segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Santidade

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Concebo a santidade como um estado de busca e prática de todas as virtudes, não motivada pela obediência a pretenças prescrições da divindade para salvação da alma (o que exibe resquícios de egoísmo, não sendo, portanto, algo inteiramente santo), mas sim movida por uma convicção interna e profunda de que, não existindo uma razão de ser extrínseca para a vida (isto é, nossa vida não tem porquê nem para quê, trata-se meramente de uma injunção de acasos favoráveis, ou seja, não há Deus, nem alma, nem céu, nem inferno), esta deva ser encontrada pessoalmente, pois nosso psiquismo só se aquieta ao repousar em um propósito que dê sentido ao ato de existir. A razão última para qualquer ação, a que não é condição para se obter nada além, é a felicidade. Esta, contudo, só se obtém com a paz de consciência, com a certeza de que tudo se faz para promover o bem e que não se pode conquistá-la às expensas da promoção da infelicidade de outrem. Há-se que, pois, promover uma sintese dialética do estoicismo com o epicurismo e levar a vida de uma forma hedonista virtuosa. Tal é minha concepção de santidade, que considero que deva ser o padrão de comportamento de todas as pessoas. Sim, exatamente isto: todo mundo precisa ter o propósito e envidar todos os esforços para ser santo!

Isto inclui o respeito a todas as crenças e modos de viver como “conditio sine qua non” de toda convivência harmônica e pacífica. Mas tem que ser de parte de todos em relação a todos. Tolerância é a palavra. Todavia não se pode tolerar a intolerância, que precisa ser coibida pela sociedade. E também os comportamentos destrutivos e nocivos ao bem estar global da população, incluindo aí as práticas gananciosas e rapinas de políticos e empresários que oprimem e exploram o povo e os trabalhadores em benefício de seus egoísticos projetos de enriquecimento ilegítimo (a riqueza auferida legitimamente não fere a ética, mas isto é quase impossível de se conseguir). Sem falar, é claro da criminalidade.

Santidade não é passividade e submissão, mas inclui a combatividade na defesa do bem e na erradicação do mal, com obstinação, astúcia, destemor, coragem, estratégia, inteligência, vigor e ousadia, mas também prudência, reflexão, cautela e esperteza, sem nunca transigir com a verdade, a justiça e a honestidade, jamais fazendo uso de meios escusos, cruéis e anti-éticos. Este é o dilema do mocinho em relação ao bandido: não se pode combater o mal com o mal.

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domingo, 22 de fevereiro de 2009

O que é uma "Vida Boa"

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Para mim, a única coisa que é preciso para levar uma vida boa é justamente ser uma boa pessoa. Isto mesmo: é a bondade o apanágio de toda virtude. É maior que a justiça e a sabedoria, pois quem é bom é sempre justo, mas o justo pode não ser bom. E o sábio é o que reconhece isto. Qualquer qualidade que se tenha de nada vale se não se for bom. E o que é a bondade? É aquela posição de estar sempre disposto a promover a pacificação dos contendentes, de socorrer os aflitos, de ajudar os necessitados, de amar a todos incondicionalmente, de ser generoso, gentil, alegre, cortez, solícito, prestativo, laborioso, incansável. É não ter preguiça, não desanimar, não lamuriar. É empreender a construção do bem, de uma sociedade mais justa e equitativa. É lutar pela erradicação da vilania, da covardia, da prepotência, da corrupção. É não ser omisso perante a desonestidade, denunciando sempre. É claro que, para ser bom, há que se ser honesto, sincero, justo, mas não só isto. É uma atitude positiva de ação no sentido de promover o bem e erradicar o mal, com compaixão, tolerância, carinho, mas firmeza e tenacidade.

Bondade não tem nada a ver com religião. Sou ateu convicto e considero que dizer esse negócio de que ser bom, justo e humilde é bobagem, de que lutamos pela sobrevivencia e sempre estamos ferindo o semelhante para defender o nosso sustento ou nossos gostos e prazeres, que quem inventou a virtude foi a religião e que o homem apenas sobrevive é o cúmulo da irracionalidade. Não estou falando nada de humildade, nem de subserviência, nem de fraqueza. Se o homem conseguiu constuir uma civilização é justamente porque suas pulsões primitivas de egoísmo e belicosidade conseguiram ser domadas pelas atitudes de cooperação e solidariedade. São estas que garantem a existência de uma sociedade harmônica e fraterna em que todos desfrutam de paz, garantia de segurança, de proteção, de atendimento às necessidades de sobrevivência (alimento e abrigo) e, mais ainda, de fruição de prazeres e obtenção da felicidade. O comportamento agressivo, possessivo, ganancioso, pelo contrário, contribui para a insegurança do grupo e para a redução da disponibilidade de bens e confortos. E não foi a religião que inventou a bondade, pois a religião foi inventada pelo homem. Considero que as religiões são engodos que levam as pessoas a confiar em poderes sobrenaturais inexistentes, ao invés de, por si mesmas, lutarem pelo prevalecimento do bem.

