucesso ao mostrar “como” a natureza se comporta, especialmente no domínio microscópico, não acessível diretamente aos sentidos e, portanto, não aquinhoado com as interpretações do conhecimento empírico ou vulgar. O funcionamento do sem número de dispositivos eletrônicos modernos, todos baseados em fenômenos quânticos, mostra o quanto a “engenharia” já absorveu do conhecimento científico teórico da Física Quântica e o colocou na prática cotidiana. Isto é inquestionével e chancela a validação da Mecânica Quântica como uma teoria que descreve corretamente a natureza.
A interpretação que se faz do que, de fato, acontece na natureza para que ela se comporte do modo como as equações mostram que faz, é outro problema que, inclusive, insere-se num contexto filosófico de meta-ciência e não se trata de ponto pacífico nas comunidades física e filosófica.
Para compreender as questões envolvidas, mister se faz desenhar uma descrição, mesmo que não aprofundada, do que consiste naquilo que se denomina “Mecânica Quântica” e “Física Quântica”.
Os termos Física e Mecânica diferem, neste contexto, no sentido em que Mecânica é a teoria formal do comportamento das entidades físicas nos fenômenos que ocorrem com elas, enquanto a Física são as circunstâncias nas quais tais fenômenos ocorrem.
Mecânica clássica
A Mecânica Clássica, formulada por Galileu, Descartes, Newton, Lagrange, Laplace, Hamilton e outros grandes físicos e matemáticos do passado, centra-se no binômio movimento e interação, experimentados por entidades elementares que são as partículas materiais e seus agrupamentos em corpos extensos, rígidos, deformáveis, elásticos, plásticos ou flúidos, em um cenário externo de um espaço e um tempo absolutos. As grandezas que se atribuem a essas entidades são massa, velocidade, aceleração, energia, momentum e outras, enquanto as interações por elas experimentadas são descritas por grandezas como força, impulso, trabalho, torque etc. Na mecânica clássica há uma relação fundamental entre esses dois aspectos (movimento e interação) que governa o funcionamento do mundo (tudo, até o pensamento), que é a “Segunda Lei de Newton” que diz que a aceleração de uma partícula é diretamente proporcional à resultante das força que sobre ela atuam e inversamente proporcional à massa da partícula (para uma discussão mais detalhada, sugiro ler meu artigo: http://www.ruckert.pro.br/blog/?page_id=151 ).A primeira lei de Newton diz respeito à escolha do referencial correto (inercial), para que se possa descrever o movimento e a terceira versa sobre a intensidade relativa da interação experimentada por cada partícula. Todo o resto da mecânica clássica e até da termodinâmica clássica pode ser obtido a partir dessa lei.A Mecânica Clássica é estritamente determinista e, nas palavras de Laplace:“Nós podemos tomar o estado presente do universo como o efeito do seu passado e a causa do seu futuro. Um intelecto que, em dado momento, conhecesse todas as forças que dirigem a natureza e todas as posições de todos os itens dos quais a natureza é composta, se este intelecto também fosse vasto o suficiente para analisar essas informações, compreenderia numa única fórmula os movimentos dos maiores corpos do universo e os do menor átomo; para tal intelecto nada seria incerto e o futuro, assim como o passado, seria presente perante seus olhos”.
Mudança de concepções.
O importante, aparentemente despercebido no estudo da lei, é que ela se aplica à entidade chamada “partícula”, ou “ponto material”. Tal entidade consiste em uma abstração mental de um objeto sem dimensão mas com localização e massa. Esse objeto simplesmente não existe na natureza. Um dos pilares da física quântica é a abolição desse conceito. A relatividade, por outro lado, aboliu o conceito de espaço e tempo absolutos. Com a supressão do conceito de partícula, surgiu o problema da indefinição da localização e da velocidade do ente que participa do fenômeno, bem como da determinação da medida da intensidade da interação por ele experimentada.A necessidade da revisão desses conceitos surgiu com o estudo da emissão de radiação por um corpo aquecido feito por Max Planck na virada do século 19 para o 20 (pelo que ele ganhou o prêmio Nobel). O problema também surgiu no estudo do denominado “efeito foto-elétrico” feito por Einstein em 1905 (que lhe valeu o prêmio Nobel e não a relatividade). Ambas os problemas envolvem o movimento de partículas sob a interação eletromagnética, cuja teoria fora formulada por Maxwell em 1860, com base nos trabalhos experimentais de Ampére e Faraday, bem como nos trabalhos desenvolvidos por Boltzmann, ao procurar enquadrar os fenômenos térmicos como fenômenos mecânicos experimentados por um número muito grande de partículas, tratados por meio de métodos estatísticos.
O conceito de campo
O novo conceito introduzido por Maxwell nas equações do eletromagnetismo (mas já vislumbrado por Faraday de um modo intuitivo) é o de “Campo”. Esta nova entidade, desconhecida por Newton é de natureza completamente diferente de partícula ou corpo. Trata-se de uma entidade física, real, natural, mas não material. Possui extensão, localização, intensidade, quantidade, energia e outros atributos. Pode variar com o tempo, é detectável, mas não é matéria, nem espírito, nem fantasma. Tal conceito, a principio, revelou-se misterioso para os físicos que avogavam a “ação à distância”. Atualmente sabe-se que as interações se dão por intermediação de campos, inclusive a gravidade. Do que se trata?As interações entre os corpos materiais (não estou falando de partículas) se dão devido a certos atributos que eles possuem. Por exemplo, a gravitacional se dá pela massa do corpo, enquanto a elétrica se dá por algo que ele tem chamado “carga” (depois vou conceituar o que é carga). A existência de um corpo que possua carga cria no espaço que o circunda uma modificação nas suas propriedades de tal forma que, se outro corpo também possuidor de carga estiver alí por perto, sofrerá uma força, que, caso o primeiro não estivesse lá, não sofreria. Esta modificação no espaço que causa esta força é que consiste no “Campo”. A realidade do campo como intermediário da interação pode ser verificada vendo-se que, ao retirar a primeira carga, por um certo tempo, a segunda ainda sofre a força emanada da primeira, que está sendo levada pelo campo, até que este se extinga. Isto é o que ocorre com as transmissões de rádio, que se dão por meio de campos elétricos. O atrazo é perceptível quando duas TV’s sintonizam o mesmo canal, um direto e outro por satélite.A partir do campo elétrico, outros tipos de campos foram descobertos, como o magnético, o gravitacional e outras modalidades. O conceito de campo é de primordial importância na Mecânica Quântica.
Radiação e ondas
Maxwell já havia mostrado que a luz é uma radiação eletromagnética, isto é, uma composição de campos elétricos e magnéticos que se auto propelem, a variação de cada um gerando o outro e este conjunto desprendendo-se da carga fonte orginal do campo, desde que esta sofra aceleração (como acontece nas antenas transmissoras). Se esta aceleração for oscilatória, a radiação emergente consiste em uma “onda eletromagnética”, cujas diversas modalidades se caracterizam pelas diferentes frequências de vibração (desde os raios cósmicos e raios X (altas frequências), passando pela luz visível até as ondas de rádio (baixas frequências)). A radiação interage com a matéria em sua emissão, em sua absorção e em sua transmissão nos meios transparentes. A consideração da luz como uma onda deu considerável impulso à ciência da ótica, pelos trabalhos de Huygens, Fresnel, Young e Fraunhoffer, desbancando a interpretação corpuscular proposta por Newton. Onda, portanto, é uma perturbação que se propaga. Se houver perturbação (alteração nas propriedades) apenas localizada, não é onda e se houver propagação de algo imperturbável, também não é onda (é movimento do sistema, como o fluir de um rio ou um vento, ou o movimento de um veículo). A onda leva consigo energia, momentum, informação e outras coisas, associadas às suas características, que são frequência, polarização, amplitude, fase e recorte (o recorte é o desenho da envoltória da onda, que pode se propagar com velocidade diferente da própria onda, inclusive em sentido oposto). O livro “Contato” de Carl Sagan, explora a mensagem transmitida por cada um desses itens da onda. Onda é outro conceito importantíssimo na Mecânica Quântica.
O surgimento do quantum
Ao estudar a interação (troca de energia) da radiação existente em uma cavidade com suas paredes, Planck descobriu, num “insight”, que o espectro (distribuição da intensidade da energia em função da frequência) teórico correto (coincidente com o experimental) só era obtido se ele, ao invés de integrar as contribuições através de todos os contínuos valores de energia admissíveis, fizesse um somatório sobre valores discretos (descontínuos) de energia. Isto significava que nem todos os valores de energia eram passiveis de serem cambiados entre a radiação e a cavidade. A cada valor possível de energia ele denominou “quantum”, que em latim é quantidade (o plural é “quanta”). Na fórmula que ele deduziu, os valores das energias eram função não de uma variável real, mas de um número natural, que ele denominou “número quântico”. Ao estudar a absorção da luz por um condutor elétrico, que acumulava uma energia elétrica nas chamadas “células fotoelétricas”, Einstein também descobriu que a luz não carregava energia em um fluxo contínuo, distribuído através da onda, mas sim como se a onda fosse fragmentada em “pacotes” que eram absorvidos integralmente ou passavam incólumes. Não havia como absorver parte de cada pacote. Ele funcionava como um “corpúsculo de onda” a que Einstein denominou “fóton”. Com essas duas descobertas estava inaugurada a Física Quântica. Elas mostram que o comportamento da natureza, em seu nível mais profundo, difere daquele que o senso comum costuma considerar. A luz é onda, mas fragmentada em pacotes infracionáveis e a energia é absorvida ou emitida também de um modo descontínuo. Parece, pois, que o conceito de partícula está prevalecendo, sendo os campos um enxame de partículas. Não é bem assim, contudo.
