quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Sobre o amor e liberdade...






Quem ama liberta?

Libertar, no caso em tela, significa permitir que a(o) amada(o) também ame outro(a). Ou que deixe de amá-lo(a). Esta é a questão da liberdade no amor. Exigir reciprocidade, fidelidade, exclusividade e mesmo lealdade, não é dar liberdade. Certamente que se deseja e espera da pessoa amada que lhe seja leal e sincera, mas não se pode exigir. No máximo, caso estas condições não sejam atendidas, que se interrompa o relacionamento (mesmo que não se deixe de amar). E importante frizar, contudo, que o que se chama de “traição”, não é o fato de se ter outro relacionamento amoroso, mas que isto seja feito às escondidas, numa situação em que o traído espera que tal não ocorra. Se houver um consenso de permissão recíproca de outros relacionamentos e isto for cientificado, quando de fato se der, não há traição. E isto é perfeitamente admissível e não significa ausência de amor nem de lealdade. Amor absolutamente não envolve posse. Pretender ser proprietário do ser amado é egoísmo e não amor. O amor genuíno e verdadeiro deixa o ser amado livre para nos amar ou não e para amar a outras pessoas além de nós. Não só amores filiais, paternais ou amizades, mas amor carnal mesmo. É preciso entender que não há, na espécie humana, nenhum impedimento biológico para o amor plural, como acontece em alguns outros animais. A monogamia amorosa é só uma questão cultural e, inclusive, maléfica e fonte de muita infelicidade. Sua origem está mais ligadas a fatores econômicos de herança do que biológicos.
Assim, quem ama verdadeiramente, deixa o amor livre, de forma altruística. Quem prende o ser amado não ama, mas revela seu egoísmo.
Ciúme é um sentimento totalmente malevolo e prejudicial à felicidade da própria pessoa e de quem ela ama.
Algumas pessoas pretendem que quem as ame tenha ciúme e seja possessivo, como uma prova de que ama de fato. Isto é um enganação. Os crimes passionais não têm justificativa nenhuma. Só revelam um psiquismo doentio, além de um extremo egoísmo.
Meu entendimento e meu sentimento é de que o sentimento de posse exclusiva em relaçâo à pessoa amada é um condicionamento puramente cultural e não biológico, na espécie humana. Numa sociedade em que se considere o partilhamento comunitário de todos os bens e do resultado de todo trabalho, o compartilhamento dos cônjuges e dos filhos também se torna natural. Quanto ao medo de que a esposa nos deixe por gostar mais de outra pessoa, isto é um risco que se tem que correr. O remédio é fazer por onde ela nos considere, realmente, melhor do que outros, nos vários aspectos. Pretender que nosso ser amado nos ame por coação legal ou outro tipo de constrangimento à plena liberdade de escolha não definitiva dos parceiros, consecutivos ou simultâneos é uma tirania. Outro aspecto que precisa ser definitivamente abolido do relacionamento conjugal é o econômico. Em nenhuma hipótese se deve considerar que a união dos amantes se dê por conveniência econômica. Isto é, relação conjugal não é meio de vida nem para maridos nem para mulheres. Cada ser adulto e capaz, enquanto não vém a sociedade ácrata, deve prover o seu próprio sustento e compartilhar os deveres de paternidade com aquele ou aquela com o qual o filho ou filha tenha sido feito, enquanto não se sustentem por si mesmos (o que deve ocorrer o mais cedo possível, sem apelo para heranças).
Para mim o ciúme é algo inteiramente descabido.

