sábado, 4 de outubro de 2008

"Noblesse Oblige" - Reflexões Eleitorais

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Aproxima-se o dia das eleições municipais e sinto-me no dever de levantar algumas questões de suma importância à consideração da eleitora e do eleitor. Certamente que já possuo meus candidatos a prefeito e vereador, mas não os declararei aqui. Quero considerar os critérios e cuidados a tomar na escolha do nome em que votar.

Para começar, é preciso que se tenha claro na mente o objetivo que se pretende com o resultado das eleições. Considero que a política municipal, além de sua finalidade precípua, que é o governo da cidade, também constitui a célula básica de todo o organismo da administração nacional. Portanto, o que se espera que venha a ser a política nos níveis estadual e federal, para as décadas vindouras, tem que ser semeado hoje, nas eleições municipais. Que a política seja a mais nobre e valorosa atividade a que um cidadão possa se dedicar, para engrandecimento de seu país e mesmo da humanidade, para a prosperidade e felicidade do seu povo e para elevação moral e dignificação pessoal de sua vida, a ser tomada como espelho de virtude, probidade, grandeza e altivez. O político de hoje é o fidalgo de antanho. E “noblesse oblige”.

O político, pois, mais do que qualquer outro, precisa primar por suas qualidades de ser humano íntegro e valoroso; idealista e combativo; competente e operoso; eficiente e eficaz; criativo e perspicaz; articulado e articulador, mas intransigente em seus princípios; magnânimo, mas exigente; ousado, mas cuidadoso; destemido e, ao mesmo tempo, prudente; realizador, mas zeloso pela correta aplicação dos recursos públicos. Sem mencionar que tem que pautar sua conduta por uma honestidade e lisura a toda prova, revelando um real, genuíno e profundo interesse pela solução dos problemas que afligem o povo e pela consecução de seu bem estar, prosperidade e máxima felicidade. E que, certamente, não pretenda fazer uso de seu mandato para proveito próprio, no sentido de obter vantagens ilegítimas, aceitar propinas ou outras formas de enriquecimento que, mesmo não sendo ilegais, não se coadunem com uma conduta irrepreensivelmente ética. E mais: é preciso que esteja disposto a lutar pela erradicação deste tipo execrável de comportamento político, caracterizado pelo clientelismo e pela venalidade de modo geral, importando-se mais com a coisa pública do que com a própria carreira política, sendo um genuíno democrata, mas que aja consoante sua consciência, mesmo que contrarie as determinações partidárias. Certamente que estas colocações, exaradas no gênero masculino, aplicam-se igualmente ao feminino, de todo direito capaz e competente para o exercício de qualquer mandato eletivo, como de resto, para qualquer atividade, ar­cando com todos os deveres e responsabilidades, bem como gozando de todos os direitos e regalias do masculino.

Assim, há que se correr dos que prometem benesses irrealizáveis ou a solução dos anseios particulares dos eleitores, em detrimento das prioridades gerais da população, inclusive da parcela que tenha votado em algum adversário. Ou que angariem seus votos em troca da concessão de favores e privilégios ilegítimos. Se tal tipo de pessoa se dispõe a transigir com a lei e a ética para se eleger, que garantia se terá de que honrará a palavra dada? Examine-se a história da vida do candidato para ver ao interesse de quem ele serve, se do povo ou de alguma classe ou local em especial, seja qual for, como funcionários públicos, professores, bancários, médicos, empresários, ruralistas, bairros ou distritos. Por mais legítimos que sejam suas reivindicações classistas ou locais, elas não podem se sobrepor ao interesse geral do povo, segundo prioridades criteriosamente levantadas. É preciso entender que a atividade de um vereador, por exemplo, não é resolver os problemas específicos dos demandantes, mas sim, legislar no sentido de que esses problemas sejam resolvidos de uma maneira legal, institucional e impessoal, abrangendo toda a coletividade. Mais importante do que calçar uma rua é estruturar uma legislação que promova o progresso da polis e o bem estar de todo cidadão, e fiscalizar para que seja cumprida.

Medite, cara eleitora e caro eleitor, sobre estas reflexões e faça sua escolha consciente do nome em que votar nas próximas eleições.