Ondas materiais
Dois dos fenômenos exibidos pelas ondas são interferência e difração. O primeiro significa que, se duas ondas coexistem num mesmo instante e lugar, haverá um efeito de superposição das duas, sendo suas perturbações adicionadas algebricamente, o que pode resultar em reforço ou, inculsive, em ausência de perturbação. O segundo é a propriedade da onda contornar obstáculos, o que permite a audição da fala de alguém que não está sendo visto. Partículas, todavia, não exibem esses fenômenos. No entanto, experiência feitas com elétrons, do mesmo modo que a de interferência da luz por Young (que provou cabalmente seu caráter ondulatório), mostraram que havia interferência de elétrons. Como explicar? Louis de Broglie propôs que, do mesmo modo que a luz se comporta como corpúsculos (os fótons), então as partículas materiais (os elétrons), por simetria, deveriam se comportar como ondas e, por analogia com os fótons, propôs, empiricamente, expressões para a frequência e o comprimento de onda que deveriam ter os elétrons, em função de sua energia e seu momentum, pelo uso da mesma constante de proporcionalidade usada por Einstein e Planck (a constante de Planck). Pelas relações de De Broglie, aplicadas às supostas ondas dos elétrons, se obtinham padrões de interferência exatamente iguais aos mostrados nos experimentos. Então não só as ondas eram corpúsculos, mas as partículas da matéria eram ondas. As relações de De Broglie são o núcleo central teórico da Mecânica Quântica. Parece que as coisas da natureza ora se comportam como ondas ora como partículas, dependendo do fenômeno que envolva a mesma entidade. Tal comportamento, denominado “dualidade onda-partícula” é que levanta a maior parte dos questionamentos nas interpretações da Mecânica Quântica.
A estrutura do átomo
Referências à idéia de átomo já existiam no século 6º AC nas escolas Nyaya e Vaisheshika, na Índia, e, depois, em 450 AC, com Leucipo e Demócrito, na Grécia. Boyle, em 1661 já mencionava que a matéria seria composta de corpúsculos mas só Dalton, em 1803, estabeleceu formalmente a Teria Atômica da Matéria. A comprovação definitiva de sua existência, contudo, só se deu quando Einstein, em 1905 (seu ano de ouro) provou teoricamente que o Movimento Brawniano de partículas de pó em um flúido (descoberto em 1827) só se explicava admindo-se a existência de átomos. Em 1897 Thomson descobriu que os raios catódicos eram partículas negativas emitidas pelo catodo e denominou-as “elétrons”. Se haviam elétrons negativos nos átomos, o resto devia ser positivo e Thomson propôs o modelo do “pudim de passas” para o átomo. Em 1909, Rutherford mostrou experimentalmente que a carga positiva do átomo não se distribuía por ele, mas estava concentrada em um núcleo denso, dez mil vezes menor que o átomo todo, mas com praticamente toda a massa e propôs que os elétrons orbitassem esse núcleo como planetas em torno do Sol. Mas, como cargas aceleradas emitem radiação, a aceleração centrípeta dos eletrons os fariam emití-la e perderem energia, caindo no núcleo e desestabilizando o átomo em frações de segundos. Em 1913, Bohr propôs que os elétrons só podiam emitir energia em “quanta”, como Planck havia proposto, e, quando o fizessem, pulariam de órbita e emitiriam fótons com a frequência dada pela fórmula de Einstein do efeito foto-elétrico. Esse modelo teve sucesso em explicar a posição das raias dos espectros de emissão de gases e Bohr pode escrever uma fórmula “ad hoc” para os níveis de energia. Mas permanecia inexplicável porque os elétros se mantinham nas órbitas sem irradiar.
A Mecânica Ondulatória
Com base na proposta de De Broglie (de 1924), em 1926, Schrödinger desenvolveu o modelo matemático conhecido com “Mecânica Ondulatória”, pelo qual as partículas (no caso os elétrons) comportavam-se, quando ligados ao núcleo de um átomo, como ondas que o circundavam, mais ou menos como a membrana de um tambor. Por um raciocínio indutivo muito bem urdido, desenvolveu sua famosa equação diferencial, que deveria ser obedecida por uma função “psi”, que, a princípio, não possuia significado físico (isto é, não correspondia a nenhuma grandeza mensurável existente), mas que funcionava como um artifício matemático para a obtenção de resultados. Além disso, propôs os seguintes postulados a serem obedecidos por qualquer sistema físico de partículas, no domínio não relativístico de velocidades e campos gravitacionais:1) O estado de um sistema físico é descrito pela função psi. (matematícamente é uma função de variável complexa, definida no espaço e no tempo, contínua, derivável, suave e normalizada);2) O valor absoluto quadrado de psi é proporcional à densidade de probabilidade de que a partícula seja encontrada naquele ponto e momento (densidade de probabilidade é a probabilidade por volume);3) Psi obedece ao “Princípio de Superposição Linear” segundo o qual a seu valor para uma combinação de partículas é a soma algébrica (dos números complexos) do valor de cada uma, naquele ponto e momento, como se a outra não estivesse presente.
Esta formulação, ao ser aplicada ao átomo de hidrogênio, e a equação diferencial resolvida no sistema de coordenadas adequado à simetria (coordenadas esféricas), prescrevidas as condições iniciais e de contorno existentes (nulidade no infinito, por exemplo), fornecia os valores dos níveis de energia de Bohr, além da configuração espacial da distribuição de probabilidade de ocorrência do elétron, conhecida como “orbital”. Um tremendo sucesso. Mas a dificuldade computacional para resolver a equação para sistemas mais complexos do que o átomo de hidrogênio exigiram a introdução aproximações.
Medida das grandezas.
Uma coisa importante a se notar é que, até o momento, na Equação de Schrödinger (ES), o elétron continua sendo uma partícula e a função de onda é um mero artifício matemático sem significado físico. O que tem significado físico são as grandezas mensuráveis do sistema, como posição, velocidade, momentum, energia, momento angular e outras. Como a ES poderia fornecer esses valores? Com uma matemática um pouco complicada (transformadas de Fourier), pode-se demonstrar que existe uma função F correspondente a psi pela transformada de Fourier, cujo valor absoluto quadrado representa a densidade de probabilidade da partícula apresentar um certo momentum, num dado instante (momentum, ou quantidade de movimento é o produto da massa da partícula por sua velocidade). Também se mostra que a aplicação do operador diferencial derivada parcial, multiplicado por -ih/2pi, (onde i é a unidade imaginária, h é a constante de Planck e pi é a razão da circunferência pelo diâmetro de um círculo) equivale, dentro da transformada de Fourier, a multiplicar a função psi pelo momentum. Então se prova que, para achar o momentum, deve-se aplicar esse operador à função de onda psi. Mas, como esta está ligada à probabilidade, o que se acha é o valor esperado do momentum. Detalhes matemáticos da operação ficam para os livros técnicos (depois passo uma bibliografia). Em resumo, cada grandeza, passível de mensuração em um sistema, possui um operador associado que, aplicado à função de onda, permite achar o valor esperado dessa grandeza (com uma certa matemática que envolve conjugação e integração em variáveis complexas). O importante é que não se tem um valor definido da grandeza, mas um “valor esperado”. O que é isto?
Valor esperado
Na Física Quântica, cada grandeza possui uma coleção de valores admissíveis para um sistema. Em linguagem matemática, aplicando-se o operador correspondente à grandeza à função psi e igualando ao produto da grandeza por psi, tem-se uma “Equação de Auto-Valor”: GΨ= gΨ, em que G é o operador, g é o valor da grandeza e Ψ é a função de onda psi (note-se que GΨ não é o produto de G por Ψ nas sim a aplicação do operador à função (derivar ou outra coisa)). A solução da equação levará ao conjunto de valores admissíveis para a grandeza g (auto-valores) e as correspondentes funções (auto-funções ou auto-vetores). O conjunto de auto-funções de um certo operador (dito Hermiteano, mas, por ora deixemos isto de lado), constitui uma “base” do espaço de funções, de modo que qualquer função possa ser uma combinação linear dos elementos da base. Este espaço vetorial é chamado “Espaço de Hilbert”, de modo que todo e qualquer estado de um sistema pode ser descrito como uma função que seja uma combinação linear das auto-funções de um dado operador (combinação linear e a soma das funções da base multiplicadas por algum fator numérico (complexo) adequado). O dito “valor esperado” é uma média ponderada dos auto-valores, tomando como pesos os valores absolutos quadrados dos coeficientes da combinação linear da função que descreve o estado do sistema.Mas o importante é que, ao se fazer uma medida da grandeza, somente os auto-valores podem ser obtidos. O valor esperado é, pois, uma média estatística dos valores obtidos ao se repetir a medida nas mesmas condições (mesmo estado) inúmeras vezes. Note-se que não está se falando de erros de medida (que também podem aparecer) mas de diferenças reais de valores possiveis das medidas no mesmo estado.
Princípio da Incerteza
Se calcularmos, além da média, o “desvio padrão”, isto é a raiz quadrada da média das diferenças dos quadrados em relação ao quadrado da média, para vários conjuntos de grandezas de um sistema num dado estado, obtém-se o resultado que, para grandezas ditas “canônicamente conjugadas” (uma é a transformada de Fourier da outra) o produto de seus desvios padrões é, no mínimo, igual à constante de Planck dividida por 2pi. Assim acontece com a posição e o momentum, com a ângulo de giro e o momento angular, com a energia e o tempo de medição e vários outros pares. Este é o chamado “Princípio da Incerteza” de Heisemberg. À medida que se procura apurar a medida de uma certa grandeza, sua conjugada fica mais indefinida. Se se tiver o valor exato do momentum, por exemplo, não se tem informação alguma sobre a posição e vice versa. Tal fato não é apenas teórico, mas experimentalmente verificado. Sua constatação confirma o fato de que, na Física Quântica (que é a Física, afinal de contas) existe um caráter eminentemente probabilístico na determinação das grandezas ditas “observáveis”, isto é, passíveis de medição. Em suma, o fato de um sistema estar em um dado “estado” (estado é como o sistema “está” em termos de sua configuração espacial, temporal e sua situação evolutiva, isto é, sua tendência de modificação), não significa que todas seus atributos e as grandezas que os medem sejam definidas. Há um leque de possibilidades e, ao se medir uma delas, podem aparecer diferentes valores, com diferentes probabilidades. Este fato, comprovado experimentalmente, é o maior golpe que a Física Quântica deu nas concepções filosóficas deterministas ligadas à Mecânica Clássica. Isto é: a natureza não é determinista, é probabilista. É com isto que Einstein não concordava e é isto que Amit Goswani diz ao falar que a Física Quântica é a física das possibilidades.
Princípio da Correspondência
Ehrenfest demosntrou que a derivada temporal do valor esperado da posição é igual à razão do valor esperado do momentum para a massa e que a derivada temporal do momentum é igual ao simétrico do valor esperado do gradiente da energia potencial. Esses dois teoremas, em conjunto, equivalem à segunda lei de Newton da Mecânica Clássica, desde que os sistemas sejam macroscópicos, de modo que o comprimento de onda da onda de matéria associada pelas equações de De Broglie seja muito menor que o tamanho do corpo e o pacote de onda que lhe representa seja bem localizado. Isto vém a ser o que se chama de “Princípio da Correspondência”: “As leis da Mecânica Clássica são casos particulares das leis da Mecânica Quântica, para sistemas macroscópicos”.
