terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Mensagem de Natal





Natal não significa apenas a comemoração do nascimento do fundador de uma religião, mas uma data que transcendeu a qualquer religião e se revestiu de um valor humano muito mais amplo e profundo. É a data em que se renovam os propósitos de tornar o mundo um lugar pacífico, harmônico, fraterno, justo, aprazível e acolhedor para todos viverem. É preciso, contudo, que essa resolução não fique só na intenção e logo se esvaia na rotina do cotidiano do ano que se inicia. Se realmente se deseja tal coisa, urge que uma revolução no íntimo de cada um tenha lugar e que, de fato, mudando a si mesmas, as pessoas sejam capazes de mudar o mundo. Que se troque a disputa, a ganância, a perfídia, a ambição e o egoísmo pela colaboração, a solidariedade, a benevolência, o desprendimento e o altruísmo. Que a gentileza, o perdão e o amor substituam a agressividade, o ódio e a vingança em todos os corações. Que a preguiça e a omissão dêem lugar à operosidade e ao compromisso de agir positivamente para tais objetivos. Que a compreensão e a tolerância passem a vigorar onde antes havia incompreensão e intolerância. Que se renuncie ao lucro e à vantagem em prol da generosidade e da equidade. Só assim serão dados os primeiros passos da longa caminhada em direção a uma sociedade verdadeiramente livre, justa, próspera e feliz para todos e não só para alguns. Um mundo em que não haja pobreza, ignorância, fome, doença, opressão e injustiça. Em que não se tenha discriminação por motivo de raça, credo, gênero, riqueza, idade, pensamento ou o que quer que seja. Tal lugar não é uma utopia e pode ser alcançado, basta que queiramos. Mas que, de fato, nos dispamos do egoísmo, do rancor, da vaidade, da inveja, da avareza e de toda espécie de maldade e pautemos nossa vida pela honestidade, pela justiça, pela bondade e pela sabedoria. Estas são as resoluções que quero ver assumidas e levadas a cabo por todos, pois assim cada qual poderá dizer que sua vida não foi em vão e que o mundo se tornou melhor por que passamos por ele.

Mas não é só isto. É preciso também que se tome uma atitude positiva, que resulte em ações enérgicas e eficazes no sentido da erradicação de todo o mal, de denúncia de toda vilania, de punição de qualquer desonestidade, de impedimento de todo tipo de opressão, discriminação e injustiça, mesmo que tais atitudes redundem em prejuízo pessoal ou represálias. Não é omitindo-se perante a ignomínia que se pode andar de cabeça erguida. Temos sempre a ver com tudo de que tomamos conhecimento e não nos resta alternativa ética senão tomar providências a respeito. Mas não apenas as que não nos privem de nosso conforto e regalias ou em nada nos afete e prejudique. Para sermos merecedores do singular privilégio de existir, há que empenhemos nosso tempo, nosso esforço, nossa dedicação, nossa inteligência, nossa vontade, nossos bens e nosso dinheiro para trazer o triunfo do bem sobre a Terra e a derrota final do mal nesse mundo.

Outra coisa que está em nossas mãos fazer para tornar o mundo melhor é dedicar, para começar, um décimo do nosso tempo semanal para projetos sociais na forma de voluntariado, plantando hortas comunitárias em algum terreno vazio do quarteirão, para todos tirarem proveito, dando aulas de reforço de graça para alunos carentes (ou não), participando de mutirões para consertos na rua ou em casas de vizinhos, fazendo a limpeza das vias e praças públicas. É preciso entender que a solução dos problemas da comunidade não precisa ser colocada sob a responsabilidade do poder público e que cada um pode e deve arregaçar as mangas e fazer muita coisa por sua própria conta. É o começo de um mundo em que governo e dinheiro não se façam mais necessários. E que essas disposições levem a todos aquela sensação de enlevo, sobranceria e nobreza que é característica de todo aquele que tem a consciência tranqüila e, com isto, vive em paz  e alegria, cercado da admiração e do afeto de todos que merecem o seu respeito e sua consideração.