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Como é a Natureza

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Na verdade, o juízo que fazemos acerca da natureza tem o viés humanista, isto é, a natureza não possui, em si mesma, atributos do tipo inteligência, discernimento, afetos, desejo, volição ou alguma razão e propósito para fazer o que quer que seja. Apenas os seres de suficiente complexidade, como o humano (mas não só), concebem em suas mentes tais qualidades. A natureza não possui mente e, “a fortiori”, consciência. O que alguns denominam “consciência cósmica” é algo inteiramente sem fundamento, como também a noção de “Gaia”. A evolução do Universo se dá de maneira cega, à mercê das forças titânicas dos elementos, guiados pela aleatoriedade. Por acaso surgiu, neste rincão, uma espécie como a nossa, que se debruça sobre tais coisas e “filosofa”. Além disto, ela talvez seja capaz de interferir de modo consciente e com objetivo na evolução da vida e do cosmo, provido que seja tempo suficiente para que se atinja um nível de compreensão e domínio técnico de ferramentas capazes de tal proeza (se, antes disto, ela não destruir a si mesma). Enquanto isto, possivelmente, outras congêneres, em outras plagas, estejam com idênticos propósitos ou até mesmo, agindo nesse sentido.

A consciência, como atributo da mente, é uma ocorrência (um epifenômeno) do organismo (em especial do cérebro, mas não só), que advém de sua extrema complexidade estrutural e dinâmica, não tendo relação alguma com uma pretensa realidade sobrenatural, o dito “espírito”. A concepção monista fisicalista é a única consistente com todos os dados e, a cada dia, apesar das contestações, a neurociência progride em seu afã de explicar de modo puramente natural todo o psiquismo. Mas ainda é cedo para se ter um quadro definido. No entanto, isto não significa que ele não exista, pois tudo isto é muito recente. Deixemos passar umas boas centenas ou milhares de anos.

Os conceitos de belo e de feio também são humanos e inteiramente estranhos à natureza. De fato, há muito de belo na natureza. Nós consideramos belo aquilo que nos proporciona uma sensação agradável, quando o cérebro interpreta o que os sentidos lhe comunicam, à luz de nossa vivência. Como somos seres que surgiram neste planeta tendo evoluído em adaptação a suas condições, consideramos belo o que nos propicia uma adaptação satisfatória ao meio. Mas existe muita coisa feia, horrível mesmo na natureza. A noção de que a natureza seja perfeita absolutamente não procede. Senão não existiriam doenças que causam sofrimentos atrozes e mortes em agonias insuportáveis. Não haveria pessoas más e cruéis, não haveria predadores que caçam e matam para comer suas presas, que fogem apavoradas de seu cruel destino. Não haveria cataclismos climáticos, como furacões e tsunamis, que matam justos e pecadores, como não haveria terremotos e erupções vulcânicas. No mundo dos pequenos insetos e dos micro-organismos reina um apavorante terror para a sobrevivência: os vírus destruindo as bactérias, os anticorpos lutando contra os germes. A vida, em seu nível profundo é uma constante e horrível guerra. A evolução é uma batalha de sobrevivência. E no nível cosmológico, galáxias fagocitando-se, estrelas explodindo, buracos negros descomunais engolindo milhares de estrelas nos núcleos dos quasares. Tudo isso, se analisado estatisticamente, mostra que a feiúra é mais abundante que a beleza neste Universo. Não estou dizendo que não haja beleza na natureza, mas sim que ela não é bela, o que tem outro significado. Isto não é uma questão de se acreditar e sim de se constatar.

Quanto às doenças, mesmo que se tenha o maior cuidado, delas nem sempre se escapa, pois nem todas provém de contaminação, podendo ser hereditárias ou congênitas ou, ainda, resultante de exposição à radiação cósmica, o que não se consegue evitar. Mesmo as infecciosas podem se estabelecer em uma pessoa que tenha o máximo de precauções higiênicas e em lugares em que o estado toma todos os cuidados com a saúde pública. Os danos causados por catástrofes naturais, mesmo que não saibamos quem sejam os justos ou os pecadores, certamente não selecionam as vítimas por nenhum critério, a não ser o acaso, que alguns chamam de sorte ou azar. De fato, a natureza não é bela nem feia, nem burra nem inteligente, nem fria nem calorosa para com nenhum ser existente. Ela é completamente indiferente a todos esses aspectos e suas ações não se pautam por nenhum critério ético ou estético. Tais valores são construtos humanos, que também podem ser encontrados em animais mais evoluídos ou nos que ainda estão por vir na seqüência da evolução.

