sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Ainda psiquismo e energia


O mais interessante a respeito de toda a complexidade da relação entre a mente e o aparato orgânico responsável por sua ocorrência, com todas as suas propriedades, é que não há, de fato, uma “localização” definida para cada coisa, apesar de serem detectadas regiões de maior atividade metabólica para cada evento psíquico. Todavia, mesmo em traumas que deixam fora de ação certa região associada a dada ocorrência, com o passar do tempo e estimulação, outras assumem aquela função. Nem mesmo se pode atribuir localizações precisas para registros particulares da memória. Cada lembrança é evocada com a participação de diversos locais do cérebro, onde aspectos diferentes da lembrança estão armazenados, como imagens, odores, emoções, movimentos etc. Há, inclusive, uma proposta de estrutura holográfica para o armazenamento de dados no cérebro, mas não se tem uma base sólida para defendê-la (Em um holograma, o que se armazena são informações sobre a fase da luz e não seu espectro de intensidade localizada, como numa fotografia. Para se reconstruí-lo é preciso iluminá-lo de modo que a figura de interferência resultante recupere a imagem original. Para tal, um pedaço do holograma é capaz de reconstruir a imagem inteira, só que com menos intensidade). De fato, cada pensamento, sentimento, emoção, lembrança ou decisão, é desencadeado por fluxos de inversão de polaridade elétrica nos dendritos e axônios e por jorro de neurotransmissores nas sinapses. Tais fluxos consomem energia maior que o funcionamento muscular (exceto nos picos de esforço rápido e localizado). O que poderia diferenciar essas ocorrências, não só para caracterizar o seu tipo, mas definir o seu conteúdo? Isto ainda não é conhecido, mas, muito provavelmente, a resposta está no desenho estrutural espaço-temporal da ocorrência, como uma partitura orquestral, em que a execução da música, em todos os seus aspectos (melodia, harmonia, altura, intensidade, ritmo, timbre, modulação, expressão…), está registrada na pauta pelas notas, figuras e acidentes.
A evocação de uma lembrança ou a ativação de um pensamento, sentimento ou emoção, como toda ocorrência psíquica se dá por uma varredura dos neurônios e células gliais (que acarretarão estímulos para secreções endócrinas) por um tipo de “onda” de inversão de polarização e de jorros de neurotransmissores. A complexidade (e, talvez, o aspecto holográfico) reside em que o cérebro é lugar de inúmeras dessas ondas simultâneas, que se interferem, além de desencadearem elos de processamento tanto sequencial como paralelo. Tudo isso representa o que está ocorrendo no momento na mente. Por exemplo, enquanto eu digito (e o cérebro tem que comandar a ação de cada músculo acionador de minhas falanges em intensidade e orientação precisas, evocando a memorização da localização das teclas), também leio a tela, escuto os ruídos do ambiente (e atendo a algum chamado, ou mesmo presto atenção em alguma conversa), continuo respirando e tendo o coração pulsando, minha digestão está em processo, meus rins funcionam, minha cabeça está ereta sobre meu pescoço etc, etc, além de estar pensando o que vou escrever. Tudo isto requer extrema coordenação do cérebro e do cerebelo ao mesmo tempo. E tudo isto envolve trocas de energia.
O ponto que discordo é que exista alguma qualidade na energia que seja identificadora do tipo e conteúdo do processo em que está envolvida. Tal informação, como já disse, não está registrada na energia, mas no “aspecto” espaço-temporal da ocorrência.
Acho que a confusão se dá por uma diferença semântica em nosso entendimento do conceito de “energia”, que exporei mais adiante.
Antes porém quero tecer uma digressão sobre a consciência. Como uma ocorrência mental ela também se dá em decorrência da anatomia e fisiologia do organismo, em especial do cérebro, mas não só. A consciência psíquica (consciousness - não estou falando da moral: conscience), é a capacidade de estar ciente do mundo, isto é, saber o que está percebendo, sentindo, pensando ou fazendo. Dentre os aspectos da consciência o mais importante é a “auto-conciência” (note-se que se pode ter consciência sem se ter “auto-consciencia”, patologia que transforma as pessoas em zumbis). Trata-se da consciência de si mesmo como algo distinto do resto do mundo, possuidor das próprias percepções, sentimentos, pensamentos, desejos e decisões. Trata-se do “eu”, ou, como se gosta de se dizer atualmente: “experiência de primeira pessoa (EPP)”. Para muitos filósofos, psicólogos e outros cientistas, tais experiências são irredutiveis a explicações “de terceira pessoa”, isto é, acessíveis a qualquer um e não apenas à própria pessoa que as experimenta. em outras palavras, que não seria possível reduzir a psicologia à neurologia, que é fisiologia, que é biologia, que é química, que é física.