As pulsões primitivas e o amor

Nada é mais importante do que o amor. Trata-se de algo engendrado pela natureza ao longo da evolução para garantir a sobrevivência da espécie. Enquanto o egoísmo pode ser eficaz para a sobrevivência do indivíduo, é o amor que garante a perenidade da espécie. O sexo foi uma estratégia da natureza para garantir a variabilidade genética e possibilitar múltiplas escolhas na seleção natural. Seria possível, por partenogênese, a existência de espécies apenas com o sexo feminino, que é o essencial, sendo o masculino meramente acessório. O surgimento do sexo, desde os mais primitivos seres vivos, contudo, revelou-se a opção mais eficaz. Eros é, pois, a pulsão mais poderosa, pela qual os indivíduos até mesmo dão a vida.
A sobrevivência da espécie também exige o cuidado com a prole e a proteção da fêmea, atitudes que se sublimaram na componente platônica do amor. Assim o amor evoluiu para um comportamento não só sexual mas também de carinho. A necessidade de proteger o grupo privilegiou aqueles que possuíssem fortes laços de cooperação interpessoal, que é sublimada na amizade.
Duas forças coexistem nas espécies animais: a de competição, egoísta e belicosa, que deseja o poder sobre o outro a ser subjugado e a de cooperação, que se expressa no amor, na compaixão, no altruísmo. A primeira tem suas raízes profundas na necessidade de aplacar a fome fisiológica de alimento e a segunda no impulso de preservação da espécie. Sendo o homem uma espécie altamente evoluída, que atingiu um estágio de consciência psíquica plena e desenvolveu a cultura, essas forças primitivas da natureza foram canalizadas para as expressões refinadas da arte, do engenho e da ciência. São elas que movem o poeta, o guerreiro, o cientista, o sacerdote, o empresário, enfim, todo homem e toda mulher a fazer o que quer que seja na vida.
Em seu livro “O Gene Egoísta”, Richard Dawkins diz que nossos organismos nada mais são do que instrumentos criados pelas moléculas replicantes para perpetuarem-se. Assim os dois instintos primários, da existência e da procriação, forjaram-se na natureza para atender a este imperativo básico do gene: replicar-se. Esta pulsão pode estar contida na própria estrutura subatômica da matéria, de um ponto de vista reducionista. Deste modo, talvez a própria estrutura íntima do Universo seja naturalmente estabelecida para culminar na vida, lembrando as idéias de Teillard de Chardin. Isto não significa que haja um projeto inteligente. Trata-se apenas de como as coisas são por si mesmas, sem razão nem propósito. Mas… não sei. Há que se investigar e discutir.

O amor e a felicidade

Pelo que se pode concluir, o sexo é, pois, um componente essencial da vida e um dos mais relevantes fatores de felicidade. Uma vez preenchidas as condições mínimas de sobrevivência: ar, água, alimento, abrigo (incluindo vestuário) e segurança, a pessoa busca sua felicidade. Dentre os muitos fatores que levam à felicidade, não resta dúvida que o mais relevante é a sensação de ser amado. Mas, para quem já seja sexualmente maduro, não é apenas o amor maternal, paternal e fraternal que contam. Há uma carência do amor erótico. Este é o objetivo buscado. Como nisto há uma reciprocidade, há que se amar para ser amado. Tal fato é tão válido que, mesmo sem correspondência, o ato de amar é fonte de felicidade, mesclada com uma doce tristeza.
Quando o amor é correspondido e se realiza eroticamente, atinge-se um êxtase talvez só comparável aos arroubos místicos. Por maior que seja a pulsão fisiológica para o sexo, da qual, por sublimação surgiu o amor, sua realização dissociada do amor não proporciona nem uma mísera fração da beatitude que o sexo com amor é capaz de conceder. Porque, aí, o sexo não é só fruição, mas, principalmente, doação. Excluído o egoísmo do sexo, incrivelmente, ele propicia um prazer maior ainda. É procurando dar o máximo prazer que se desfruta dele em plenitude. E, para isto, há que se buscar conhecer o parceiro completamente, em corpo e em espírito. Tudo está envolvido. Pudores têm que ser esquecidos. Uma pitada de molecagem sempre é bem-vinda. Mas, no meu entendimento, sem afligir dor e nem constrangimento algum. Só o prazer dos murmúrios, dos perfumes e dos odores, dos toques suaves e dos vigorosos, de todos os recursos disponíveis, sem reservas e sem remorsos. Sem pressa. Esquecido do mundo. Isto é o amor e os orientais são sábios em cultuá-lo, de modo até sagrado. Como diz Chico Buarque na “Valsinha”, como não seria melhor o mundo se o amor fosse o prato do dia de todos.
Amor é um sentir, um pensar, um desejar, um querer e um agir, isto é, uma emoção, um sentimento, um apetite, uma volição e uma ação. Esse complexo de fatos psíquicos caracteriza o amor em todos os planos, piedade, compaixão, solidariedade, afeição, amizade, amor platônico, erotismo. Amor filial, maternal, paternal, fraternal, conjugal, idealista. A intensidade e a seqüência em que eles aparecem podem variar. O amor sempre emociona, enternece, enleva e envolve um desejo de zelo, cuidado e proteção da coisa amada, bem como um anseio de reciprocidade. Mas o amor só se realiza quando é expresso em vontade e esta vontade em ação. Não basta sentir e desejar para amar, é preciso querer, demostrar e provar. O amor envolve dedicação e renúncia, paciência e perseverança, trabalho e recompensa, alegria e tristeza, euforia e depressão. É algo envolvente e inebriante. O amor não é possessivo, ciumento, exclusivista, castrador, sufocante. Pelo contrário, o amor é libertário e altruísta. Não me refiro apenas ao amor erótico, mas a todas as modalidades, inclusive as formas idealistas de amor à verdade, justiça, sabedoria, humanidade e natureza. O amor não pode ser cerceado em sua intensidade e abrangência. Ele não possui limites. Quanto mais intensamente se ama e a mais coisas e pessoas, mais capacidade se tem de amar. E quanto mais se ama, mais se realiza e maior é a felicidade, mesmo que nem sempre ele seja correspondido.