No entanto nós possuímos estes valores, e eles surgiram porque cultivá-los propicia, no todo do tecido social (já que somos gregários) a maximização do bem estar, da paz, da harmonia, enfim, da felicidade, o que resulta em vantagem evolutiva, pela garantia da procriação e do sucesso adaptativo ao ambiente, condições que não se cumpririam satisfatoriamente se o homem não cultivasse um comportamento ético e de valorização do bom e do belo. Imagine como a humanidade logo se aniquilaria se, por exemplo, a gatunagem fosse erigida como norma geral de procedimento para todas as pessoas. Quem produziria os bens a serem roubados? O progresso e o bem estar que propiciaram a explosão demográfica da espécie humana são resultantes da prática de valores relacionados à cooperação, à convivência harmônica, à solidariedade, a honestidade e a justiça. Na natureza, contudo, nada disto existe.

Em resumo, a poesia da natureza e a beleza que se pode ver em muitas coisas são patentes e motivo de um sentimento de enlevo e êxtase contemplativo, que também partilho com todos. A ternura, o carinho e o deslevo de uma mãe amamentando seu filhinho, um gesto de solidariedade, enfim, há inúmeros exemplos comoventes de beleza e bondade, não só humana, mas provindo de todos os seres da natureza. Concordo plenamente. O que estou dizendo é que tudo o que existe de belo na natureza (e é muita coisa), não a caracteriza como "bela", pois não se trata de uma regra geral, sempre presente, mas de um aspecto acidental, mesmo que bastante ocorrente. Da mesma forma que existe a beleza, existe a feiúra, mesmo horrível, o sofrimento, a maldade, a dor. A natureza, em sí, é indiferente a tais aspectos. Ela não é boa nem má, nem bela nem feia. Existe beleza e existe feiúra, existe bondade e existe maldade. Só que estes conceitos não estão nas coisas em sí, mas no modo com que nós, humanos, as vemos. Inclusive, isto varia com o tempo, o lugar e a cultura do observador. Por isto é que digo que não há uma razão para a natureza ser fria e burra, simplesmente porque ela não é fria e burra. Ela é indiferente. Ela não possui os atributos de inteligência e nem de sentimentos. Então não se pode dizer que ela seja burra e nem que seja fria. Tais qualificativos não se lhe aplicam. Nós é que temos uma tendência de antropomorficar as ações da natureza, tanto que inventamos o conceito de deus como um ser interveniente na natureza, possuidor de inteligência, sensibilidade, volição e poder, isto é, deus foi criado à imagem e semelhança do homem.

A beleza e a bondade existem sim e são objetos de especial valor e merecedores da máxima aplicação de esforços em sua obtenção. Mas são valores humanos. Numa natureza desprovida de seres conscientes e sensientes, não existiriam tais categorias.

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terça-feira, 30 de setembro de 2008

Energia

     .Energia é um conceito muito falado e pouco compreendido, além de ser, muitas vezes, atribuído a coisas que, absolutamente, nada têm a ver com energia. Energia é um conceito físico, e, como tal, um construto abstrato humano, não correspondente, necessariamente, a algo concreto na natureza. Os conceitos e as teorias físicas, todavia, permanecem enquanto fizerem sentido e conduzirem a interpretações adequadas da realidade objetiva, de modo a permitir a previsão e o controle do comportamento da natureza.

    

     Muito do que se considera como sendo “Energia”, na verdade trata-se de conceitos que melhor seriam descritos por palavras como “Disposição”, “Ânimo” ou outras de natureza psicológica e não física. Para um organismo biológico, a única coisa que fornece energia é o alimento, ou a luz solar, no caso de plantas clorofiladas. Demonstrações de afeto não “passam” energia, nem tampouco “chás”, “florais”, ou “incenso”. Drogas como guaraná, ou os ditos “energéticos”, na verdade atuam no sistema nervoso, criando um estado de alerta potencializado, mas não fornecem energia. Apenas habilitam o organismo a acelerar o consumo da energia disponível. Açúcar, amido e os demais carboidratos, bem como proteínas é que fornecem energia ao organismo. Orações, “passes” e “benzeduras’, além de outros rituais tampouco.