Equação da continuidade
De certa forma, a Mecância Quântica, ao tratar os estados das partículas por meio de uma função, funciona como uma teoria de campo, semelhante ao eletromagnetismo (inclusive pela existência da superposição linear). Isto fica patente se se pegar a equação de Schrödinger e somá-la com sua complexa conjugada. A equação resultante se torna, então, uma equação obedecida pela densidade de probabilidade, e é exatamente análoga à “equação da continuidade”, obedecida pelo fluxo de cargas elétricas bem como pelo fluxo de um flúido em escoamento. Isto é, a derivada temporal da densidade de probabilidade é igual ao simétrico do gradiente da “corrente de probabilidade”. Se substituirmos probabilidade por carga elétrica, temos a equação da eletrodinâmica para o fluxo de cargas e se substituirmos por densidade de massa, temos a equação da dinâmica dos flúidos. Mas o que seria “corrente de probabilidade”? Nada mais que o produto da densidade de probabilidade pela “velocidade de grupo” da onda de De Broglie associada à partícula. E a velocidade de grupo de uma onda é a velocidade do recorte da onda, que é a velocidade com que, na onda, caminham a sua energia e o seu momentum. Assim, neste caso, é a velocidade de “viagem” da probabilidade e de tudo que a partícula leva consigo, isto é, é a própria velocidade ordinária da partícula, macroscopicamente considerada.
Diferença notável
Apesar do Princípio da Correspondência e da Equação da Continuidade mostrarem que a Mecânica Quântica descreve não só o mundo microscópico mas também o mundo macroscópico ordinário (só que de modo muito mais complicado e, portanto, ineficiente para tratar dos problemas macroscópicos, mesmo que dê os resultados corretos), há diferenças fundamentais, só observadas no mundo microscópico, que fazem as duas irreconciliáveis neste domínio. A chave das diferençãs está no caráter de teoria de campo e na obediência ao princípio de superposição. Duas ondas podem se interferir dando como resultado a aniquilação mútua: isto é: luz mais luz pode dar escuridão. Quem já viu uma figura de interferência de uma experiência de Young pode constatar a olho. No mundo macroscópico duas partículas não podem ocupar simultaneamente o mesmo lugar no espaço, quanto mais se aniquilarem. Na Mecânica Quântica podem. Considerando que a função de onda Ψ é, de fato, um campo real, o “campo da matéria”, e que ele obedece à superposição linear, pode-se ter lugares em que, simultâneamente, coexistam os campos de duas partículas e que, em certas circunstâncias, eles se aniquilem, isto é, a probabilidade de haver partícula lá é nula, apesar de que, cada uma, separadamente, poderia estar lá. Este fato é observado experimentalmente na experiência de interferência (e difração) de elétrons e é um dos pontos principais de controvérsia nas diferentes interpretações da Mecânica Quântica, como veremos. Outro é a questão do emaranhamento quântico, que também será discutido.
Alguns pressupostos
Para compreender e explicar a realidade física, isto é, a natureza exterior objetiva (exterior à mente inquiridora), em primeiro lugar a Físca tem que adotar a crença na realidade do mundo independente do sujeito. Caso contrário nada há que se investigar, tudo pode ser inventado. Isto posto, são construídos modelos mentais da realidade. Esses modelos são representações esquemáticas das entidades e dos fenômenos da natureza. Nisto se faz uma simplificação e uma escolha de entidades teóricas que melhor se prestem à descrição de como a realidade é e como funciona. A realidade física é composta de três itens: conteúdo, estrutura e dinâmica. O conteúdo é a matéria, os campos, o espaço, o tempo. A estrutura é a disposição desse conteúdo, cada parte em relação às outras partes e a dinâmica é o modo como esta estrutura se modifica. Na natureza tudo é imbrincado e interconectado. Na verdade o Universo todo é um único organismo que pulsa. O fatiamento desse todo em partes distintas para estudo é uma mera questão didática, já que a apreensão, “in totum” da estrutura e funcionamento do Universo seria algo por demais grandioso e complexo. Além desse fatiamento, eu diria, geográfico, há um outro que se refere ao nível de profundidade da explicação. Explicar como funciona o corpo humano pode ser feito num nível anatomo-fisiológico, num nível bio-químico, ou num nível molecular ou até num nível de partículas sub-atômicas. A física dá as explicações mais profundas e também as mais abrangentes (se considerarmos a cosmologia como um capítulo da física). E nessa explicação entra a matemática, como comentarei na próxima postagem. Mas é importante sempre se ter em conta de que a natureza funciona por conta própria, independente da existencia ou não de alguma mente que pretenda explicá-la. Isto é fundamental para o modo como vejo a ciência. O homem é o menos importante. Mas é preciso que a natureza seja traduzida para uma interface humanamente compreensível. Como num programa de computador.
O modelamento físico-teórico da realidade
Ao se proceder um modelamento físico-teórico da realidade o pesquisador identifica padrões que podem ser associados a certos conceitos (os conceitos não existem na realidade em si, mas são construtos intelectuais). Como os fenômenos físicos experimentados pelas entidades físicas são de duas ordens: movimento e interação os conceitos mencionados se referem a esses fenômenos e aos itens da realidade física já mencionados. São as entidades físicas, seus atributos e as ocorrências que se dão com elas. Por exemplo: Entidades: matéria, sistema, corpo, campo. Fenômenos: interações, alterações, surgimento, aniquilação. Atributos das entidades: localização, extensão, movimento, massa, energia, carga, temperatura. Atributos dos fenômenos: duração, intensidade, quantidade, poder.Agora vém uma parte interessantíssima.Aos atributos mencionados podem ser associadas grandezas, que são entidades matemáticas (números, vetores, tensores, matrizes), de uma forma tal que haja uma correspondência bi-unívoca, isto é, as grandezas são operacionalmente mensuráveis. Ao se definir uma grandeza há que se definir um processo de se obter o seu valor. Uma vez que as grandezas são matemáticas, pode-se aplicar a elas todo o ferramental da matemática: álgebra, análise, geometria, trigonometria e assim por diante. Esse ferramental foi desenvolvido, inclusive, porque existiam grandezas físicas referentes a atributos de entidades físicas reais e objetivas a que elas se reportassem. Com o uso da matemática (e da lógica nela embutida), é possível se obter previsões do comportamento das entidades cujos atributos são dados pelas grandezas manipuladas.Pois bem, por incrível que pareça, na maioria das vezes, os resultados deduzidos matematicamente conferem com as medidas experimentais obtidas quando se provoca a ocorrência do fenômeno em questão. Esta correlação entre a matemática e o comportamento da natureza parece ser algo mais profundo do que uma mera coincidência. Isto é, a lógica e a matemática são tais quais são porque o mundo é assim.
Teoria e experiência
Essa retro-alimentação que existe na ciência é fundamental. Equações teóricas são obtidas por indução a partir do comportamento da natureza, analisado a partir das grandezas que descrevem os atributos das entidades e dos fenômenos. Trata-se de uma genrealização de casos particulares. Isto é o que se chama “Lei Física”. A validade da lei é sempre provisória. Tomando a lei como um postulado matemático, teoremas podem ser matematicamente deduzidos e suas previsões cotejadas com os valores experimentais ou observacionais. Discrepâncias existentes, já descontados os erros devidos às falhas experimentais, levam à busca de novas formulações teóricas mais corretas. E assim se aproxima cada vez mais da verdade. O método científico consiste em formular essas hipóteses (que são as equações) e testá-las. Um conjunto de hipóteses intercorrelacionadas e resistente aos testes consiste numa teoria física. Nessa formulação, contudo, não há referência à metodologia para se formularem as próprias hipóteses, que podem ser meros palpites. Segundo Popper, não importa, o método científico é o do teste. Nesse ponto eu discordo. O maior problema da ciência é encontrar a hipótese plausível para ser testada. Esse é o grande esforço. Em ocasiões especiais, em que os esforços se revelam infrutíferos, costuma surgir uma hipótese inteiramente fora dos padrões vigentes. São as revoluções de paradigmas a que se refere Khun. Isto é o que aconteceu com a mecânica quântica e com as duas relatividades e agora está acontecendo com a hipótese das super-cordas, ainda não estabelecida com segurança.Assim, realmente, a ciência faz uma sintese dialética do idealismo com o realismo, mas não se pode esquecer que a ciência é um construto ideal calcado na hipótese de que existe uma realidade objetiva material que precede esse construto. Isto é muito diferente de Platão e de Berkeley. Mas também não precisa ser positivismo. Não gosto muito de enquadramentos em correntes pré-definidas. Acho que a filosofia precisava deixar de ser tão adjetivada.
Sabemos que a Filosofia, mesmo centrando seu método na reflexão e no raciocínio especulativo, não prescinde do conhecimento revelado pelas ciências experimentais, que procuram explicar a realidade natural, social e cultural. Nesse sentido a Física destaca-se por ser a ciência fundamental da natureza, da qual derivam, por particularização do objeto de estudo, as demais ciências naturais. E, na Física, o advento da Teria Quântica e da Teria da Relatividade, no início do século XX, foram os eventos que mais implicações filosóficas provocaram. Assim, é de todo prudente e proveitoso, que aquele que intente dedicar-se a filosofar, tenha noções corretas sobre o significado e as implicações filosóficas dessas duas teorias. No presente tópico desejo discutir os aspectos quânticos. Que fique claro, contudo, não se tratar de aulas, mas sim de discussões, pois os temas ainda não se encontram fechados.
Para começar é preciso entender que toda teoria física é um modelo, um construto intelectual do homem, calcado predominantemente na matemática, que pretende descrever o comportamento de certo aspecto da realidade física. Esta, todavia, existe por conta própria, independente de que explicação se tenha para ela. Assim, a validação de qualquer teoria física, dá-se enquanto seja ela capaz de descrever o comportamento da natureza, de modo a que suas previsões sejam acertadas e possibilitem, até, o controle deliberado dos fenômenos envolvidos. Mas, diferente do que em geral se considera, as teorias físicas não se atém, apenas, em descrever “como” a natureza opera, mas procuram achar também “porquê” assim o faz.