Tal não é o meu entendimento. Considero que, de fato, psicologia é física e a auto-consciência é resultante do funcionamento bio-físico e bio-químico do cérebro, demais órgãos do sistema nervoso, órgãos dos sentidos, glândulas endócrinas, musculatura e esqueleto e demais visceras, enfim… do organismo inteiro. Como? Ainda não se sabe!
Contudo os experimentos neurológicos apontam para o caminho de que a auto-consciência advém de uma varredura constante que o cérebro faz do organismo e do mundo, por meio dos 16 sentidos (9 externos e 7 internos), incluindo informações sobre o próprio funcionamento cerebral e coloca isto como uma percepção. A persistência e continuidade, dentro da variação, dessa percepção seria a noção do “eu”. Há, contudo, controvérsias.
Abordo agora a questão da Energia. Tal palavra pode ser referir a dois conceitos principais: o físico e o comportamental. O primeiro sentido refere-se à capacidade de um sistema físico realizar trabalho ou transferir calor, o segundo, ao modo de ser vigoroso, à disposição, ao entusiasmo. Diz-se, nesta acepção, que alguém possui ‘energia’ (entre aspas simples), se está disposto a trabalhar. Este conceito não é uma propriedade a que se possa atribuir uma grandeza mensurável, não obedece a uma lei de conservação, como o físico e não tem correlação com o primeiro, pois pode-se estar entusiasmado sem possuir energia para realizar o trabalho, na acepção fisica, que é definida pela disponibilidade de nutrientes no organismo. Da mesma forma pode-se dispor de muita energia e não se ter ‘energia’. Quando se diz que meditação, ioga, contemplação, oração ou outras atividades similares passam ‘energia’ é da segunda modalidade que se fala, pois a primeira só é fornecida a um organismo vivo pelo alimento. No entanto, muitos fazem confusão entre os conceitos, especialmente as pessoas envolvidas com atividades esotéricas (o que não é o caso dos debatedores deste tópico), inclusive cientistas, como Amit Goswami, Fritjof Capra, Deepak Chopra e mesmo Roger Penrose. Diz-se também da transmissão de ‘energia’ entre mentes. Certamente que se pode passar disposições positivas a uma pessoa por meio de um contato pessoal. Mas não é a energia (física) que é trocada no contato (luz, som, trabalho mecânico (um abraço)) a responsável pela transmissão do entusiasmo e sim o conteúdo conotativo e denotativo da mensagem, que, interpretada pela mente receptora, em função de suas vivências, lhe passa a ‘energia’ psicológica. Essa ‘energia’ nada tem a ver com a energia absorvida pela retina e pelo ouvido interno, carreada aos neurônios pelos impulsos nervosos.
A “qualia” das experiências mentais não é função da energia física dos impulsos nervosos.
Estou elucubrando umas considerações que exporei em breve, assim que assentadas em minha cabeça. Trata-se de uma extensão da dialética para uma variação contínua de possibilidades desde a tese até a antítese, inclusive ao longo de um número maior de dimensões, isto é, uma forma difusa e policotômica de “lética” que eu chamaria de “polialética”. Outra característica é a não linearidade. A extensão nesses três aspectos possibilita considerar o comportamento da natureza (física, química, biologia, geologia, psicologia) e da sociedade (sociologia, cultura, economia, política) de uma forma integrada que funde o holismo com o reducionismo, desde que, como já mencionei, considerado de forma não linear (isto é, o todo provém das partes, mas não da sua “soma”). Além disso é preciso entender que não existem “partes” autônomas no contexto do Universo como um todo. Cada ser é um subconjunto do Universo, sempre ligado ao todo. O psiquismo é um produto da composição, estrutura e funcionamento do organismo em interação com o meio em que se insere como parte integrante.
Digo que a mente é determinada não apenas pelo cérebro (mas principalmente) como também por todo o organismo (sistema nervoso, órgãos dos sentidos, glândulas endócrinas, visceras, músculos…) e pela interação com o resto do mundo (natureza, pessoas…). Isto não derruba a concepção monista-fisicalista-reducionista, que advogo, desde que tudo seja interpretado dentro dessa polialética, continuamente policotômica, multidimensional e não linear. Posso até considerar que fenômenos creditados aos ditos “espíritos” podem ser completamente naturais nesta visão extendida da realidade natural. Tais possibilidades, contudo, precisam passar pelo crivo rigorosa da checagem experimental, dentro de minha visão “cienticifista” da Filosofia.
Ainda farei comentários sobre a concepção de David Chalmers e a falácia das “qualia” e dos “Zumbis”, que seriam os seres com cérebro e sem uma mente dualista, bem como da experiência da “Supercientista Maria”, de Franck Jackson.

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