    

     É preciso entender que energia não é uma entidade. O Universo não é feito de "matéria e energia", mas sim de campos, que se apresentam como matéria e radiação em suas quantizações ou campos de força estáticos não quantizados. Esses campos é que possuem ou não energia. Ela é, pois, um "atributo" das entidades constitutivas do Universo e de seus conglomerados, que são os sistemas e, em particular, os corpos. Sistema é qualquer subconjunto do Universo, constituído de campos, radiação e matéria. Um sistema que possua uma fronteira nítida é um corpo. Para se trabalhar com o atributo energia dos sistemas, associa-se a ele uma "grandeza", também denominada "energia", a que podemos dar um valor passível de medição, de caráter escalar, isto é, expressa exclusivamente por um valor, sem orientação espacial, e extensivo, isto é cumulativo aditivamente. O que representa esta grandeza?

    

     De modo intuitivo podemos dizer que energia é a grandeza que mede aquilo que um sistema consome ao realizar algo. E realizar algo significa interagir com outros sistemas e alterar suas configurações e seus estados, quer mudando seu movimento, sua distribuição espacial ou outras características que ele apresente, como eletrização, temperatura, estado de agregação, magnetização etc. A alteração de tudo isto se dá com o dispêndio de energia, que funciona como se fosse dinheiro, na economia da natureza. Por configuração entendemos a disposição espacial das partes do sistema e por estado a condição que, além da configuração, considera como o sistema está ou tende a evoluir no tempo.

    

     O mais importante sobre a grandeza energia, que lhe confere uma enorme importância no estudo dos sistemas físicos e sua evolução, é que ela obedece a uma “Lei de Conservação”. Isto quer dizer que energia é uma grandeza que não se perde nem se cria, apenas se transforma ou se transfere, sendo o total uma constante para um sistema isolado, isto é, que não interaja com a vizinhança. E como o Universo, por definição, é um sistema isolado, pois não tem vizinhança, a energia total do Universo é uma constante, quer dizer, não varia com o passar do tempo. O curioso é que, levando em conta que as energias potenciais podem ser negativas (quando a interação é atrativa e se escolhe o zero na configuração em que não se tem interação), é possível que, incluídas todas as interações, a energia total do Universo seja exatamente ZERO. Portanto a possibilidade de que o Universo tenha surgido do nada, não viola a conservação da energia. Mas, mesmo que violasse, como não havendo nada também não há leis a que se obedecer, a passagem da inexistência para a existência do Universo não teria que obedecer a leis que vigoram enquanto ele existe.

     

     Nas interações há, pois, a possibilidade dos sistemas trocarem energia e podemos fazer uma contabilidade disto (débito, crédito, saldo). A quantidade de energia trocada (o pagamento ou recebimento, dependendo do ponto de vista), é medida por dois tipos de grandeza: trabalho e calor. A interação envolve realização de trabalho quando é possível detectar aplicação de força entre os sistemas, que, em decorrência, sofrem deslocamento, na totalidade ou em alguma parte. E o calor é transferido quando na interação há diferença de temperatura entre os sistemas ou subsistemas sem nada que impeça a energia de fluir. Mas o calor é um conceito macroscópico, só perceptível em sistemas de muitas partículas. Entre partículas elementares (prótons, elétrons), só se troca energia por realização de trabalho. Calor é, pois, uma espécie de trabalho líquido global entre as partículas dos sistemas, que não acarrete uma aplicação de força e um deslocamento macroscópico desses sistemas.

    

     À energia que um sistema possui pelo fato de estar em movimento chamamos cinética. Considerando o sistema como um todo, tal energia é medida pela metade do produto da massa (grosso modo a quantidade de matéria) do sistema pelo quadrado de sua velocidade. Como a velocidade é um conceito relativo, assim também o é a energia cinética. O trabalho que uma bala de fuzil pode fazer depende de sua velocidade relativa ao alvo. Para escaparmos da morte por fuzilamento, basta, pois, que saiamos correndo com a mesma velocidade da bala que, assim, em relação a nós, estará parada e não nos fará mal. Isto, de fato, é o que ocorre com as baterias anti-aéreas que tentem alvejar um avião que já passou, atirando por trás.

