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É preciso distinguir os conceitos das coisas que eles pretendem significar. Pode-se conceituar e definir qualquer coisa. Que ela exista é outro problema. "Nada", conceitualmente, é meramente uma palavra para designar a ausência de qualquer coisa, de tudo o que se possa conceber que exista. Nada não é uma entidade, como o é o conjunto vazio, que é uma conceito abstrato, real dentro da categoria das realidades conceituais. Mas, na categoria das realidades concretas, isto é, de existência independente de mentes que as concebam, não existe nada que seja "nada". A ausência de espaço (mesmo vazio), de tempo, de conteúdo substancial de qualquer espécie (mesmo espíritos ou deuses), de qualquer tipo de evento, fenômeno ou ocorrência, isto é o que se quer dizer com a palavra "nada". Resta saber: é possível não existir coisa alguma ou evento algum? Ontologicamente não há nenhum impedimento. A existência de algo ao invés de nada é um fato completamente destituído de necessidade. Poderia perfeitamente não existir coisa alguma. Mas existe! Existe o espaço (mas não espaço vazio, o vácuo sim), o tempo e um conteúdo que os preenche, que são campos, matéria, radiação e eventos. Um ser não é aquilo que "é" alguma coisa, mas o que é alguma coisa existindo ao longo do tempo. Caso contrário é um ente puramente conceitual. Denomina-se "Universo" ao conjunto de tudo que concretamente existe (já o conceito de "mundo" é mais amplo, pois abrange as realidades puramente conceituais, axiológicas, culturais e de qualquer outra categoria de realidade que se imagine). Por realidade concreta estou considerando o tempo, o espaço, a matéria, os campos, a radiação, as estruturas formadas por estes conteúdos e os eventos, fenômenos e ocorrências que com eles se dêem (note-se que "energia", não é uma entidade substancial do Universo, mas tão somente um atributo que certas entidades, sistemas e estruturas podem possuir, assim como carga, spin, momento linear etc.).
O problema da possibilidade de inexistência de qualquer coisa é fenomenológico e requer investigação experimental ou observacional, certamente apoiada em modelos teóricos explicativos da realidade. Aí se coloca a “Teoria da Relatividade Geral”. Concebida por Einstein para tentar resolver a questão de como correlacionar medidas em referenciais com aceleração relativa, ela tornou-se uma teoria da gravitação quando Einstein percebeu que o Princípio da Equivalência não era uma mera coincidência, mas um fato fundamental da natureza, como o é a constância da velocidade da luz no vácuo (mas não no vazio, pois no vazio não tem nem luz – aliás, não existe vazio no Universo nem fora dele). Em suma, não se pode localmente distinguir um referencial acelerado de um campo gravitacional. Não localmente sim, pois a terceira derivada do potencial gravitacional, responsável pela "força de maré" representa a "curvatura intrínseca" do espaço-tempo na região. Assim, um corpo sob ação da gravidade, não estaria sujeito a força alguma, mas apenas se moveria inercialmente ao longo das geodésicas do espaço-tempo encurvado pela presença de um conteúdo possuidor de massa ou energia. Ao se fazer a aproximação local pelo espaço-plano tangente ao curvo, tal movimento se apresentaria como resultado de uma interação, dita gravitacional. Para uma compreensão da matemática envolvida, sugiro o livro do Ohanian "Gravitation and Spacetime" de leitura acessível a quem tenha estudado apenas cálculo infinitesimal, pois a geometria diferencial de Riemann é dada no próprio livro. Para um estudo mais aprofundado o melhor é o livro "Gravitation" de Misner-Thorne-Wheeler. Não adianta pretender escapar da matemática, pois não é possível ter um conhecimento, entendimento e compreensão da Relatividade Geral sem matemática (por isto é que eu acho que o cálculo diferencial e integral já devia ser dado no Ensino Médio, já que não é bicho de sete cabeças (apenas seis)).
