domingo, 6 de dezembro de 2009

Eventos sem causa


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Eventos sem causa são possibilidades e, mais que isto, realidades. O princípio, segundo o qual todo evento seja efeito de uma causa, é uma indução, baseada na observação de fenômenos acessíveis à observação direta, isto é, na escala de tempos e dimensões compatíveis com os sentidos humanos. Como toda consequência induzida, ele não tem garantia de validade e nem de veritabilidade, como nos casos de dedução, em que, sendo as premissas verdadeiras e o raciocínio válido (não falacioso), a conclusão é verdadeira também. O que se pode dizer é que a ocorrência de muitos casos, em que eventos sejam efeitos, leva a induzir que assim o seja em todos os casos, sem contudo se poder garantir tal assertiva, que é derrubada com a constatação de uma simples exceção.
Para prosseguir, preciso dizer que "causa" é um evento determinante da ocorrência de outro, dito seu efeito, enquanto “condição” é um fato que possibilita, mas não determina a ocorrência de um evento. Uma relação causal se dá entre eventos (fenômenos, acontecimentos, ocorrências) e não entre seres (entidades realmente existentes e não apenas conceituais). Não se pode falar sobre a causa do Universo e sim sobre a causa do surgimento do Universo (evento que consiste na passagem de inexistência para a existência). Além disto é preciso distinguir os eventos elementares ou simplesmente “eventos”, que envolvem apenas entidades elementares (uma partícula, por exemplo) dos fenômenos ocorridos com sistemas complexos, constituídos de inúmeras partículas reais, quer da matéria (férmnions), da radiação (bósons) ou de partículas virtuais (campos).
Dentre os eventos elementares e mesmo os que envolvem sistemas de poucas partículas, como átomos, vários ocorrerem de modo fortuito, isto é, incausado. Dentre eles destacam-se o decaimento radioativo e a emissão de fótons por átomos ou moléculas excitados. A excitação não é causa e sim condição para o decaimento. Nada há que determine o decaimento. Cada átomo decai após um tempo aleatório, sem que nada determine que o faça, da mesma forma que a radioatividade. A única informação que se tem é sobre o tempo médio de decaimento ou o tempo para que metade de uma amostra grande tenha decaído, a meia vida (mas uma é função da outra, de modo que se trata da mesma informação).
Alguém pode dizer que há uma causa, só que não se conhece. Pode até ser, mas não necessariamente. Como não se identifica causa alguma e nada há que exija que se tenha uma causa, é perfeitamente razoável considerar que não haja causa.
No caso de fenômenos ocorridos com sistemas de muitas partículas, o grande número leva a probabilidades bem direcionadas a certas possibidades, configurando um aspecto causal e determinístico que não existe nos eventos elementares de modo geral. Mesmo neste caso, contudo, há a ocorrência de comportamentos caóticos, de modo que o determinismo e a causalidade não são a regra da natureza.
Sobre o surgimento do Universo, a passagem da inexistência para a existência não requer causa alguma, nem conteúdo algum do qual tudo o que existe tenha que ser proveniente. Exigir tais coisas é um preconceito não justificado. Isto não significa “provir do nada”, pois nada não é algo do qual outra coisa pode provir. Nada é a ausência total de tudo, não só de conteúdo mas de espaço vazio, de tempo e de leis naturais. O que significa é não ser proveniente de coisa nenhuma. Antes do conteúdo do Universo ter surgido (campo, matéria, radiação, espaço, tempo, interações e leis que descrevem o comportamento disso tudo e de seus atributos, como, extensão, localização, duração, movimento, energia, intensidade das interações, spin, carga elétrica, massa e muitos outros, expressos pelas grandezas mensuráveis que aparecem nas leis) não havia leis naturais a serem obedecidas (aliás não havia nem “antes”, pois não havia tempo), de modo que o surgimento de qualquer coisa não desobedeceu lei alguma. Mesmo que houvesse tais leis de conservação, possivelmente o conteúdo total de carga, massa-energia, momento angular e outras grandezas que se conservam, no Universo atual, seja nulo, exatamente como se não houvesse nada.

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