    

     À energia que um sistema possui por estar submetido a um campo de força denominamos potencial. Seu significado está em que, permitindo-se que a força do campo aja sobre o sistema, ele se deslocará, adquirindo velocidade e, pois, energia cinética, cujo valor consideramos que antes estava armazenado no campo de força da interação.

    

     Energia Interna de um sistema é a totalidade de todas as energias cinéticas e potenciais de todos os constituintes do sistema, incluindo partículas e campos, bem como a energia associada à massa (de repouso) de todas as partículas. Isto inclui as energias cinéticas translacionais, rotacionais e vibracionais e as energias potenciais (referentes a todas as interações) intermoleculares, interatômicas, intra-atômicas, nucleares e qualquer outra espécie que se considere, desde que medida com relação ao centro de massa do sistema.

    

     A Energia Externa é a totalidade das energias cinéticas e potenciais, de toda ordem do sistema, considerado como um todo, com relação às interações que experimenta com outros sistemas externos a ele e o movimento que faz em relação a algum referencial externo a ele.

    

     Energia Total é a soma dessas duas.

    

     É importante frisar que não conhecemos o valor absoluto nem da Energia Interna nem da Externa, pois as potenciais são valores de calibre, que dependem da definição do zero e as cinéticas são relativas ao referencial. As equações da Termodinâmica dizem respeito a variações de energia, que são diferenciais exatas, isto é, variações de alguma função bem definida do estado do sistema e as correlacionam com o trabalho de configuração (que se dá pela mudança da configuração) ou dissipativo (que se dá sem mudança na configuração) e o calor, que são diferenciais inexatas (ditas pfaffianas), isto é, cujo valor não depende só da mudança na configuração, mas também do modo como esta mudança ocorreu, isto é da sua história (das situações intermediárias experimentadas). Por isto existe variação da energia, mas não existe variação do trabalho e do calor.

    

     Quanto à temperatura de um sistema de partículas, trata-se de uma grandeza proporcional apenas à energia cinética translacional por partícula, sendo a constante de proporcionalidade igual dois sobre a constante de Boltzmann dividido pelo número de graus de liberdade de movimento das partículas. Isto, para um gás ideal monoatômico, por exemplo, com 3 graus de liberdade de movimento, equivale a dizer que, para cada kelvin (ou grau Celsius) de temperatura, as moléculas têm uma energia média de 2,07 × 10-23 joules.

    

     Como todo sistema interage com sua vizinhança emitindo e absorvendo radiação eletromagnética, podemos, pela análise do espectro desta radiação (intensidade versus freqüência) definir sua temperatura por comparação com a curva de radiação de corpo negro (ou de cavidade) correspondente. Na verdade, os corpos reais não são negros, logo esta temperatura não corresponderá à temperatura cinética anteriormente mencionada. Além do mais, o conceito de temperatura supõe um sistema em equilíbrio térmico. Para sistemas fora do equilíbrio seria preciso definir partes do sistema que possam ser consideradas em equilíbrio. Há também a questão da definição do que seja a temperatura de uma superfície, bem como a de sistemas de fluxo aberto.

    

     A questão absolutamente não é simples e a própria Física Estatística não dá boa conta do recado. O que podemos dizer é que, realmente, não conseguimos medir a energia de um corpo em sua totalidade e, mesmo que pudessemos, a temperatura não depende do total de energia, mas de parte dela. E se o corpo tiver a complexidade de um organismo biológico, como um pedaço de madeira, então a coisa fica complicadíssima. O que podemos obter são as variações de temperatura a partir das variações da energia interna, que, por sua vez, dependem do trabalho e do calor, que são modalidades de se transferir energia.

    

     A não ser que consideremos como sistema a totalidade do Universo, todo sistema possui uma vizinhança que é, simplesmente, o resto do Universo, fora o sistema. E o que é um sistema? É um subconjunto do Universo definido sem ambigüidade, de tal forma que se possa dizer, a cada momento, o que pertence ou não pertence a ele e qual a sua fronteira. A fronteira pode ser fixa ou móvel bem como o seu conteúdo. As energias cinéticas das partes constitutivas do sistema, medidas em relação a seu centro de massa, adicionadas às energias potenciais devidas às interações entre suas partes, constituem sua Energia Interna. A energia cinética do sistema como um todo, considerado em seu centro de massa, medidas em relação a um referencial externo, bem como as energias potenciais devido às interações das partes do sistema com o que estiver fora dele constituem sua Energia Externa.