Poucos anos depois de sua publicação, outros cientistas passaram a buscar soluções das Equações de Einstein (um sistema de equações diferenciais de segunda ordem não lineares, mas lineares na primeira derivada, entre o tensor de curvatura e o tensor momentum-energia do conteúdo), para situações de uma massa puntiforme (uma estrela), o que levou à descoberta teórica dos "Buracos Negros" e para o Universo como um todo. Estas últimas foram achadas pelo abade Lemaître e, num caso especial, por Friedmann. O interessante é que elas mostravam que o Universo não poderia ser estacionário, mas que, necessariamente, estaria se expandindo ou contraindo. Não crendo em tal possibilidade (um preconceito), Einstein introduziu "ad hoc" a "Constante Cosmológica" para que a solução pudesse ser estacionária. Pouco depois, Hubble, em Monte Wilson, descobriu o "red shift" das galáxias distantes, cuja interpretação só podia ser de que o Universo estava "inchando", já que as outras possibilidades eram altamente implausíveis (o movimento real, o desvio gravitacional e a absorção intergaláctica). Este inchamento não é um afastamento por movimento relativo de uma galáxia em relação a outra, mas um crescimento global do próprio espaço, isto é, as galáxias se afastam não porque se movem, mas porque o espaço entre elas cresce. Isto mostra que o espaço não é uma entidade apriorística dentro da qual se distribui o conteúdo do Universo, mas sim algo determinado pelo próprio conteúdo. Ou seja, não há espaço sem conteúdo. O espaço é uma entidade dinâmica do Universo. Do mesmo modo o tempo só existe porque o estado do Universo não permanece invariável. São as mudanças no estado do Universo como um todo que criam o tempo, que também não é apriorístico. Se o estado não mudar, como pode ocorrer com a "morte térmica" do Universo, o tempo não passa. Einstein arrependeu-se de seu vacilo em introduzir a "constante cosmológica", que, todavia, está sendo ressuscitada como uma das possíveis explicações para a dita "energia escura".
Se o Universo está em expansão, retrocedendo no tempo, sua densidade iria aumentando, pois o mesmo conteúdo ocuparia volumes cada vez menores para o passado, até que, num certo momento, a densidade seria matematicamente infinita. Na verdade, antes disto, os pressupostos das soluções de Friedmann (continuidade, homogeneidade e isotropia) não mais seriam obedecidos e a singularidade matemática, de fato, não existiria, pois, então, fenômenos quânticos prevaleceriam sobre a gravitação. O que a teoria do "Big Bang" diz é que um conteúdo primevo extremamente denso, em dado momento, começou a expandir-se, rarefazendo-se e esfriando. Note que não se trata de uma "explosão" de um conteúdo para um espaço vazio circundante, mas um súbito inchamento do próprio espaço. Inclusive, se o Universo for infinito, ele sempre assim o foi, mesmo no Big Bang. Mas infinito é algo sobre o que discorrerei depois. A questão é: e "antes" do Big Bang? Duas possibilidades emergem. Ou o conteúdo (um campo indiferenciado) surgiu naquele momento, em que também surgiram o espaço e o tempo e, portanto, não haveria "antes" nenhum; ou este conteúdo foi o resultado final de um processo de contração de um Universo anterior. Neste caso, o tempo atual também teria surgido ali e o tempo do Universo anterior teria sido encerrado. Para o futuro pode ser que a expansão atinja um máximo e, então, passe a haver uma contração, até se chegar às condições iniciais, iniciando-se outro ciclo de expansão. Ou a expansão será indefinida. A escolha entre estas hipóteses se prende à determinação de parâmetros observacionais, como a densidade global do Universo e a taxa de aceleração da expansão. Os valores atualmente disponíveis parecem indicar que a expansão será indefinida.
A questão não deve ser colocada em termos de se acreditar que o Universo seja finito ou infinito, no tempo e no espaço e se teria havido um surgimento, antes do que não haveria "nada". Isto não é uma questão de crença e sim de verificação fática por meio de observações que permitam inferir o que, de fato, é verdade, ou, pelo menos, indícios seguros nesse sentido. Os dados observacionais concernentes à expansão cósmica e à radiação de fundo de microondas mostram, de forma insofismável, independentemente da teoria cosmológica que se adote, que o Universo não existe indefinidamente para o passado do modo como se apresenta hoje. Este Universo possuiu um momento inicial e isto não é conjectura e sim fato. Se ele será eterno para o futuro ou terminará, ainda é uma questão não respondida de forma cabal, por insuficiência de dados precisos sobre os parâmetros controladores da expansão (densidade de massa-energia e aceleração da expansão). Ao que parece, ele expandir-se-á indefinidamente, mas poderá atingir um estado de energia mínima e entropia máxima, em que a expansão não possuirá aceleração e o estado do Universo permanecerá imutável. Isto seria atingido assintoticamente e, então, cessaria a passagem do tempo, a temperatura tendo chegado (assintoticamente, repito) ao zero absoluto. Esta é sua morte térmica.
O surgimento do conteúdo primordial que passou a expandir com o Big Bang é objeto de especulação em várias teorias, como a das branas e a dos multiversos, que, contudo, ainda estão num estágio hipotético de validade. Não há, contudo, impedimento algum, de ordem física ou metafísica, para que este conteúdo tenha surgido sem que fosse proveniente de nada que lhe antecedesse (aliás, é assim que os teístas criacionistas consideram que ocorreu, pois Deus, um ser transcendental, isto é, extrínseco ao Universo, teria criado tudo sem que proviesse de nada precedente. Já os panteístas consideram que o Universo provém do próprio Deus, numa relação dita de "imanência").
