terça-feira, 21 de abril de 2009

Arte, inutilidade, beleza, ciência e filosofia.

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Na acepção mais básica possível, arte é o fazer e seu produto, englobando aí o artesanato, a engenharia, a indústria e as belas-artes. Em oposição, ciência é o conhecer, o saber, também englobando aí, nesta acepção básica, saberes empíricos e mitológicos. Numa acepção mais restrita, a arte (neste caso, as belas-artes) é um fazer enquanto comprometido com levar à fruição de um prazer sensorial e intelectual, advindo de alguma qualidade do produto, denominada estética, que leve a isto, não importando outras qualidades que possa ter, de caráter utilitário ou outros. Assim, a arte é inútil.
Acho que a arte, como criação, é um construto intelectual do homem em que ele usa sua sensibilidade, inteligência, vontade, habilidades, técnica adquirida e talento nato para fazer uma representação do mundo real ou imaginário, almejando levar ao apreciador uma sensação de prazer no ato de percebê-la, consistente em uma emoção advinda da interpretação feita pela inteligência do que a sensibilidade comunica.
Esse caráter estético pode ser considerado do ponto de vista do autor ou do apreciador. Um quadro pintado por um macaco pode não ser arte na intenção do autor, mas pode o ser na apreensão do apreciador. Do ponto de vista do autor a arte tem a intenção de provocar tal prazer. Notem-se três coisas: A arte não tem compromisso com mensagem alguma, exceto a estética. O prazer estético não tem nada a ver com beleza, o conceito de belo é outro. O feio pode ser arte. Finalmente, como qualquer ação humana, a arte não pode se furtar a ter um valor ético, que pode deliberadamente ser descartado, mas não deixa de estar presente.
Minha opinião é de que a arte não tem utilidade. Não é este o seu propósito. Mas justamente para as inutilidades, o supérfluo, é que faz sentido se lutar pela vida. O necessário à sobrevivência é mínimo. O que distingue o homem é almejar o inútil e se comprazer nisto. Trabalha-se para, afinal, se conseguir ser feliz e se é feliz quando se desfruta da vida com prazer. A arte dá esse prazer. A arte não precisa levar mensagem alguma para ser arte. Basta, do ponto de vista do apreciador, dar prazer em ser contemplada. Do ponto de vista do criador, certamente, a arte não é mero externar de sen-timentos e emoções. É, principalmente, um produto da inteligência, do trabalho, da vontade. O quadro feito pelo macaco não é uma obra de arte porque não foi produzido intencionalmente para tal. Mas pode ser apreciado como tal, se levar a quem o vê uma sensação de prazer estético. É claro que eu estou descartando a atitude imbecil de fingir que gosta ou entende de arte para dar a impressão de ser intelectual.
Dizer que a arte é inútil envolve uma ambiguidade proposital. A questão é o conceito de “útil”. No sentido pragmático, do que é necessário para a sobrevivência, a arte não tem utilidade. Mas ela se presta a promover o bem estar e a elevar o nível de felicidade. Quanto ao caráter formativo, no sentido de passar uma mensagem transestética, de valor ético ou ideológico, a arte se presta muito bem para tal, mas este não é o seu compromisso. Uma obra de arte conserva o seu valor estético mesmo que seja comprometida com nada ou que o seja com valores equivocados. Mas, é claro, a ética perpassa todo o fazer humano e, logo, não há como escapar. Mas a arte não precisa ter um compromisso, digamos, pedagógico.
Esta questão das inutilidades, da arte e de muita coisa nas ciências, na verdade é a mola mestra do progresso, não só técnico e material, mas, princi-palmente, cultural. Vejam minha especialidade em física: Cosmologia. Serve para quê? Para o mesmo que servem a poesia, a música, as belas artes: para elevar a mente, expressar o sentimento de deslumbramento frente ao Universo e, principalmente, em relação ao prodígio que somos nós mesmos. Não tem nenhum valor prático e nem precisa ter. É para o inútil que a humanidade aplica tanto esforço em produzir além do necessário para a mera sobrevivência. É nas inutilidades que se compraz o homem e alcança a felicidade de gozar um prazer inteiramente descompromissado.