Enquanto as equações levam a resultados quantitativos corroborados pelas medidas experimentais, pode-se dizer que a teoria tem sucesso em dizer “como” opera a natureza. Os porquês, contudo, ligam-se às interpretações que se fazem para ligar a teoria formal à realidade objetiva do mundo. A teoria existe no contexto das idéias. Sua realidade é conceitual. Os fenômenos existem na realidade física do mundo.
Sucesso da Física Quântica
Sem dúvida a Física Quântica (ou, se preferir, sua formulação teórica, a Mecânica Quântica), tem revelado um estrondoso sucesso ao mostrar “como” a natureza se comporta, especialmente no domínio microscópico, não acessível diretamente aos sentidos e, portanto, não aquinhoado com as interpretações do conhecimento empírico ou vulgar. O funcionamento do sem número de dispositivos eletrônicos modernos, todos baseados em fenômenos quânticos, mostra o quanto a “engenharia” já absorveu do conhecimento científico teórico da Física Quântica e o colocou na prática cotidiana. Isto é inquestionével e chancela a validação da Mecânica Quântica como uma teoria que descreve corretamente a natureza.
A interpretação que se faz do que, de fato, acontece na natureza para que ela se comporte do modo como as equações mostram que faz, é outro problema que, inclusive, insere-se num contexto filosófico de meta-ciência e não se trata de ponto pacífico nas comunidades física e filosófica.
Para compreender as questões envolvidas, mister se faz desenhar uma descrição, mesmo que não aprofundada, do que consiste naquilo que se denomina “Mecânica Quântica” e “Física Quântica”.
Os termos Física e Mecânica diferem, neste contexto, no sentido em que Mecânica é a teoria formal do comportamento das entidades físicas nos fenômenos que ocorrem com elas, enquanto a Física são as circunstâncias nas quais tais fenômenos ocorrem.
Mecânica clássica
A Mecânica Clássica, formulada por Galileu, Descartes, Newton, Lagrange, Laplace, Hamilton e outros grandes físicos e matemáticos do passado, centra-se no binômio movimento e interação, experimentados por entidades elementares que são as partículas materiais e seus agrupamentos em corpos extensos, rígidos, deformáveis, elásticos, plásticos ou flúidos, em um cenário externo de um espaço e um tempo absolutos. As grandezas que se atribuem a essas entidades são massa, velocidade, aceleração, energia, momentum e outras, enquanto as interações por elas experimentadas são descritas por grandezas como força, impulso, trabalho, torque etc. Na mecânica clássica há uma relação fundamental entre esses dois aspectos (movimento e interação) que governa o funcionamento do mundo (tudo, até o pensamento), que é a “Segunda Lei de Newton” que diz que a aceleração de uma partícula é diretamente proporcional à resultante das força que sobre ela atuam e inversamente proporcional à massa da partícula (para uma discussão mais detalhada, sugiro ler meu artigo: http://www.ruckert.pro.br/blog/?page_id=151 ).A primeira lei de Newton diz respeito à escolha do referencial correto (inercial), para que se possa descrever o movimento e a terceira versa sobre a intensidade relativa da interação experimentada por cada partícula. Todo o resto da mecânica clássica e até da termodinâmica clássica pode ser obtido a partir dessa lei.A Mecânica Clássica é estritamente determinista e, nas palavras de Laplace:“Nós podemos tomar o estado presente do universo como o efeito do seu passado e a causa do seu futuro. Um intelecto que, em dado momento, conhecesse todas as forças que dirigem a natureza e todas as posições de todos os itens dos quais a natureza é composta, se este intelecto também fosse vasto o suficiente para analisar essas informações, compreenderia numa única fórmula os movimentos dos maiores corpos do universo e os do menor átomo; para tal intelecto nada seria incerto e o futuro, assim como o passado, seria presente perante seus olhos”.
Mudança de concepções.
O importante, aparentemente despercebido no estudo da lei, é que ela se aplica à entidade chamada “partícula”, ou “ponto material”. Tal entidade consiste em uma abstração mental de um objeto sem dimensão mas com localização e massa. Esse objeto simplesmente não existe na natureza. Um dos pilares da física quântica é a abolição desse conceito. A relatividade, por outro lado, aboliu o conceito de espaço e tempo absolutos. Com a supressão do conceito de partícula, surgiu o problema da indefinição da localização e da velocidade do ente que participa do fenômeno, bem como da determinação da medida da intensidade da interação por ele experimentada.A necessidade da revisão desses conceitos surgiu com o estudo da emissão de radiação por um corpo aquecido feito por Max Planck na virada do século 19 para o 20 (pelo que ele ganhou o prêmio Nobel). O problema também surgiu no estudo do denominado “efeito foto-elétrico” feito por Einstein em 1905 (que lhe valeu o prêmio Nobel e não a relatividade). Ambas os problemas envolvem o movimento de partículas sob a interação eletromagnética, cuja teoria fora formulada por Maxwell em 1860, com base nos trabalhos experimentais de Ampére e Faraday, bem como nos trabalhos desenvolvidos por Boltzmann, ao procurar enquadrar os fenômenos térmicos como fenômenos mecânicos experimentados por um número muito grande de partículas, tratados por meio de métodos estatísticos.
O conceito de campo
O novo conceito introduzido por Maxwell nas equações do eletromagnetismo (mas já vislumbrado por Faraday de um modo intuitivo) é o de “Campo”. Esta nova entidade, desconhecida por Newton é de natureza completamente diferente de partícula ou corpo. Trata-se de uma entidade física, real, natural, mas não material. Possui extensão, localização, intensidade, quantidade, energia e outros atributos. Pode variar com o tempo, é detectável, mas não é matéria, nem espírito, nem fantasma. Tal conceito, a principio, revelou-se misterioso para os físicos que avogavam a “ação à distância”. Atualmente sabe-se que as interações se dão por intermediação de campos, inclusive a gravidade. Do que se trata?As interações entre os corpos materiais (não estou falando de partículas) se dão devido a certos atributos que eles possuem. Por exemplo, a gravitacional se dá pela massa do corpo, enquanto a elétrica se dá por algo que ele tem chamado “carga” (depois vou conceituar o que é carga). A existência de um corpo que possua carga cria no espaço que o circunda uma modificação nas suas propriedades de tal forma que, se outro corpo também possuidor de carga estiver alí por perto, sofrerá uma força, que, caso o primeiro não estivesse lá, não sofreria. Esta modificação no espaço que causa esta força é que consiste no “Campo”. A realidade do campo como intermediário da interação pode ser verificada vendo-se que, ao retirar a primeira carga, por um certo tempo, a segunda ainda sofre a força emanada da primeira, que está sendo levada pelo campo, até que este se extinga. Isto é o que ocorre com as transmissões de rádio, que se dão por meio de campos elétricos. O atrazo é perceptível quando duas TV’s sintonizam o mesmo canal, um direto e outro por satélite.A partir do campo elétrico, outros tipos de campos foram descobertos, como o magnético, o gravitacional e outras modalidades. O conceito de campo é de primordial importância na Mecânica Quântica.
Radiação e ondas
Maxwell já havia mostrado que a luz é uma radiação eletromagnética, isto é, uma composição de campos elétricos e magnéticos que se auto propelem, a variação de cada um gerando o outro e este conjunto desprendendo-se da carga fonte orginal do campo, desde que esta sofra aceleração (como acontece nas antenas transmissoras). Se esta aceleração for oscilatória, a radiação emergente consiste em uma “onda eletromagnética”, cujas diversas modalidades se caracterizam pelas diferentes frequências de vibração (desde os raios cósmicos e raios X (altas frequências), passando pela luz visível até as ondas de rádio (baixas frequências)). A radiação interage com a matéria em sua emissão, em sua absorção e em sua transmissão nos meios transparentes. A consideração da luz como uma onda deu considerável impulso à ciência da ótica, pelos trabalhos de Huygens, Fresnel, Young e Fraunhoffer, desbancando a interpretação corpuscular proposta por Newton. Onda, portanto, é uma perturbação que se propaga. Se houver perturbação (alteração nas propriedades) apenas localizada, não é onda e se houver propagação de algo imperturbável, também não é onda (é movimento do sistema, como o fluir de um rio ou um vento, ou o movimento de um veículo). A onda leva consigo energia, momentum, informação e outras coisas, associadas às suas características, que são frequência, polarização, amplitude, fase e recorte (o recorte é o desenho da envoltória da onda, que pode se propagar com velocidade diferente da própria onda, inclusive em sentido oposto). O livro “Contato” de Carl Sagan, explora a mensagem transmitida por cada um desses itens da onda. Onda é outro conceito importantíssimo na Mecânica Quântica.
O surgimento do quantum
Ao estudar a interação (troca de energia) da radiação existente em uma cavidade com suas paredes, Planck descobriu, num “insight”, que o espectro (distribuição da intensidade da energia em função da frequência) teórico correto (coincidente com o experimental) só era obtido se ele, ao invés de integrar as contribuições através de todos os contínuos valores de energia admissíveis, fizesse um somatório sobre valores discretos (descontínuos) de energia. Isto significava que nem todos os valores de energia eram passiveis de serem cambiados entre a radiação e a cavidade. A cada valor possível de energia ele denominou “quantum”, que em latim é quantidade (o plural é “quanta”). Na fórmula que ele deduziu, os valores das energias eram função não de uma variável real, mas de um número natural, que ele denominou “número quântico”. Ao estudar a absorção da luz por um condutor elétrico, que acumulava uma energia elétrica nas chamadas “células fotoelétricas”, Einstein também descobriu que a luz não carregava energia em um fluxo contínuo, distribuído através da onda, mas sim como se a onda fosse fragmentada em “pacotes” que eram absorvidos integralmente ou passavam incólumes. Não havia como absorver parte de cada pacote. Ele funcionava como um “corpúsculo de onda” a que Einstein denominou “fóton”. Com essas duas descobertas estava inaugurada a Física Quântica. Elas mostram que o comportamento da natureza, em seu nível mais profundo, difere daquele que o senso comum costuma considerar. A luz é onda, mas fragmentada em pacotes infracionáveis e a energia é absorvida ou emitida também de um modo descontínuo. Parece, pois, que o conceito de partícula está prevalecendo, sendo os campos um enxame de partículas. Não é bem assim, contudo.