As variantes do amor

Falando-se, então, de amor, e não só de sexo, não há porque impor-se restrições de gênero, número e grau. Entendendo-se o sexo como expressão corporal do amor, a imposição de impedimentos, ou mesmo apenas de inibições a sua plena expressão, certamente é causa de perturbações psicológicas. Note-se que, absolutamente, não estou falando de libertinagem e de nenhum comportamento escandaloso, devasso ou ofensivo. Estou apenas dizendo que a livre expressão pública de afeto entre pessoas do mesmo sexo tem que ser considerada inteiramente normal, se essas pessoas pertencem àquela porção de humanidade que sentem atração natural por feromônios do mesmo sexo. Não se trata de falta de vergonha, se é que possuir vergonha seja, de fato, uma virtude.
Pessoalmente, sinto até certo asco em me imaginar acariciando, quanto mais relacionando-me com outro homem. Mas isto é uma característica de cada um. Amar o sexo oposto, o próprio ou ambos, para mim, é perfeitamente normal e tem que ser aceito pela sociedade com a maior tranqüilidade, mesmo no seio da família. Só acho esquisito certos trejeitos exagerados que alguns gays exibem, que nem mesmo as mulheres fazem. Sou amigo de gays e lésbicas, tão firme na amizade como na de heteros. Nenhum de meus amigos gays jamais insinuou-se para mim de forma sensual.
Do mesmo modo, posso ser amigo de alguma prostituta sem considerar que deva fazer uso dos serviços dela, não me importando com o que alguém possa dizer a respeito. E admito como natural a possibilidade da poligamia e da poliandria. Apesar disto, sou um marido estritamente fiel e monogâmico, mas acho que poderia ter várias mulheres e minha mulher vários maridos. Quanto à Bíblia, não me importo com o que ela diga a respeito. Contudo, a pregação que se atribui a Jesus é a do amor. Então, como condenar quem ama, seja a quem for? Quanto mais as pessoas amarem-se umas às outras, melhor. Não se pode exigir exclusividade e nem fazer restrições ao amor, dizendo a quem se pode ou não amar. Se Jesus mandou amar até os inimigos, não posso entender que se possa recriminar ninguém por amar alguém. E veja-se que não sou cristão.