    

     Em Relatividade, a totalidade da energia interna do sistema (incluindo a da massa de repouso das partículas constitutivas) é Energia Própria do sistema, que determina sua ação gravitacional ativa e passiva, bem como sua resposta inercial às tentativas de alterar seu estado de movimento. Portanto é correto que possamos obter o valor da energia interna de um sistema por seu comportamento gravitacional, sempre lembrando que, nas equações de Einstein, que seriam aplicadas, os coeficientes da métrica são funções da massa do corpo central, que na relatividade inclui todo o tipo de energia interna, avaliadas numa aproximação limite de campos fracos, obtida pela escolha do calibre no qual o potencial é nulo no infinito, de modo a se identificar com a solução newtoniana. Assim o valor de energia total, mesmo relativisticamente calculado, não deixa de ser um campo de calibre. Além do mais, a escolha da origem no corpo, mesmo que sempre possível, não deixa de ser uma arbitrariedade, que altera o valor da energia total, mas não da interna.

    

     A impossibilidade de atingirmos o Zero Absoluto não está contida na Segunda Lei da Termodinâmica, que, a princípio, não proíbe um Ciclo de Carnot de rendimento 100%, desde que o reservatório frio esteja no Zero Absoluto. Ela está na Terceira Lei da Termodinâmica, esta sim, que proíbe que se atinja o Zero Absoluto. Mas são leis independentes. Um bom apanhado deste assunto se encontra em um livro para engenheiros, muito bom:

SEARS, F.W. & SALINGER, G.L. - “Termodinâmica, Teoria Cinética e Termodinâmica Estatística” - Guanabara Dois.

    

     O ambiente ou vizinhança é o complemento de um sistema, isto é, o resto do Universo. Assim, haveria três energias. A do sistema, a da vizinhança e a da interação do sistema com a vizinhança, incluindo, neste caso, a energia cinética do movimento relativo deles. Esta energia não é interna a nenhum deles, mas externa a ambos. Quando se calcula a energia total de um sistema isto não inclui a energia interna da vizinhança, mas apenas a da interação da vizinhança com o sistema. Invertendo o papel do sistema com a vizinhança, vê-se que, se forem somadas as duas energias totais, esta da interação mútua será computada duas vezes. E claro que a energia pode ser adjetivada, segundo vários critérios, como potencial, cinética, interna, externa, própria etc.

    

     Denominamos exergia à máxima parte da energia interna que pode ser transformada em trabalho útil quando um sistema é levado de um estado qualquer ao equilíbrio com seu ambiente. Nesta definição não está sendo levada em conta variações da energia externa do sistema no processo (que também podem produzir trabalho útil, entendido como de configuração e não dissipativo). Para calculá-la consideramos a transformação dividida em duas, uma adiabática, isto é, termicamente isolada, até atingir a temperatura do ambiente e outra isotérmica, isto é, à temperatura constante, até atingir a pressão do ambiente. O trabalho dessas duas é a exergia, que pode ser calculada exatamente. Mas isto é mais uma questão tecnológica. Para considerações puramente físicas, não interessa a utilidade da energia.

    

     A propósito, neste contexto, considero que a convenção de sinal para o trabalho em Termodinâmica é errada. O trabalho deve ser considerado positivo quando aumenta a energia do sistema, isto é, quando é realizado “sobre” ele e não “por” ele. Deveriamos ter   dW = - pdV ,   sendo a primeira lei   dU = dQ + dW.   Assim tudo fica muito mais lógico, apesar de menos prático. Não acho que a praticidade ou utilidade sejam valores superiores à coerência lógica.

    

     Para melhor entendimento de tudo o que foi dito, analisemos um exemplo.

    

     Consideremos o Universo constituído de quatro partículas A1, A2, B1 e B2 e subdividido em dois sistemas, A e B, sendo B o ambiente de A e A o ambiente de B.