Ondas materiais
Dois dos fenômenos exibidos pelas ondas são interferência e difração. O primeiro significa que, se duas ondas coexistem num mesmo instante e lugar, haverá um efeito de superposição das duas, sendo suas perturbações adicionadas algebricamente, o que pode resultar em reforço ou, inculsive, em ausência de perturbação. O segundo é a propriedade da onda contornar obstáculos, o que permite a audição da fala de alguém que não está sendo visto. Partículas, todavia, não exibem esses fenômenos. No entanto, experiência feitas com elétrons, do mesmo modo que a de interferência da luz por Young (que provou cabalmente seu caráter ondulatório), mostraram que havia interferência de elétrons. Como explicar? Louis de Broglie propôs que, do mesmo modo que a luz se comporta como corpúsculos (os fótons), então as partículas materiais (os elétrons), por simetria, deveriam se comportar como ondas e, por analogia com os fótons, propôs, empiricamente, expressões para a frequência e o comprimento de onda que deveriam ter os elétrons, em função de sua energia e seu momentum, pelo uso da mesma constante de proporcionalidade usada por Einstein e Planck (a constante de Planck). Pelas relações de De Broglie, aplicadas às supostas ondas dos elétrons, se obtinham padrões de interferência exatamente iguais aos mostrados nos experimentos. Então não só as ondas eram corpúsculos, mas as partículas da matéria eram ondas. As relações de De Broglie são o núcleo central teórico da Mecânica Quântica. Parece que as coisas da natureza ora se comportam como ondas ora como partículas, dependendo do fenômeno que envolva a mesma entidade. Tal comportamento, denominado “dualidade onda-partícula” é que levanta a maior parte dos questionamentos nas interpretações da Mecânica Quântica.
A estrutura do átomo
Referências à idéia de átomo já existiam no século 6º AC nas escolas Nyaya e Vaisheshika, na Índia, e, depois, em 450 AC, com Leucipo e Demócrito, na Grécia. Boyle, em 1661 já mencionava que a matéria seria composta de corpúsculos mas só Dalton, em 1803, estabeleceu formalmente a Teria Atômica da Matéria. A comprovação definitiva de sua existência, contudo, só se deu quando Einstein, em 1905 (seu ano de ouro) provou teoricamente que o Movimento Brawniano de partículas de pó em um flúido (descoberto em 1827) só se explicava admindo-se a existência de átomos. Em 1897 Thomson descobriu que os raios catódicos eram partículas negativas emitidas pelo catodo e denominou-as “elétrons”. Se haviam elétrons negativos nos átomos, o resto devia ser positivo e Thomson propôs o modelo do “pudim de passas” para o átomo. Em 1909, Rutherford mostrou experimentalmente que a carga positiva do átomo não se distribuía por ele, mas estava concentrada em um núcleo denso, dez mil vezes menor que o átomo todo, mas com praticamente toda a massa e propôs que os elétrons orbitassem esse núcleo como planetas em torno do Sol. Mas, como cargas aceleradas emitem radiação, a aceleração centrípeta dos eletrons os fariam emití-la e perderem energia, caindo no núcleo e desestabilizando o átomo em frações de segundos. Em 1913, Bohr propôs que os elétrons só podiam emitir energia em “quanta”, como Planck havia proposto, e, quando o fizessem, pulariam de órbita e emitiriam fótons com a frequência dada pela fórmula de Einstein do efeito foto-elétrico. Esse modelo teve sucesso em explicar a posição das raias dos espectros de emissão de gases e Bohr pode escrever uma fórmula “ad hoc” para os níveis de energia. Mas permanecia inexplicável porque os elétros se mantinham nas órbitas sem irradiar.
A Mecânica Ondulatória
Com base na proposta de De Broglie (de 1924), em 1926, Schrödinger desenvolveu o modelo matemático conhecido com “Mecânica Ondulatória”, pelo qual as partículas (no caso os elétrons) comportavam-se, quando ligados ao núcleo de um átomo, como ondas que o circundavam, mais ou menos como a membrana de um tambor. Por um raciocínio indutivo muito bem urdido, desenvolveu sua famosa equação diferencial, que deveria ser obedecida por uma função “psi”, que, a princípio, não possuia significado físico (isto é, não correspondia a nenhuma grandeza mensurável existente), mas que funcionava como um artifício matemático para a obtenção de resultados. Além disso, propôs os seguintes postulados a serem obedecidos por qualquer sistema físico de partículas, no domínio não relativístico de velocidades e campos gravitacionais:1) O estado de um sistema físico é descrito pela função psi. (matematícamente é uma função de variável complexa, definida no espaço e no tempo, contínua, derivável, suave e normalizada);2) O valor absoluto quadrado de psi é proporcional à densidade de probabilidade de que a partícula seja encontrada naquele ponto e momento (densidade de probabilidade é a probabilidade por volume);3) Psi obedece ao “Princípio de Superposição Linear” segundo o qual a seu valor para uma combinação de partículas é a soma algébrica (dos números complexos) do valor de cada uma, naquele ponto e momento, como se a outra não estivesse presente.
Esta formulação, ao ser aplicada ao átomo de hidrogênio, e a equação diferencial resolvida no sistema de coordenadas adequado à simetria (coordenadas esféricas), prescrevidas as condições iniciais e de contorno existentes (nulidade no infinito, por exemplo), fornecia os valores dos níveis de energia de Bohr, além da configuração espacial da distribuição de probabilidade de ocorrência do elétron, conhecida como “orbital”. Um tremendo sucesso. Mas a dificuldade computacional para resolver a equação para sistemas mais complexos do que o átomo de hidrogênio exigiram a introdução aproximações.
Medida das grandezas.
Uma coisa importante a se notar é que, até o momento, na Equação de Schrödinger (ES), o elétron continua sendo uma partícula e a função de onda é um mero artifício matemático sem significado físico. O que tem significado físico são as grandezas mensuráveis do sistema, como posição, velocidade, momentum, energia, momento angular e outras. Como a ES poderia fornecer esses valores? Com uma matemática um pouco complicada (transformadas de Fourier), pode-se demonstrar que existe uma função F correspondente a psi pela transformada de Fourier, cujo valor absoluto quadrado representa a densidade de probabilidade da partícula apresentar um certo momentum, num dado instante (momentum, ou quantidade de movimento é o produto da massa da partícula por sua velocidade). Também se mostra que a aplicação do operador diferencial derivada parcial, multiplicado por -ih/2pi, (onde i é a unidade imaginária, h é a constante de Planck e pi é a razão da circunferência pelo diâmetro de um círculo) equivale, dentro da transformada de Fourier, a multiplicar a função psi pelo momentum. Então se prova que, para achar o momentum, deve-se aplicar esse operador à função de onda psi. Mas, como esta está ligada à probabilidade, o que se acha é o valor esperado do momentum. Detalhes matemáticos da operação ficam para os livros técnicos (depois passo uma bibliografia). Em resumo, cada grandeza, passível de mensuração em um sistema, possui um operador associado que, aplicado à função de onda, permite achar o valor esperado dessa grandeza (com uma certa matemática que envolve conjugação e integração em variáveis complexas). O importante é que não se tem um valor definido da grandeza, mas um “valor esperado”. O que é isto?
Valor esperado
Na Física Quântica, cada grandeza possui uma coleção de valores admissíveis para um sistema. Em linguagem matemática, aplicando-se o operador correspondente à grandeza à função psi e igualando ao produto da grandeza por psi, tem-se uma “Equação de Auto-Valor”: GΨ= gΨ, em que G é o operador, g é o valor da grandeza e Ψ é a função de onda psi (note-se que GΨ não é o produto de G por Ψ nas sim a aplicação do operador à função (derivar ou outra coisa)). A solução da equação levará ao conjunto de valores admissíveis para a grandeza g (auto-valores) e as correspondentes funções (auto-funções ou auto-vetores). O conjunto de auto-funções de um certo operador (dito Hermiteano, mas, por ora deixemos isto de lado), constitui uma “base” do espaço de funções, de modo que qualquer função possa ser uma combinação linear dos elementos da base. Este espaço vetorial é chamado “Espaço de Hilbert”, de modo que todo e qualquer estado de um sistema pode ser descrito como uma função que seja uma combinação linear das auto-funções de um dado operador (combinação linear e a soma das funções da base multiplicadas por algum fator numérico (complexo) adequado). O dito “valor esperado” é uma média ponderada dos auto-valores, tomando como pesos os valores absolutos quadrados dos coeficientes da combinação linear da função que descreve o estado do sistema.Mas o importante é que, ao se fazer uma medida da grandeza, somente os auto-valores podem ser obtidos. O valor esperado é, pois, uma média estatística dos valores obtidos ao se repetir a medida nas mesmas condições (mesmo estado) inúmeras vezes. Note-se que não está se falando de erros de medida (que também podem aparecer) mas de diferenças reais de valores possiveis das medidas no mesmo estado.
Princípio da Incerteza
Se calcularmos, além da média, o “desvio padrão”, isto é a raiz quadrada da média das diferenças dos quadrados em relação ao quadrado da média, para vários conjuntos de grandezas de um sistema num dado estado, obtém-se o resultado que, para grandezas ditas “canônicamente conjugadas” (uma é a transformada de Fourier da outra) o produto de seus desvios padrões é, no mínimo, igual à constante de Planck dividida por 2pi. Assim acontece com a posição e o momentum, com a ângulo de giro e o momento angular, com a energia e o tempo de medição e vários outros pares. Este é o chamado “Princípio da Incerteza” de Heisemberg. À medida que se procura apurar a medida de uma certa grandeza, sua conjugada fica mais indefinida. Se se tiver o valor exato do momentum, por exemplo, não se tem informação alguma sobre a posição e vice versa. Tal fato não é apenas teórico, mas experimentalmente verificado. Sua constatação confirma o fato de que, na Física Quântica (que é a Física, afinal de contas) existe um caráter eminentemente probabilístico na determinação das grandezas ditas “observáveis”, isto é, passíveis de medição. Em suma, o fato de um sistema estar em um dado “estado” (estado é como o sistema “está” em termos de sua configuração espacial, temporal e sua situação evolutiva, isto é, sua tendência de modificação), não significa que todas seus atributos e as grandezas que os medem sejam definidas. Há um leque de possibilidades e, ao se medir uma delas, podem aparecer diferentes valores, com diferentes probabilidades. Este fato, comprovado experimentalmente, é o maior golpe que a Física Quântica deu nas concepções filosóficas deterministas ligadas à Mecânica Clássica. Isto é: a natureza não é determinista, é probabilista. É com isto que Einstein não concordava e é isto que Amit Goswani diz ao falar que a Física Quântica é a física das possibilidades.