É preciso entender que o surgimento de qualquer coisa sem ter algo precedente de que provenha, não é a mesma coisa que "surgir do nada", pois então estaria se dizendo que existe algo que é o "nada", do qual teria surgido algum conteúdo. Não existe "nada" como entidade e, logo, não é possível que algo provenha do nada. Mas pode não provir de coisa alguma. É preciso ter bem claro na mente a diferença entre "não provir de coisa alguma", que é possível, e "provir do nada", que é impossível. Isto porque qualquer lei de conservação (massa, energia, carga, momento linear, momento angular etc.) refere-se a valores globais de grandezas que medem os atributos conservados em momentos diferentes. Como antes do surgimento do Universo não havia momentos, não se pode aplicar nenhuma lei de conservação para a situação do surgimento do Universo. Aliás, as próprias leis físicas só passaram a existir quando o Universo surgiu, pois elas são descrições do comportamento de seu conteúdo.
Outra questão controversa é a de que o surgimento do Universo não possui "causa". De fato, causa é um atributo de certos eventos, mas não uma necessidade para todo evento. Isto é, nem todo evento é um efeito. Existem eventos incausados e eles são a maioria. No mundo subatômico isto é a regra, exemplificada pelo decaimento radioativo e pela emissão de fótons por átomos excitados (a excitação é condição e não causa). No mundo macroscópico, o caráter probabilístico e indeterminado da natureza é mascarado pela "lei dos grandes números" da probabilidade, fazendo parecer que todo evento tenha causa, isto é, seja determinado por algum que o preceda. Como o surgimento do Universo foi uma ocorrência essencialmente quântica, não precisa ter causa, como de fato não teve. Causalidade é uma inferência induzida da observação cotidiana de eventos na escala de tempos e dimensões acessíveis ao ser humano. Só que todo raciocínio induzido não é garantido e contra-exemplos existem aos milhões.
Outro problema é se o espaço do Universo se estende infinitamente ou não. Precisamos diferenciar infinito de ilimitado. Algo pode ser infinito e limitado bem como finito e ilimitado. Um segmento de reta é limitado, mas possui infinitos pontos. A superfície de uma esfera é finita em tamanho, mas não possui limites. E o Universo? Na dimensão tempo, já vimos que ele tem um limite inferior ou início do tempo (esqueci de contestar o argumento Kalam, mas o farei mais adiante). E no espaço? Tanto pode ser que o Universo seja infinito quanto finito, mas, de qualquer modo, é ilimitado. Note-se que, se o Universo for finito, não existe espaço vazio fora dele. Tudo o que existe está no Universo, inclusive o espaço e o tempo. Não existe "fora do Universo". Ser finito significa que se você for andando sempre para frente acabará chegando aonde saiu, vindo por trás (depois de muitos bilhões de anos, se for à velocidade da luz). Ser infinito significa que se você andar sempre para frente, nunca retornará.
Antes de considerar o caso, há que se fazer uma digressão sobre os conceitos de Universo. O de que estamos falando é o conceito global, isto é, o conjunto de tudo o que existe. Há um conceito mais restrito que é o de "Universo Observável". Como o espaço do Universo está se expandindo (e isto pode ultrapassar a velocidade da luz, pois não é movimento de conteúdo nenhum), existem locais que estão a uma distância que a luz não foi capaz de vencer e nos atingir até hoje, desde o surgimento do Universo, há 13,7 bilhões de anos. Estes locais são impossíveis de observar. Devido à expansão, o limite observável está a 46,5 bilhões de anos-luz. A teoria da inflação cósmica prevê que o Universo total seja, pelo menos, 100 sextilhões de vezes maior que o observável, ou, mesmo, infinito. Outra concepção é a de Multiversos, dos quais o nosso seria um dentre muitos, até infinitos. Tal hipótese carece de comprovação, aliás, por definição, impossível de se ter, daí ser infalseável. Considero que o Universo seja único.