    

     Consideremos as energias:

    

TA1cm = energia cinética de A1 em relação ao centro de massa de A;

TA2cm = energia cinética de A2 em relação ao centro de massa de A;

VA12 = energia potencial das interações entre A1 e A2;

c²MA1 = energia da massa de repouso de A1;

c²MA2 = energia da massa de repouso de A2.

 

     À soma dessas energias denominamos “Energia Interna de A” = UA.

    

TB1cm = energia cinética de B1 em relação ao centro de massa de B (ambiente de A);

TB2cm = energia cinética de B2 em relação ao centro de massa de B (ambiente de A);

VB12 = energia potencial das interações entre B1 e B2;

c²MB1 = energia da massa de repouso de B1;

c²MB2 = energia da massa de repouso de B2.

 

     À soma dessas energias denominamos “Energia Interna de B” = UB = energia interna do ambiente de A.

    

Vext = VA1B1 + VA1B2 + VA2B1 + VA2B2 = energia potencial das interações entre as partículas de A e as partículas de B. Esta energia não é interna nem a A nem a B (seu ambiente).

 

TAext = energia cinética do centro de massa de A (com a soma das massas de A1 e A2) em relação a um referencial externo a A.

 

     À soma Vext + TAext = EAext, denominamos “Energia Externa de A”.

    

     À soma EAext + UA = EA, denominamos “Energia Total de A”.

    

     De modo análogo procedemos com relação a B e determinamos a “Energia Externa de B”, que é o ambiente de A, bem como a “Energia Total de B”.

    

     Se somarmos as energias totais de A e de B (seu ambiente) não obtemos a energia total do Universo porque, neste caso, estaremos somando duas vezes a Vext.

    

     Isto é mais ou menos como achar a união de dois conjuntos que possuem uma intercessão (que, no caso, é a interação entre o sistema A e seu ambiente B).

    

     É claro que a energia interna de A adicionada à energia interna de B não dá a energia total do Universo, pois fica de fora a energia da interação entre A e B.

    

     Além do mais, para considerarmos as trocas entre os sistemas A e B, é preciso que as energias cinéticas sejam todas calculadas em relação a um mesmo referencial, que pode ser o centro de massa de um deles. Neste caso, ele não teria a componente cinética da energia externa

    

     Quanto à temperatura de A, neste exemplo, ela seria dada pela expressão (TA1cm + TA2cm)/2, em unidades de energia por partícula, já que A só tem duas partículas (o 2 do denominador). E a temperatura do ambiente seria (TB1cm + TB2cm)/2.

A temperatura de equilíbrio do sistema e seu ambiente seria (TA1cm + TA2cm + TB1cm + TB2cm)/4.

     

     Outra questão relativa à energia que não é bem esclarecida é a sua relação com a massa, expressa pela equação E = mc², devida a Einstein. Isto significa que massa, no fim das contas, nada mais é do que uma manifestação da energia. Vamos entender primeiro o que significa massa. Como energia, trata-se de um atributo dos sistemas, no caso, aquele que lhes confere a propriedade de resistir às mudanças em seu estado de movimento, quando instado a tal pelas interações com o resto do Universo. É interessante que outra propriedade dos sistemas, que lhes confere a capacidade de exercer, ativa e passivamente, interação gravitacional, que poderíamos denominar de “carga gravitacional”, por analogia com a “carga elétrica”, revela-se rigorosamente proporcional à sua massa. Assim podemos confundir os dois conceitos, inclusive usando a mesma unidade para medir a grandeza a eles associada, denominada, simplesmente, “massa”. A Relatividade Geral toma como postulado que esses atributos são a mesma coisa no “Princípio da Equivalência” e identifica a gravitação não como uma interação, mas como uma manifestação geométrica do espaço-tempo, indistinguível da inércia.