Princípio da Correspondência
Ehrenfest demosntrou que a derivada temporal do valor esperado da posição é igual à razão do valor esperado do momentum para a massa e que a derivada temporal do momentum é igual ao simétrico do valor esperado do gradiente da energia potencial. Esses dois teoremas, em conjunto, equivalem à segunda lei de Newton da Mecânica Clássica, desde que os sistemas sejam macroscópicos, de modo que o comprimento de onda da onda de matéria associada pelas equações de De Broglie seja muito menor que o tamanho do corpo e o pacote de onda que lhe representa seja bem localizado. Isto vém a ser o que se chama de “Princípio da Correspondência”: “As leis da Mecânica Clássica são casos particulares das leis da Mecânica Quântica, para sistemas macroscópicos”.
Equação da continuidade
De certa forma, a Mecância Quântica, ao tratar os estados das partículas por meio de uma função, funciona como uma teoria de campo, semelhante ao eletromagnetismo (inclusive pela existência da superposição linear). Isto fica patente se se pegar a equação de Schrödinger e somá-la com sua complexa conjugada. A equação resultante se torna, então, uma equação obedecida pela densidade de probabilidade, e é exatamente análoga à “equação da continuidade”, obedecida pelo fluxo de cargas elétricas bem como pelo fluxo de um flúido em escoamento. Isto é, a derivada temporal da densidade de probabilidade é igual ao simétrico do gradiente da “corrente de probabilidade”. Se substituirmos probabilidade por carga elétrica, temos a equação da eletrodinâmica para o fluxo de cargas e se substituirmos por densidade de massa, temos a equação da dinâmica dos flúidos. Mas o que seria “corrente de probabilidade”? Nada mais que o produto da densidade de probabilidade pela “velocidade de grupo” da onda de De Broglie associada à partícula. E a velocidade de grupo de uma onda é a velocidade do recorte da onda, que é a velocidade com que, na onda, caminham a sua energia e o seu momentum. Assim, neste caso, é a velocidade de “viagem” da probabilidade e de tudo que a partícula leva consigo, isto é, é a própria velocidade ordinária da partícula, macroscopicamente considerada.
Diferença notável
Apesar do Princípio da Correspondência e da Equação da Continuidade mostrarem que a Mecânica Quântica descreve não só o mundo microscópico mas também o mundo macroscópico ordinário (só que de modo muito mais complicado e, portanto, ineficiente para tratar dos problemas macroscópicos, mesmo que dê os resultados corretos), há diferenças fundamentais, só observadas no mundo microscópico, que fazem as duas irreconciliáveis neste domínio. A chave das diferençãs está no caráter de teoria de campo e na obediência ao princípio de superposição. Duas ondas podem se interferir dando como resultado a aniquilação mútua: isto é: luz mais luz pode dar escuridão. Quem já viu uma figura de interferência de uma experiência de Young pode constatar a olho. No mundo macroscópico duas partículas não podem ocupar simultaneamente o mesmo lugar no espaço, quanto mais se aniquilarem. Na Mecânica Quântica podem. Considerando que a função de onda Ψ é, de fato, um campo real, o “campo da matéria”, e que ele obedece à superposição linear, pode-se ter lugares em que, simultâneamente, coexistam os campos de duas partículas e que, em certas circunstâncias, eles se aniquilem, isto é, a probabilidade de haver partícula lá é nula, apesar de que, cada uma, separadamente, poderia estar lá. Este fato é observado experimentalmente na experiência de interferência (e difração) de elétrons e é um dos pontos principais de controvérsia nas diferentes interpretações da Mecânica Quântica, como veremos. Outro é a questão do emaranhamento quântico, que também será discutido.
Alguns pressupostos
Para compreender e explicar a realidade física, isto é, a natureza exterior objetiva (exterior à mente inquiridora), em primeiro lugar a Físca tem que adotar a crença na realidade do mundo independente do sujeito. Caso contrário nada há que se investigar, tudo pode ser inventado. Isto posto, são construídos modelos mentais da realidade. Esses modelos são representações esquemáticas das entidades e dos fenômenos da natureza. Nisto se faz uma simplificação e uma escolha de entidades teóricas que melhor se prestem à descrição de como a realidade é e como funciona. A realidade física é composta de três itens: conteúdo, estrutura e dinâmica. O conteúdo é a matéria, os campos, o espaço, o tempo. A estrutura é a disposição desse conteúdo, cada parte em relação às outras partes e a dinâmica é o modo como esta estrutura se modifica. Na natureza tudo é imbrincado e interconectado. Na verdade o Universo todo é um único organismo que pulsa. O fatiamento desse todo em partes distintas para estudo é uma mera questão didática, já que a apreensão, “in totum” da estrutura e funcionamento do Universo seria algo por demais grandioso e complexo. Além desse fatiamento, eu diria, geográfico, há um outro que se refere ao nível de profundidade da explicação. Explicar como funciona o corpo humano pode ser feito num nível anatomo-fisiológico, num nível bio-químico, ou num nível molecular ou até num nível de partículas sub-atômicas. A física dá as explicações mais profundas e também as mais abrangentes (se considerarmos a cosmologia como um capítulo da física). E nessa explicação entra a matemática, como comentarei na próxima postagem. Mas é importante sempre se ter em conta de que a natureza funciona por conta própria, independente da existencia ou não de alguma mente que pretenda explicá-la. Isto é fundamental para o modo como vejo a ciência. O homem é o menos importante. Mas é preciso que a natureza seja traduzida para uma interface humanamente compreensível. Como num programa de computador.
O modelamento físico-teórico da realidade
Ao se proceder um modelamento físico-teórico da realidade o pesquisador identifica padrões que podem ser associados a certos conceitos (os conceitos não existem na realidade em si, mas são construtos intelectuais). Como os fenômenos físicos experimentados pelas entidades físicas são de duas ordens: movimento e interação os conceitos mencionados se referem a esses fenômenos e aos itens da realidade física já mencionados. São as entidades físicas, seus atributos e as ocorrências que se dão com elas. Por exemplo: Entidades: matéria, sistema, corpo, campo. Fenômenos: interações, alterações, surgimento, aniquilação. Atributos das entidades: localização, extensão, movimento, massa, energia, carga, temperatura. Atributos dos fenômenos: duração, intensidade, quantidade, poder.Agora vém uma parte interessantíssima.Aos atributos mencionados podem ser associadas grandezas, que são entidades matemáticas (números, vetores, tensores, matrizes), de uma forma tal que haja uma correspondência bi-unívoca, isto é, as grandezas são operacionalmente mensuráveis. Ao se definir uma grandeza há que se definir um processo de se obter o seu valor. Uma vez que as grandezas são matemáticas, pode-se aplicar a elas todo o ferramental da matemática: álgebra, análise, geometria, trigonometria e assim por diante. Esse ferramental foi desenvolvido, inclusive, porque existiam grandezas físicas referentes a atributos de entidades físicas reais e objetivas a que elas se reportassem. Com o uso da matemática (e da lógica nela embutida), é possível se obter previsões do comportamento das entidades cujos atributos são dados pelas grandezas manipuladas.Pois bem, por incrível que pareça, na maioria das vezes, os resultados deduzidos matematicamente conferem com as medidas experimentais obtidas quando se provoca a ocorrência do fenômeno em questão. Esta correlação entre a matemática e o comportamento da natureza parece ser algo mais profundo do que uma mera coincidência. Isto é, a lógica e a matemática são tais quais são porque o mundo é assim.
Teoria e experiência
Essa retro-alimentação que existe na ciência é fundamental. Equações teóricas são obtidas por indução a partir do comportamento da natureza, analisado a partir das grandezas que descrevem os atributos das entidades e dos fenômenos. Trata-se de uma genrealização de casos particulares. Isto é o que se chama “Lei Física”. A validade da lei é sempre provisória. Tomando a lei como um postulado matemático, teoremas podem ser matematicamente deduzidos e suas previsões cotejadas com os valores experimentais ou observacionais. Discrepâncias existentes, já descontados os erros devidos às falhas experimentais, levam à busca de novas formulações teóricas mais corretas. E assim se aproxima cada vez mais da verdade. O método científico consiste em formular essas hipóteses (que são as equações) e testá-las. Um conjunto de hipóteses intercorrelacionadas e resistente aos testes consiste numa teoria física. Nessa formulação, contudo, não há referência à metodologia para se formularem as próprias hipóteses, que podem ser meros palpites. Segundo Popper, não importa, o método científico é o do teste. Nesse ponto eu discordo. O maior problema da ciência é encontrar a hipótese plausível para ser testada. Esse é o grande esforço. Em ocasiões especiais, em que os esforços se revelam infrutíferos, costuma surgir uma hipótese inteiramente fora dos padrões vigentes. São as revoluções de paradigmas a que se refere Khun. Isto é o que aconteceu com a mecânica quântica e com as duas relatividades e agora está acontecendo com a hipótese das super-cordas, ainda não estabelecida com segurança.Assim, realmente, a ciência faz uma sintese dialética do idealismo com o realismo, mas não se pode esquecer que a ciência é um construto ideal calcado na hipótese de que existe uma realidade objetiva material que precede esse construto. Isto é muito diferente de Platão e de Berkeley. Mas também não precisa ser positivismo. Não gosto muito de enquadramentos em correntes pré-definidas. Acho que a filosofia precisava deixar de ser tão adjetivada.