Sobreviver é o mínimo. O que o homem aspira é uma vida significativa, plena de realizações, de vivências gratificantes, que o torne feliz. Isto é muito mais do que sobreviver e é para tal que se trabalha, se dedica à melhoria das condições da coletividade, para que, todos sendo prósperos, satisfeitos, realizados, cada um, no seio dessa coletividade, também assim se sinta. A satisfação egoísta dos desejos em detrimento do bem estar e da felicidade do outro é uma atitude mesquinha e irracional, no sentido em que colabora para a diminuição do nível global de felicidade reinante.

O que importa na vida é fruir a própria viagem do nascimento à morte, pois é tudo o que se tem. Não se pode viver para uma outra vida que não há. Mas curtir a vida não significa deixar de lado a ética e a virtude. Pelo contrário, a felicidade só é alcançada quando sé é bom, justo, honesto, verdadeiro, nobre e virtuoso. Esse é o perfeito hedonismo epicurista que, dialeticamente, se funde com o altruísmo estóico. A vida tem que ser vivida com sentimento e paixão, a cada momento, mas não vencida “no grito” e sim pela força da mansidão. Que se pense, certo, mas que a decisão seja pelo sentimento, pela intuição, devidamente acessorada pela razão. E que, cada passo seja dado sem amarras, sem “pé atrás”, livre e responsavelmente encarado com decisão, de modo irreversível e sem arrependimentos, dê no que der. Muitas pessoas, como Pilatos, lavam as mãos e dizem que não têm nada a ver com uma série de coisas que ficam sabendo, mas não é da sua responsabilidade interferir. Ou deixam de socorrer alguém acidentado porque não foi por sua causa, ou se omitem para não ter aborrecimento. Como pessoas integradas à sociedade somos responsáveis por tudo o que nos rodeia. Pelo menos temos que intervir denunciando qualquer coisa errada que constatemos. Omitir é um crime. Quem lava as mãos compactua com o erro. Quero levantar esta questão aqui. Quando eu digo “tem a ver” não estou querendo dizer que seja o causador mas sim que tem a responsabilidade de intervir da algum modo, sem se omitir e “lavar as mãos”, dizendo, “não tenho nada a ver com isso, o problema não é meu”. Se a pessoa ficou sabendo de algo, então ela tem que fazer alguma coisa a respeito, nem que seja denunciar para quem tenha condição de intervir.

O falso moralismo é execrável. Mas o genuíno comportamento ético, para valer mesmo, este é que é necessário para a construção de uma sociedade justa, harmônica e fraterna. Sem hipocrisias. E com plena consciência de todas as consequências, assumidas de peito aberto. Isto é, fazer o que é certo, mesmo que se leve prejuízo ou até seja preso. Mas não se pode confundir moral de conveniência com princípio éticos universais. Ética e moral não são a mesma coisa e o que importa é o comportamento ético e não o moral, que é apenas a observância dos costumes, sejam eles benéficos ou maléficos.

Encarar a vida de forma positiva, sem deixar para alguma entidade sobrenatural a responsabilidade pela punição do mal , pela recompensa do bem, pelo conserto dos estragos, pela obtenção da felicidade, enfim, pela consecução de tudo o que se deseja. Mãos à obra e construamos, nós mesmos, a sociedade justa, harmônica e fraterna, em que não haja injustiça, exploração, pobreza, doença e mal nenhum. Fazendo assim, uns pelos outros, estaremos levando a "vida boa" que todos almejam. Uma concepção egoísta de fruição de todos os prazeres, à revelia das consequências perniciosas que possam advir aos outros ou a nós mesmos, ou então a retirada para um isolamento contemplativo (tão egoísta quando o hedonismo crú), ou, ainda, a transferência para alguma divindade da responsabilidade de consertar o mundo, são atitudes covardes e mesquinhas, que, de modo algum, significam "levar uma vida boa". A vida boa, em paz de consciência, alegre, saudável, feliz e gratificante é aquela que se leva na certeza de que nossa existência foi proveitosa e, por causa dela, o mundo ficou melhor do que sem ela.

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