    

     Assim o comportamento inercial e gravitacional de um sistema, que na Relatividade Geral é o grau de curvatura que ele imprime ao espaço-tempo, é função de sua massa. Mas em que consiste esta massa, em termos de outras propriedades possuídas pelo sistema? Simplesmente no total de sua energia interna. Como visto, ela inclui as energias cinéticas e potenciais das partes do sistema em relação a seu centro de massa, além da energia da massa de repouso de seus constituintes. Assim, a massa de um núcleo atômico inclui as energias potenciais entre os nucleons (prótons e nêutrons), devido às interações eletromagnéticas e nucleares forte e fraca e as energias cinéticas das vibrações, rotações e translações (em relação ao centro de massa do núcleo) de tudo o que ele é feito mais as energias dos campos de força existentes dentro dele. Quando um núcleo se rompe numa fissão, cada parte tem menos massa que o núcleo original, sendo a diferença transformada em energia cinética dos subprodutos, que, devido à caoticidade do sistema macroscópico, significa aumento da temperatura, e em energia radiante dos fótons emitidos. Isto é que faz funcionar os reatores nucleares e as bombas atômicas.

    

     Mas o que é a massa de uma única partícula subatômica elementar, como um elétron ou um quark, que não se subdivide em nada mais primitivo? Esta partícula é uma quantização do campo primordial do vácuo, isto é, trata-se de uma condensação de campo. E o campo possui uma energia potencial da interação que ele exerce. Este campo é tanto eletromagnético quanto nuclear e fraco. A energia dessas interações concentradas na partícula consiste na sua massa, pela relação E = mc². Na Teoria das Supercordas, cada partícula dessas é um anel de supercorda, que exibe diversos modos de oscilação, torção e rotação, sendo a energia desses modos a responsável pela massa. Cada tipo de partícula elementar é caracterizado por um conjunto de modos e freqüências de movimentos, que lhe dá a massa que ela possui.

    

    Finalizando quero comentar os conceitos de “Energia Mecânica” e de “Energia Térmica”, muito usado na Física elementar e na Engenharia. A energia mecânica de um sistema além de toda a sua energia externa, inclui também uma parte da energia interna que é a energia cinética das partes em relação ao centro de massa do sistema que pode ser atribuída a porções macroscópicas do sistema, em bloco. Isto se dá, por exemplo, com a energia rotacional de um corpo rígido, a energia vibracional de um corpo elástico, desde que compartilhada coletivamente por porções macroscópicas do sistema, bem como energias de vórtices de flúidos em bloco. A energia térmica é, assim, a parte da energia interna que não pode ser atribuída a movimentos “em bloco” de porções macroscópicas do sistema. Sua característica principal é ser caótica, isto é, para qualquer pequena porção do sistema mas que possua dimensões macroscópicas, o movimento das partículas que o constituem possui uma quantidade de movimento resultante nula. Caso não seja nula, teremos um movimento global que possuirá uma energia mecânica, como é o caso do vento, por exemplo.

    As energias potenciais internas, também podem contribuir para a energia mecânica, se forem associadas a porções macroscópicamente organizadas do sistema, como a energia armazenada em uma mola comprimida. Mas pertencerão à energia térmica se não se puder associar a uma interação global de uma parte do sistema com outra, como é o que se dá com a energia potencial intermolecular ou interatômica que caracteriza o fato do sistema estar no estado sólido, líquido ou gasoso. Essas energias potenciais são térmicas.

    No caso do som, as energia potenciais e cinéticas das partículas do meio propagante associadas á onda sonora são mecânicas, enquanto as mesmas energias associadas ao movimento caótico das partículas é térmica. Os conceitos de energia mecânica e térmica só se aplicam a sistemas de muitas partículas, que, normalmente, podem ser tratados como um meio contínuo, que seja rígido, deformável ou flúido.

    A quantidade “U” que aparece nas equações da Termodinâmica, de fato, não é a energia interna, mas sim a energia térmica. De qualquer modo, pode-se dizer que a energia total de um sistema seja a soma de sua energia interna com a externa ou a soma de sua energia térmica com a mecânica. Em símbolos, para um sistema:

E = energia total;

X = energia externa;

I = energia interna;

U = energia térmica;

M = energia mecânica;

V = energia potencial interna ordenada;

V’ = energia potencial interna caótica;

K = energia cinética interna ordenada;

K’ = energia cinética interna caótica;

Vo = energia potencial externa;

Ko = energia cinética externa.

Então:

X = Vo + Ko ;      U = V’ + K’ ;      I = U + V + K ;      M = X + V + K

E = X + I = U + M = V0 + K0 + V + K + V’ + K’.

    

Em uma próxima postagem comentarei outro importante conceito físico, a "Entropia".

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