Ética e Ateísmo
Ética e Moral
Moral é ética são coisas correlatas mas diferentes. E nenhuma delas tem origem nas religiões. Pelo contrário, foram as religiões que se apossaram da moral (mas não da ética) como parte do ferramental para controle de seu rebanho. A moral existe em toda sociedade, mesmo as primitivas, e consiste em um corpo de prescrições comportamentais a serem cumpridas pela pessoa, para que seu convívio com os demais seja aceito dentro do que se tornou costume para aquele grupamento, naquele tempo e lugar. A moral é, pois, uma disciplina prática normativa e relativa ao contexto. O que é moral para certa sociedade, em certa época, pode não ser noutra época ou noutra sociedade. Já a ética é filosófica. A ética discute a razão das ações humanas e procura achar justificativas para sua aprovação ou condenação com base nos critérios de certo e errado, bom ou mau, justo ou injusto, honesto ou desonesto, verdadeiro ou falso, virtuoso ou viciado e outros do tipo. Busca, portando, independente dos costumes, definir os critérios para que algo seja ou não certo, bom, justo, honesto, verdadeiro ou virtuoso. E busca, também, definir que escolha seria a certa, entre essas possibilidades. É importante frisar que a eticidade de uma ação se prende à sua intenção e não à sua execução e só pode ser imputada se a ação foi realizada de forma livre e desimpedida de qualquer coação. Três critérios sobressaem dentre os que já foram levantados para a eticidade: o primeiro refere-se à característica daquela ação promover a maximização da felicidade para o maior número de seres ou ao contrário; o segundo se liga ao fato da ação poder ou não ser erigida como norma universal a ser prescrita para todo mundo e o terceiro se a ação seria uma que o autor gostaria de ser alvo ou não. Outros critérios, de menor valor, se prendem à utilidade e à lucratividade, por exemplo, que, em minha opinião, deveriam ser rejeitados.
Ateísmo, moral e ética
Neste sentido, o comportamento ateísta, em grande parte das sociedades, é tido como imoral, pois o costume é se aceitar a existência de deus e, além disso, reverenciá-lo em cultos e outros eventos sociais que se revestem de caráter religioso, mesmo que não o sejam, como casamentos, enterros, inaugurações, posses, formaturas. Por isso muitos ateus, como eu, comparecem a igrejas ou outros templos, em certas ocasiões, em atenção às pessoas de que é amigo, mesmo não crendo no que se realiza, em atitude respeitosa e circunspeta. Isto não significa trair suas convicções, mas sim, ser educado. Eu não diria que é amoral, pois amoral é um comportamento que não pode ser aferido como consoante ou não aos costumes. Uma chuva é amoral. Comer é amoral. Já sair nu à rua é imoral. A moral não é uma coisa certa nem errada em si. Alguns preceitos morais podem ser errados, se ferirem a ética, como é o caso da extirpação do clitóris em certas tribos africanas, a lapidação de adúlteras em uns países muçulmanos, a morte de bebês femininos em algumas zonas da China, a queima de bruxas e hereges em nações cristãs, tempos atrás, a segregação racial, de gênero, orientação sexual ou outras que existem por aí. São morais onde este é o costume, mas são antiéticas. O ateísmo, absolutamente não é antiético. A ação de ser ateu não diminui a felicidade de ninguém, pode ser adotada por qualquer um sem prejuízo e pode ser erigida como norma universal sem problema. Pelo contrário, o ateu, não relegando a um juiz do outro mundo a punição e o prêmio pela prática do mal ou do bem, investe-se da responsabilidade de promover, aqui mesmo, pela sociedade, esta tarefa, sendo assim muito mais ético. O que falar do católico que peca à vontade pensando que, ao se arrepender, vai ser perdoado e vai para o céu? E que valor tem a prática da virtude condicionada ao prêmio da salvação? Ser ateu pode ser imoral, mas é muito mais ético, principalmente porque é o suprassumo da honestidade para com a verdadeira realidade do Universo.
Ateísmo e Agnosticismo
Não me consta que exista na Física Quântica, como proclamam certos pseudo-cientistas esotéricos, algo que indique no sentido da existência de algum deus. Se houver, gostaria de saber, pois sou professor de Física Quântica e isto não me pode passar desconhecido. De fato não há comprovação cabal de que não exista nenhuma espécie de deus, como não há de que exista. No entanto, para tudo que não seja evidente ou comprovadamente existente, a opção que se toma é que não exista. Não é preciso provar que não existe algo que não se tem evidências de que exista e sim provar que exista. Por isto é que, considerar a inexistência de qualquer deus é a posição mais lógica, racional, coerente e honesta. Não se trata de “crer” que não existe deus algum (ou crer na inexistência de deus), mas em “saber” que não existe evidência e nem prova de que existe algum deus. O ateísmo não é uma crença, não é um palpite, não é uma opinião e nem uma certeza. É uma consideração, uma suposição, uma hipótese. Não garantida, mas muito bem alicerçada. Esta é a modalidade de ateísmo que abraço, isto é, o ateísmo cético, por alguns denominado “fraco”. Há uma modalidade de ateísmo, denominada “forte” que considera que seja certo que não existe nenhum deus. Isto é uma crença, uma consideração dogmática, do mesmo tipo que a fé religiosa. Este ateu é um crente que tem a certeza de que deus não existe. Mas isto não é comprovado. Quanto ao agnosticismo, trata-se de uma posição que, considerando que não se pode provar nem que deus exista nem que não exista, deixa de considerar a questão, omitindo-se sobre ela e levando a vida como se o tema fosse inteiramente irrelevante. Não é! Por causa da crença em deus nações foram destruídas e milhões de pessoas foram mortas. Não se pode ficar omisso quanto a isto. É preciso se posicionar. Eu me posiciono pela inexistência de deus e proclamo tal fato com todos os argumentos de que disponho. Já me considerei agnóstico, mas, revendo minha posição, vi que é uma posição muito incoerente e me decidi pelo ateísmo cético, no espectro de possíveis crenças em deus.
Niilismo, ateísmo e mau-caratismo
Desde que o personagem Ivan Karamazov, de Dostoievsky disse que: “Se não há deus, tudo é permitido”, que o ateísmo é confundido com o niilismo. O niilismo considera que não há significado algum para a vida e, portanto, que a moral e a ética são inteiramente sem cabimento. A pessoa pode fazer tudo aquilo que quiser, sem constrangimento. O niilista certamente é ateu, mas o ateu não necessariamente é niilista. O ateísmo admite a consideração de um padrão humanista e ético de comportamento. Muitos ateus que conheço são, até, mais virtuosos que a média dos crentes. Outra situação é a da pessoa que não possui, na prática, nenhuma escala de valores éticos e, mesmo não sendo ateu, age à revelia das concepções religiosas que, muitas vezes, diz professar, pautando suas ações inteiramente pela vantagem que leva, de forma completamente egoísta. Essa pessoa, na prática, ou não acredita em vida eterna, ou não acredita em castigo na vida eterna, ou confia em se arrepender antes da morte. É o mau-caráter. Trata-se de alguém inteiramente abjeto, egoísta e mesquinho, não merecedor do mínimo respeito e consideração. Muitas pessoas são assim e se dizem religiosas, o que não são. Mas podem crer em algum deus e algumas crêem em satanás ou outra modalidade de espíritos que lhes propiciariam vantagens em vida em troca de sua danação eterna. Tudo isto, certamente, não existe. Mas o mal existe. A disposição de provocar sofrimento, prejuízo, ou qualquer tipo de dano em outros seres para benefício próprio ou, simplesmente, por um prazer sádico. Isto, inclusive, é tema de estudos neuropsicológicos. Por isto é que digo que a responsabilidade do ateu em fazer prevalecer o bem e em evitar a ação dos mau-caratistas é muito maior, pois não existe deus algum para auxiliar ou para castigar o mal na outra vida.
Religião e Moral
Há certa razão quando se diz que o temor de deus (isto é, o medo de inferno) é um fator importante na determinação de uma conduta em observância aos preceitos morais. Ainda mais que, de um modo geral, a maioria dos preceitos morais de fundamentação religiosa são éticos. Assim, o ideal de santidade, que é preceituado não só pelo cristianismo, mas pelo islamismo, o hinduísmo, o budismo e o judaísmo (só para citar as mais importantes) se, de fato, fosse seguido por todos os fiéis, levaria certamente a um mundo mais fraterno, tolerante, solidário e compassivo. Parte da escalada de criminalidade hoje observada no Brasil e no mundo deve-se à perda desse temor do inferno (em outras palavras a um ateísmo na prática). No entanto duas questões emergem:As lideranças políticas e econômicas sempre cooptaram os líderes religiosos a incutirem nos fiéis que a consecução de seus desígnios ambiciosos de poder e riqueza deveria ser tomada como missão a ser cumprida pelos fiéis em atendimento à vontade do deus do local e do momento (cruzadas, inquisição, jihad, indulgências etc.). Poucos se insurgiram contra tais práticas (tipo um São Francisco de Assis ou Martinho Lutero), mas a insurgência foi momentânea. Depois, seus próprios seguidores acabaram vassalos da plutotiranocracia. A hierarquia eclesiástica católica sempre explorou os fiéis para o enriquecimento e poder pessoal. Padres como João Maria Vianey, o “Cura d’Ars” são a exceção. E mesmo Lutero, sei lá…A outra questão é simples: Será ético impingir uma conduta moral com base em uma mentira? (o castigo do inferno). Será que não é possível uma educação ateísta ética? Uma educação em que a virtude e o bem sejam erigidos como valores desejáveis por si mesmos e não por vantagem nenhuma a ser fruída ou por castigo nenhum a ser evitado? Será que a sociedade não pode, ela mesma, concluir que a honestidade e a solidariedade são mais valiosas do que o crime e o egoísmo? Não porque seja mais vantajoso, mas porque não é possível erigir a prática do mal como norma?Não importa se a pessoa considere que a existência de deus seja uma verdade ou uma mentira, a ética se aplica da mesma forma. O que afirmo é que as noções de bem e de mal, de certo e de errado, de justo e de injusto, de verdadeiro ou falso, de honesto ou desonesto, enfim desse tipo de dicotomia que é característico da ética, não são noções religiosas. Elas existem quer se considere que deus exista ou não. E a ética deve nortear a moral a prescrever os comportamentos adequados de modo inteiramente dissociado de qualquer prêmio ou castigo na vida eterna. Isso é que eu considero importante. Para mim não há virtude em se fazer o bem para se ganhar o céu ou não precisar se reencarnar mais e nem deixar de fazer o mal para não ir para o inferno ou para não se reencarnar outra vez. O bem vale por si mesmo. A recompensa da virtude é a paz da consciência. Esses valores são impregnados na mente, quem sabe, por algum gene, mas a razão é capaz de mostrar que se o mal fosse erigido como norma de conduta a ser recomendada e praticada generalizadamente, não haveria condições para nenhuma pessoa alcançar paz e felicidade. A sensibilidade também repudia toda crueldade e todo mal e infelicidade que se possa causar. E a felicidade é o bem que não é condição para obtenção de nenhum outro acima dele. Dinheiro, saúde, paz, educação e outros que tais se desejam para poder ser feliz. Mas se se é feliz sem dinheiro, para que serve ele? Qualquer um que paute sua vida pelo bem estará tranqüilo e nada temerá, nem mesmo a existência de deus. Uma conduta hedonista pode e deve ser perseguida, desde que de modo não egoísta. Eu diria que a virtude está na síntese dialética do epicurismo com o estoicismo. Creia-se ou não em deus.
segunda-feira, 21 de julho de 2008
Espécie Mulherana
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Em toda espécie animal superior o sexo que melhor a tipifica é o feminino. Ele é essencial para a sua preservação e, por partenogênese, sozinho, é capaz de garantir-lhe a perpetuação. O masculino entra como acessório, útil para garantir a variabilidade genética, sem dúvida fator importantíssimo para o sucesso evolutivo, mas não essencial para a existência da espécie. Nos vegetais este fato é ainda mais notável, já que o hermafroditismo das angiospermas permite caracterizar o indivíduo vegetal como feminino, sendo os órgãos masculinos da flor (estames) meros apêndices.