Quanto à questão do belo e da relação entre o belo e a arte é preciso, antes de tudo, ver que são conceitos disjuntos. A noção de beleza tem a ver com a percepção do mundo por um ser sensiente e consciente. A arte tem a ver com certa produção de um ser inteligente. Um ninho de passarinho não é uma obra de arte. Assim alguma coisa é bela se provoca no observador sentimentos prazerosos ao percebê-la. Pode ser algo inteiramente natural ou um produto intencionalmente feito para provocar este tipo de emoção, dita estética. Assim concebida, a beleza de uma obra de arte não é necessariamente superior à beleza da natureza. Mas também não é necessariamente inferior. Depende de que obra de arte se está apreciando.
Uma característica importante da arte é que o artista tem que ser livre. A arte por encomenda só tem valor quando quem a encomenda deixa o artista livre. Mozart e Haydn compunham sob encomenda, mas Mozart, especialmente, fazia o que queria. Isto porque Mozart era um gênio e Haydn um grandioso talento. Já Beethoven rebelou-se completamente das encomendas. É claro que, mesmo sendo livre, a arte pode não ser boa, mas se não for livre é certo que não será boa. Note que disse boa, e não bela. O belo, na arte, não é necessariamente belo, na acepção corriqueira da palavra. A beleza da arte não é a beleza do que ela retrata. O artista pode passar ao apreciador algo feio como recurso de comunicação do que pretende externar com sua arte. Mas, fazendo-o com valor artístico, esse feio é belo.
Artista é isso: quem é capaz de expressar o sentimento em algo palpável, que outrem possa contemplar e captar. Mas arte não é só emoção e sentimento: é reflexão sobre como colocar o que se pretende, é inteligência, é trabalho, é vontade. São as idas e vindas, as decisões e indecisões. É o cansaço em cima da obra, até que se chegue ao que se concebeu. E, finalmente, o júbilo do parto, a contemplação da própria criação, aquela satisfação interna de ser um criador e não apenas uma criatura. Dá vontade de reter tudo consigo. Mas não se pode esquecer-se de ganhar a vida… E vender também é uma arte. A arte só vale se for para o outro, para o povo, para disseminar a beleza e, principalmente revelar uma postura de quem acredita na vida e nos valores maiores da humanidade. Assim sendo, rejubile-se o artista, pois é colega de Deus (supondo que exista).
Iniciei-me como cientista, mas desde cedo percebi que não se pode fazer ciência sem filosofar. E filosofar é debruçar-se, principalmente, mas não só, sobre a vida. A vida, contudo, só tem sentido se viver for a eterna busca de um significado que leve à felicidade de se estar vivo. Tal significado é dado principalmente pela arte. A arte, como expressão livre do espírito criativo do homem é sua maior realização, pois que não está comprometida com nenhuma utilidade, sendo, portanto, aquilo que o homem faz por puro deleite, mesmo que possa usufruir retorno por ela. Mas quem faz arte só pelo retorno financeiro não está fazendo arte. Assim comecei com o desenho e a pintura, depois a música, inclusive o canto, o ensaio, a crônica e, por fim a poesia. Meu ciclo se fechou e eu concebo todas as artes num único arcabouço, em que os diferentes sentidos se expressam por variados meios. Sempre há música e poesia na pintura, como há imagens na música, música na poesia e assim por diante. Chico Buarque compunha a letra e a música num único ato criativo. Esta é a minha concepção que, inclusive, vai mais longe. Vejo uma imensidão de música, poesia e beleza plástica na construção da ciência, especialmente na que me dedico, a Cosmologia, na qual me debruço sobre a origem, estrutura e evolução do Universo. E a Filosofia, então, nem se fala. Da mesma maneira, eu faço arte filosofando e coloco nela toda a ciência de que sou senhor. Assim é a série de "paisagens cósmicas" que estou pintando ou os poemas que escrevi e podem ser lidos no blog do meu site (procurar pela categoria "poesia"): www.ruckert.pro.br/blog.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