Poliamor

Muitas pessoas seriam bem mais felizes se pudessem ter mais de um companheiro ou companheira. Afinal, pode acontecer de amarmos sincera e profundamente a mais de uma pessoa. Ou não?. É um assunto polêmico, contra todas as convenções sociais, mas acredito que acontece o tempo todo. Como vivemos numa sociedade monogâmica, os sentimentos são abafados, escondidos, frustrados, calados, amordaçados e podem trazer uma sensação de culpa muito grande, que gera muito sofrimento. Numa sociedade perfeita, as pessoas seriam livres de egoísmo, ciúme, inveja e sentimento de posse. Vi um documentário sobre os mórmons de Utah, que mostrou homens casados com mais de uma mulher, vivendo felizes numa família imensa. Não vi nada de errado, já que todos mostravam alegria e união. Infelizmente o contrário não é permitido entre eles, isto é, uma mulher não pode ter mais de um marido. Nas colônias anarquistas de Santa Catarina, no princípio de Século XX, isto era possível e há um romance do Miguel Sanches Neto, “Um Amor Anarquista”, sobre a Colônia Cecília, que conta um caso assim.
Segundo a natureza humana, será que essa sociedade pluriamorosa seria possível? Será que faz parte do homem, segundo sua biologia, ter ciúmes sexuais de sua parceira, já que foi “programado” para espalhar seus genes com a máxima eficiência e, da mulher, ter ciúmes sentimentais, pois um homem apaixonado tenderia abandonar sua prole para constituir outro núcleo familiar? Será que um dia seria possível uma sociedade em que não se fosse taxado de promíscuo, ou coisa assim, quando se amasse mais de uma pessoa? E será que é mesmo possível amar plenamente mais de uma pessoa? Seria possível apaixonar-se perdidamente por uma pessoa, amando outra? O que fazer neste caso?
A noção de univocidade e exclusividade do amor não é verdadeira. Muitas pessoas ja vivenciaram isto, ou seja, estarem apaixonadas simultaneamente por mais de uma pessoa. A literatura e as artes, inclusive, são pródigas na exploração deste tema. Muitos conflitos existenciais ocorrem por este motivo, uma vez que a sociedade não admite a realização desta possibilidade, o que leva, até, ao suicídio. O conflito é muito grande porque a própria pessoa não admite em si esta dicotomia. E aquela que for o objeto do amor da outra, não está culturalmente disposta a compartilhá-lo com mais ninguém.
Posso afirmar, sem a menor sombra de dúvida, que é perfeitamente possível a pluralidade do amor, entendido de modo completo e no sentido do amor erótico. Isto é: a poligamia e a poliandria são perfeitamente cabíveis e poderiam certamente ser aceitas pela sociedade como coisa inteiramente normal e legalizada, com todas as implicações jurídicas e econômicas envolvidas. Não se trata de imoralidade nenhuma, pelo contrário, seria uma medida salutar para permitir a maximização da felicidade do maior número de pessoas. Certamente de uma forma consentida por todos os envolvidos e com compromisso de fidelidade recíproca, mas não exclusiva. Assim, não só o marido poderia ter mais de uma mulher mas a mulher mais de um marido, formando uma teia na sociedade. É uma nova forma de organização social, diferente da família monogâmica, mas perfeitamente aceitável. Isso tudo faz parte de minha idéia mais ampla de uma sociedade ácrata ou anarquista, sem fronteiras, sem governo, sem dinheiro e sem propriedade, inclusive do cônjuge.
Evidentemente, esta estrutura familiar estendida só poderia ocorrer em uma situação em que o matrimônio não tivesse a componente econômica e todo adulto provesse a si mesmo, sem depender de relacionamentos amorosos para seu sustento. O custeio dos filhos seria, então, rateado pela mãe e pelos pais. Numa sociedade comunitarista, a inexistência de habitações individuais não geraria o problema de decidir quem moraria na casa de quem.

Ciúme é egoísmo

Estou com aqueles que consideram o ciúme uma manifestação de puro e simples egoísmo. Sentir ciúme é pretender que o ser amado seja propriedade sua. Isso não é amor. Sou ateu, mas nunca vi melhor descrição do que é o amor do que o que disse o apóstolo Paulo no capítulo 13 de sua primeira carta aos coríntios:
“Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tivesse amor, seria como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine.
Mesmo que eu tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência; mesmo que tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tivesse amor, não seria nada.
Ainda que distribuísse todos os meus bens para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tivesse amor, de nada valeria.
O amor é paciente, o amor é bondoso. Não tem inveja. O amor não é orgulhoso. Não é arrogante.
Nem escandaloso. Não busca seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor.
Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade.
Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.”
O amor é completamente gratuito. Não exige nada em troca, nem reciprocidade nem exclusividade. E se compraz com a felicidade do amado em qualquer circunstância. Ciúme é egoísmo, não amor. Não há posse no amor. E a felicidade é maior pelo amor que se dá e não pelo que se recebe. Mas é ótimo ser amado, sem dúvida. O que não se pode é exigir amor de ninguém e nem que o amado não possa também amar a outrem. Aquele que ama, inclusive, dispõe-se a compartilhar o ser amado. É preciso reverter inteiramente esta noção de propriedade no amor. Isso é sinal de imaturidade. Ama-se e confia-se no amado. O ciumento preocupa-se mais é com a perda de sua imagem, caso venha a ser traído. Mas não há traição se o compartilhamento é consentido. Nada disso haveria se a sociedade admitisse, tranquilamente, a pluralidade simultânea do amor.

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