Uma das conseqüências disto é que os machos, entre eles o homem, vivem em função das fêmeas, que existem por si próprias. Assim eles precisam sempre fazerem-se aceitos por elas, para que seus gens possam perpetuar-se na prole. A natureza é toda regida pela tirania do gen que, de modo egoísta, pretende espalhar-se na população de uma espécie. À fêmea cabe a função de avaliar a qualidade do pretendente e aquiescer no sexo com ele, se julgá-lo suficientemente bom. Assim as fêmeas são as guardiãs da qualidade genética da espécie, não deixando que os exemplares menos aptos espalhem seus gens fracos. A espécie humana, de modo inconsciente, também participa desse jogo da natureza, mesmo quando possa parecer que é o sexo masculino o dominante. Em verdade até nas culturas mais machistas e patriarcais os homens vivem para suas mulheres, trabalham para suas famílias e fazem a guerra para defender sua companheira e sua prole ou para conquistar outras mulheres, evitando a endogenia. Mas tudo gira sempre em torno da mulher. Assim o nome da espécie, que na língua portuguesa coincide com o nome de seu exemplar masculino, devia ser “mulherana” e não, "humana".
Observa-se que, na história, a maior parte das grandes obras foi, e ainda é, realização de indivíduos do sexo masculino. Isso vale para a literatura, a música, a poesia, a pintura, a escultura, as obras arquitetônicas, as conquistas militares, as descobertas científicas, as grandes invenções e quase tudo de criativo já produzido por seres “mulheranos” (do sexo masculino, no caso). O motivo é simples: os homens precisam impressionar as mulheres com seus feitos para provar a elas que possuem bons genes. E nisso empenham o máximo de suas energias e capacidades. Todo feito glorioso, artístico, político, militar, científico, esportivo, qualquer um que um homem realize, ele o faz com o pensamento voltado para alguma mulher. Mesmo o arrebatamento místico e religioso possui um componente erótico sublimado, às vezes até, na devoção à Virgem Maria. As mulheres não precisam impressionar os homens para ter aquele que desejam. Basta serem seletivas e escolherem o mais conveniente.
A lição a tirar destas considerações é que, tomando consciência deste fato fundamental, homens e mulheres possam ter um melhor entendimento recíproco e consigam viver mais harmonicamente e não como seres de planetas diferentes. E que a aceitação desta verdade coloque o homem em seu devido lugar, deixando que as mulheres realizem-se completamente como pessoas de pleno direito e não como sombras de seus homens que em verdade são, eles sim, as sombras de suas mulheres. Assim poderão as mulheres desenvolverem em plenitude suas capacidades, que nada têm a dever às dos homens, pelo contrário, pois elas podem tudo o que o homem pode, mas o homem não pode gestar, parir e aleitar.
Não há, na espécie mulherana, impedimento biológico para que homens e mulheres exerçam as mesmas atividades, como acontece com outras espécies em que existe uma especialização sexual das atividades. Nesses casos é impossível o indivíduo do sexo oposto realizar uma tarefa específica do outro sexo. Isto não acontece com mulheres e homens, exceto nos aspectos estritamente ginecológicos. Portanto, a divisão sexual de tarefas é um contingenciamento puramente cultural e não biológico, podendo perfeitamente ser revertido.
Infelizmente, no decorrer da evolução antropológica de nossa espécie, em decorrência da maior força física e agressividade em média demonstrada pelo sexo masculino, a mulher foi constrangida em sua expressividade e relegada a funções de menor expressão social. Mas o advento da civilização e da tecnologia cada vez mais relega para um plano inferior a manifestação da força, privilegiando a inteligência e a sensibilidade, aspectos nos quais não há diferença na média exibida pelos dois sexos.
Numa sociedade em que se reconheça esta verdade não haverá distinção legal alguma entre os gêneros, não mencionando a lei, em nenhum de seus artigos, a que gênero pertença a pessoa objeto de algum direito ou dever. Todo direito do homem o será da mulher, bem como todo dever, do mesmo modo que todo direito da mulher o será do homem, assim como todo dever. Não existirá "serviço de homem" e nem "serviço de mulher", nem "coisa de homem", nem "coisa de mulher". As mulheres e os homens se orgulharão de suas características pessoais, quer sejam elas tidas atualmente como "femininas" ou "masculinas", pois tais distinções deixarão de existir. Qualquer atividade será igualmente distribuida entre homens e mulheres, bastando a diferença estritamente ginecológica, que, já sendo imensa, será, certamente, motivo de prazer e felicidade no convívio harmonioso dos dois gêneros.
Em toda espécie animal superior o sexo que melhor a tipifica é o feminino. Ele é essencial para a sua preservação e, por partenogênese, sozinho, é capaz de garantir-lhe a perpetuação. O masculino entra como acessório, útil para garantir a variabilidade genética, sem dúvida fator importantíssimo para o sucesso evolutivo, mas não essencial para a existência da espécie. Nos vegetais este fato é ainda mais notável, já que o hermafroditismo das angiospermas permite caracterizar o indivíduo vegetal como feminino, sendo os órgãos masculinos da flor (estames) meros apêndices.
Uma das conseqüências disto é que os machos, entre eles o homem, vivem em função das fêmeas, que existem por si próprias. Assim eles precisam sempre fazerem-se aceitos por elas, para que seus gens possam perpetuar-se na prole. A natureza é toda regida pela tirania do gen que, de modo egoísta, pretende espalhar-se na população de uma espécie. À fêmea cabe a função de avaliar a qualidade do pretendente e aquiescer no sexo com ele, se julgá-lo suficientemente bom. Assim as fêmeas são as guardiãs da qualidade genética da espécie, não deixando que os exemplares menos aptos espalhem seus gens fracos. A espécie humana, de modo inconsciente, também participa desse jogo da natureza, mesmo quando possa parecer que é o sexo masculino o dominante. Em verdade até nas culturas mais machistas e patriarcais os homens vivem para suas mulheres, trabalham para suas famílias e fazem a guerra para defender sua companheira e sua prole ou para conquistar outras mulheres, evitando a endogenia. Mas tudo gira sempre em torno da mulher. Assim o nome da espécie, que na língua portuguesa coincide com o nome de seu exemplar masculino, devia ser “mulherana” e não, "humana".
Observa-se que, na história, a maior parte das grandes obras foi, e ainda é, realização de indivíduos do sexo masculino. Isso vale para a literatura, a música, a poesia, a pintura, a escultura, as obras arquitetônicas, as conquistas militares, as descobertas científicas, as grandes invenções e quase tudo de criativo já produzido por seres “mulheranos” (do sexo masculino, no caso). O motivo é simples: os homens precisam impressionar as mulheres com seus feitos para provar a elas que possuem bons genes. E nisso empenham o máximo de suas energias e capacidades. Todo feito glorioso, artístico, político, militar, científico, esportivo, qualquer um que um homem realize, ele o faz com o pensamento voltado para alguma mulher. Mesmo o arrebatamento místico e religioso possui um componente erótico sublimado, às vezes até, na devoção à Virgem Maria. As mulheres não precisam impressionar os homens para ter aquele que desejam. Basta serem seletivas e escolherem o mais conveniente.
A lição a tirar destas considerações é que, tomando consciência deste fato fundamental, homens e mulheres possam ter um melhor entendimento recíproco e consigam viver mais harmonicamente e não como seres de planetas diferentes. E que a aceitação desta verdade coloque o homem em seu devido lugar, deixando que as mulheres realizem-se completamente como pessoas de pleno direito e não como sombras de seus homens que em verdade são, eles sim, as sombras de suas mulheres. Assim poderão as mulheres desenvolverem em plenitude suas capacidades, que nada têm a dever às dos homens, pelo contrário, pois elas podem tudo o que o homem pode, mas o homem não pode gestar, parir e aleitar.
Não há, na espécie mulherana, impedimento biológico para que homens e mulheres exerçam as mesmas atividades, como acontece com outras espécies em que existe uma especialização sexual das atividades. Nesses casos é impossível o indivíduo do sexo oposto realizar uma tarefa específica do outro sexo. Isto não acontece com mulheres e homens, exceto nos aspectos estritamente ginecológicos. Portanto, a divisão sexual de tarefas é um contingenciamento puramente cultural e não biológico, podendo perfeitamente ser revertido.
Infelizmente, no decorrer da evolução antropológica de nossa espécie, em decorrência da maior força física e agressividade em média demonstrada pelo sexo masculino, a mulher foi constrangida em sua expressividade e relegada a funções de menor expressão social. Mas o advento da civilização e da tecnologia cada vez mais relega para um plano inferior a manifestação da força, privilegiando a inteligência e a sensibilidade, aspectos nos quais não há diferença na média exibida pelos dois sexos.
Numa sociedade em que se reconheça esta verdade não haverá distinção legal alguma entre os gêneros, não mencionando a lei, em nenhum de seus artigos, a que gênero pertença a pessoa objeto de algum direito ou dever. Todo direito do homem o será da mulher, bem como todo dever, do mesmo modo que todo direito da mulher o será do homem, assim como todo dever. Não existirá "serviço de homem" e nem "serviço de mulher", nem "coisa de homem", nem "coisa de mulher". As mulheres e os homens se orgulharão de suas características pessoais, quer sejam elas tidas atualmente como "femininas" ou "masculinas", pois tais distinções deixarão de existir. Qualquer atividade será igualmente distribuida entre homens e mulheres, bastando a diferença estritamente ginecológica, que, já sendo imensa, será, certamente, motivo de prazer e felicidade no convívio harmonioso dos dois gêneros.
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