O Valor do Ateísmo

Não é por falta de formação religiosa que sou ateu. Pelo contrário. É por excesso de formação religiosa. Em minha juventude, quando era católico, fui convidado a participar da TFP e frequentei sua sede em Barbacena por um bom tempo, inteirando-me de sua proposta. Em função disto, aprofundei-me em estudos religiosos e filósóficos ao mesmo tempo em que também estudava muita física e cosmologia, que sempre foram a minha paixão. Esses estudos, tanto teológicos quanto científicos e filosóficos é que me levaram a perder a fé e tornar-me, a princípio, agnóstico e, posteriormente, ateu. No entanto, admiro a coerência, a dedicação à causa e a prática virtuosa dos membros da TFP, entre eles conhecida como “Grupo de Catolicismo”, e, certamente, as mesmas qualidades de seu mentor, Plínio Correa de Oliveira, que conheci pessoalmente. Todavia deploro suas posturas intransigentes com relação a outros pontos de vista e o comportamento à moda do “Opus Dei”.
Na verdade eu nunca aceitei interiormente a cosmovisão direitista da TFP. Intimamente sempre fui um anarquista convicto. Minha aproximação com a TFP se deu por uma admiração à sua postura ética estóica e ao modo de vida intelectual e culturalmente sofisticado. Mesmo tendo sido criado como católico, sempre encarei a religião de um ponto de vista cético e antropológico. Assim vi que a noção de “Revolução e Contra-revolução” é paranóica. A visão marxista é mais próxima da realidade, mas também é dogmática. Minha posição no espectro político não é de esquerda nem de direita, mas libertária, que é oposta à retrógrada e se lança para frente numa direção perpendicular ao eixo esquerda-direita.

Não considero que a descrença no sobrenatural e a adoção de um cosmovisão científica tire o encanto da vida. Em primeiro lugar a ciência é deslumbrante e maravilhosa, muito mais do que as sagas mitológicas dos Vedas, a Ilíada, a Odisséia, a Biblia ou o Corão. E a ciência não exclui a filosofia (mesmo a metafísica), nem a poesia, nem a música, nem a dança, nem o amor, nem a alegria, nem a bondade. Enfim, um ateu, inteiramente cético como eu, pode ser uma pessoa imensamente alegre, feliz, bondosa, idealista, prestativa, solidária, justa, honesta, sincera e um bravo lutador pelo prevalicimento do bem e a erradicação do mal. Mas também um eficaz esclarecedor que pretende difundir a luz da verdade onde imperam as trevas da ilusão e da ignorância. Por argumentos, esclarecimentos, demonstrações, sempre procuro levar a todos a mensagem de que as crenças no sobrenatural, em espíritos, em Deus, anjos, demônios e esse tipo de coisa são inteiramente infundadas. Que a oração é uma ilusão, que não há céu nem inferno, que a morte é o fim de tudo. Mas levar também o otimismo pelo fato de ter-se o privilégio de existir. Sim, pois esta vida é uma ocorrência raríssima no Universo e nós fomos os premiados por esta loteria que é mais difícil do que ganhar sozinho na mega-sena toda semana. Valorizar a própria vida e não viver a vida por causa da outra vida, que não existe. Nisto pode-se ser muito mais realizado, responsável e alegre do que na crença no sobrenatural. Aplicar-se a fazer o bem sem pretender nada em troca, nem o céu. E substituir a religião pela filosofia. É o que penso.

Como professor de Física (agora aposentado e só atuando na administração acadêmica), ao longo de minha vida profissional que completa agora 40 anos de magistério e mais de 20 mil horas-aula, nos níveis médio, superior e de pós-graduação, tenho sempre introduzido, em paralelo ao conteúdo precípuo da disciplina, minhas concepções filosóficas materialistas (hoje diria “fisicalistas”) de que não há nenhuma necessidade de se apelar para qualquer ser extra-natural onipotente para dar conta de se explicar tudo na natureza. Sempre respeitando os pontos de vista divergentes dos alunos fideístas, procuro mostrar que a ciência prescinde do conceito de Deus. E mais: mostro que todos os aspectos da vida, inclusive éticos, não dependem de divindade para se fazerem prevalecer. Que o bem existe por si mesmo e que ser ateu absolutamente não significa ser imoral. Infelizmente apaguei meus perfis anteriores mas, neles, os testemunhos de meus alunos, mostravam o quanto me prezavam e, até, admiravam minha postura e modo de vida. Acho que cada um de nós, ateus, na sua vida social, nas conversas com os amigos, deve aproveitar as oportunidades para levantar essa treva das crenças infundadas e fazer ver a luz do conhecimento real, da verdade cristalina de que Deus não existe e que isto é algo muito bom de se saber. Que é motivo de grande paz e felicidade, como também de maior responsabilidade em fazer prevalecer o bem sobre o mal. Tenho amigos e amigas que são religiosos mas, mesmo assim, respeitam meu ponto de vista e admiram minha postura. Infelizmente custam a se convencer. Mas isto, para mim, é um ponto de honra e, digo mesmo, uma missão de vida.