Bom senso é algo que não tem sentido nenhum em ciência. O que vale é o que se verifica. Teorias são modelos descritivos que procuram explicar a realidade por meio de uma linguagem lógica, geralmente matemática. Mas as teorias só o são porque, confrontadas com a realidade, aderem a ela. Caso contrário são hipóteses. O bom senso diz que todo evento é efeito de uma causa. A realidade mostra que não. Aí estão a desintegração radioativa e a emissão de luz para atestar. Outra falha do bom senso é dizer que tudo tem que provir de algo, mesmo sem causa. Assim o é no Universo atual, pois seu conteúdo observa leis de conservação (que não são prescrições e sim descrições). Mas não precisa ser no próprio surgimento do Universo, pois, neste evento, a passagem da inexistência para a existência, não havia conteúdo para seguir lei nenhuma. Nada indica que o Universo tenha que ser eterno para o passado. É uma questão de verificação. Bom senso é preconceito humano, firmado em nosso limitado acesso sensorial à realidade. "Sempre" é outro conceito que se precisa abolir. Porque o Universo englobaria tudo que "sempre" existiu, sem começo nem fim? É claro que pode ter tido um começo e pode ter um fim! Antes e depois desses limites não existiria nada, nem mesmo o "antes" e o "depois". Há que se verificar. Isto tudo que digo não é minha opinião, mas sim o resultado do trabalho de milhares de cosmologistas ao longo das últimas décadas. Há, inclusive, muitas propostas na mesa, em fase de elaboração e submissão a testes, como a teoria das cordas, das branas e a do laço gravitacional. Não há nada errado no que estou dizendo. É só consultar a literatura pertinente ou, até mesmo, a Wikipédia (em inglês, pois em português é muito restrita). Se nos ativermos ao conhecimento em nível colegial, poderemos equivocar-nos, pois muitas simplificações são feitas.
Como o Universo é o conjunto de tudo o que existe, sua energia interna é constante, pois não há nada fora dele que lhe possa fornecer calor ou realizar trabalho sobre ele. Mas a energia interna é o total de todas as energias cinéticas e potenciais. Como a carga elétrica total é nula e está muito bem distribuída, a expansão do Universo não provoca variação na energia potencial elétrica, mas sim na gravitacional, que aumenta com o afastamento relativo. Daí uma diminuição na energia cinética, cuja densidade por partícula é, justamente, a temperatura. Ou seja, a expansão do Universo provoca seu esfriamento. No caso da radiação, a diminuição de sua energia significa diminuição de sua frequência, que atualmente está na faixa de microondas, de 1,9mm de comprimento de onda, equivalente a uma emissão de cavidade (corpo negro) a uma temperatura de 2,7 kelvins.
Os conhecimentos cosmológicos atualmente disponíveis parecem indicar que o Universo seja espacialmente infinito e temporalmente semi-infinito, isto é, teve um início, mas poderá não ter fim. Antes que existisse, não havia coisa alguma, nem espaço vazio, nem tempo, nem conteúdo, situação denominada "nada". Mas não existia algo que fosse o "nada", como não existe coisa alguma fora do Universo, se ele for finito. Não existe nada, nem o "nada". Outra coisa que não existe é espaço vazio. Todo espaço é preenchido por campo, radiação ou matéria. Quando não tem matéria, chama-se vácuo. O que seja a matéria já seria objeto de debate em outro artigo. Em meu blog www.ruckert.pro.br/blog , digitando-se a palavra "matéria" na caixa de busca, poder-se-á encontrar todas as postagens em que isto foi abordado.
Não vejo necessidade de inventar outro nome para o Universo. Parece que sua definição como o conjunto de tudo o que existe, concretamente falando, contempla exatamente o que estamos discutindo. No sentido filosófico do termo, concreto não significa sólido e nem material, mas não abstrato, isto é, que não seja apenas o produto de concepções mentais, mas exista objetivamente fora das mentes como algo tangível, ou seja, passível de apreensão, mesmo que por instrumentos, se nossos sentidos não forem capazes. Isto exclui espíritos, idéias, valores, símbolos e tudo que não seja natural, que, por outro lado, são incluídos no conceito de "mundo". O Universo é, pois, a totalidade da realidade natural. E esta totalidade pode ser finita ou infinita, tanto no tempo quanto no espaço. No entanto, os dados observacionais parecem indicar que seja infinita no espaço e semi-infinita no tempo.
O “argumento Kalam” (Kalam são as escolas teológicas muçulmanas) diz que o Universo não pode ser eterno para o passado, pois se tivesse surgido em um momento infinitamente afastado para o passado, não teria havido tempo para se chegar ao presente, e o presente existe. Este argumento é falacioso, pois ser eterno para o passado não significa ter começado em um momento infinitamente longínquo, mas sim, não ter começado em momento algum. Então todos os momentos são possíveis, inclusive o presente. Os fatos mostram que o Universo teve um começo, mas não pelo argumento Kalam, que é usado para justificar uma das premissas da “prova cosmológica” da existência de Deus, conhecida como a do “motor primo”, que não é válida porque suas duas premissas não são verdadeiras, ou seja, nada impede (lógica e ontologicamente) que o tempo tenha que ter tido um começo e nem há necessidade que todo evento seja efeito de uma causa.
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