A militância ateísta de Richard Dawkins, Daniel Dennett, Sam Harris, Michel Onfray e outros não me parece, da modo algum, agressiva e mesquinha. Pelo que já li desses autores (todos os livros do Dawkins, “Quebrando o Encanto” do Dennett, “Tratado de Ateololgia”, do Onfray e “Carta a uma nação Cristã” do Harris) eles são muito mais educados e têm muito mais consideração pelos crentes do que reciprocamente os crentes em relação aos ateus. Outros autores ateístas que já lí, como Bertrand Russell e Andrè Conte-Sponville, por exemplo, também são respeitosos em relação aos crentes. Certamente que mostram, sem meandros, como eles estão equivocados e condenam, mas mesmo assim com cortesia e elegância verbal, os aproveitadores da credulidade do povo. Esta é uma postura que precisa mesmo ser posta em prática, pois está mais do que cabalmente demonstrado como as crenças, e sua pior manifestação, as religiões organizadas, são nefastas à humanidade. É certo que muita coisa boa se fez em nome de crenças e religiões, mormente no quesito filantropia, mas nada que não pudesse ser feito sem o envolvimento das crenças e religiões. Veja-se, por exemplo, os “Médicos sem Fronteiras”. É preciso que políticos ateus, como o Fernando Henrique, assumam sua condição de peito aberto (não estou abonando e nem estigmatizando o Fernando Henrique em nada aqui, exceto nisto). Tenho orgulho em me proclamar ateu perante todo mundo, sempre que inquirido a respeito, e defendo com bons argumentos minha posição. Apesar disto sou um pessoa conceituada e respeitada em meu meio social por tudo que faço e por minha conduta pessoal e social, além de admirado em meu exercício profissional de professor e administrador escolar. Aproveito tudo isso em benefício da causa ateísta e vejo como missão de minha vida tornar o mundo melhor pelo esclarecimento do povo neste aspecto.

A coisa mais importante para uma correta conduta intelectual é o espírito livre-pensador, inteiramente dissociado de qualquer dogmatismo mas também aberto a todas as possibilidades. O dogmatismo ateísta, bem como o marxismo dogmático são extremamente nocivos, do mesmo modo que o fanatismo religioso de muitos muçulmanos e mesmo de certas facções cristãs. A postura cética correta é a postura da dúvida, jamais levada a um plano dogmático. A dúvida é um dos instrumentos da busca do conhecimento, e, portanto, da verdade. A verdade é um valor superior a qualquer crença. Assim, meu ateísmo é uma condição atual e provisória. Como já fui católico romano fiel, passando para agnóstico e depois para ateu, posso me tornar espírita ou budista. Tudo vai depender de onde eu acharei a verdade. Mas meu ceticismo é fundamental, pois sempre vou precisar duvidar de ter possuído a verdade, justamente para obter mais garantias de que a possua. O que almejo ver disseminado na humanidade, especialmente na juventude, é esta posição franca e aberta de tudo examinar e considerar, nada objetando “a priori”, por mais esquisito que seja. O problema das crenças, mesmo do ateísmo dogmático, é justamente a inflexibilidade, os antolhos da mente. Por exemplo, ando muito interssado no espiritismo, pois tenho uma irmã que o professa. Com todo o meu ceticismo, tenho lido as obras de Allan Kardec, como já li a Biblia, muitos trechos do Corão e pretendo ler os mais importantes Vedas. Mas leio também Richard Dawkins, Michel Onfray, Sam Harris e Daniel Dennett, como lí Bertrand Russell. A questão que coloco é como decidir por esta ou aquela explicação do mundo. Para mim só há duas possibilidades: a evidência dos sentidos ou as ponderações da razão. Penso que a Fé, qualquer que seja, não pode ser usada como critério de verdade, uma vez que há fiéis sinceros que creem em coisas inteiramente diferentes. Quanto ao espiritismo, não está conseguindo me convencer.

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