Eternidade pretérita



Ontologicamente é perfeitamente possível que o tempo não tenha tido um começo e que se extenda indefinidamente para o passado. Se tal se deu ou não é uma questão a ser decidida por analise dos dados observacionais. O argumento Kalam não procede porque ele diz que, se o tempo fosse infinito para o passado, então nunca se passaria um tempo suficiente para vir do início dos tempos até o presente e, como estamos no presente, por absurdo, o tempo não poderia se extender infinitamente para o passado. Há um erro neste argumento que é o de considerar que teria havido um tempo zero, infinitamente afastado para o passado. Não é isto que se diz ao considerar um tempo infinito para o passado. Isto significa que não houve tempo inicial nenhum. Por mais que se vá para o passado, sempre haveriam momentos anteriores. Pois bem, tal coisa não é vedada por nenhum princípio físico ou filosófico. Nem a segunda lei da termodinâmica que apenas diz que o tempo flui no sentido em que o estado global do universo posterior seja mais provável que o anterior. A diferença pode ser infinitesimal e a entropia (que é proporcional ao logarítimo da probabilidade) e nunca diminui, pode tender assintoticamente a zero quando o tempo tendesse para menos infinito.
Ao que parece, contudo, pelos dados observacionais, de fato, o tempo teve um instante zero, antes do qual ele não existia (e, logo, não havia “antes”). É fácil entender a ausência da passagem do tempo, pois ele só passa porque existem variações no estado do Universo. Se tudo estacionasse, o tempo não mais passaria. Isto é, o tempo é função da dinâmica do conteúdo do Universo. Se esse conteúdo não existir, não passa também o tempo. Ou seja, não havendo nada, também não há tempo (nem espaço, mas isto não está sendo discutido aquí).
No entanto há que se considerar outra coisa. Da mesma forma que não é vedado considerar que o tempo sempre existiu (e, portanto, o Universo, já que só há tempo no Universo), também é possível que o tempo tenha tido um começo, antes do qual não havia nada, nem tempo, nem espaço, nem conteúdo do Universo, nem mesmo vazio. Nesse tempo zero teria surgido, sem causa, o conteúdo do Universo, o espaço para contê-lo (já que não existe vazio no Universo) e o tempo para que ele evolua (já que o tempo não passa se nada mudar). Isto é importantíssimo que fique bem claro: não é necessário que toda ocorrência tenha uma causa. O princípio da causalidade é um preconceito que advém de um raciocínio indutivo, baseado na constatação do dia a dia dos fenômenos acessíveis à escala de tempo e de dimensões próximas ao ser humano. Basta um único contra-exemplo para derrubar um raciocínio indutivo. Nas escalas do extremamente pequeno e do extremamente grande, tanto em termos de espaço quanto de tempo, eventos se dão normalmente sem que possuam causa, isto é, que não sejam efeitos. Por exemplo, a emissão de luz por átomos excitados (a excitação é condição e não causa), devido à interação eletromagnética, o decaimento radioativo, devido à interação fraca e a produção de par partícula e anti-partícula, devido à interação forte, por flutuações do vácuo (que não é vazio). Na verdade, o determinismo e a causalidade são aparências que se dão em virtude da “lei dos grandes números” das probabilidades, no caso de eventos ocorridos com coleções de inúmeras partículas, como os corpos macroscópicos.
Kalam não é o nome de uma pessoa e sim das escolas de ensino religioso muçulmano. O denominado “argumento Kalam” era ensinado nessas escolas como uma prova de existência de Deus, semelhante à prova do “motor primo” de Aristóteles, também defendida por Tomás de Aquino. O que o argumento Kalam acrescenta ao motor primo é o fato de que se poderia arguir que uma alternativa à necessidade de uma causa primeira seria a eternidade do Universo para o passado. Provando que o Universo não poderia ser eterno para o passado se concluiria que, por ter tido um começo, teria que ter uma causa, extrínseca a ele (pois não existia) que se identificaria com Deus.
Dizer que algo “não faz sentido” é outro preconceito advindo de nossas concepções humanas sobre a estrutura da realidade. Os eventos que eu mencionei realmente não possuem causa, e não apenas têm uma causa não detectada. Não há problema nenhum em que o Universo tenha surgido sem nada precedente que o tenha causado (isto é o que se quer dizer quando se fala em “surgir do nada”). Quando um átomo está excitado e elétrons estão em níveis superiores de energia, esta condição possibilita que possam cair para níveis mais baixos, emitindo fótons. No entanto não há mecanismo nenhum que desencadeie esta queda e ela pode se dar ao fim de qualquer tempo ou nunca. A única informação que se tem é sobre a média estatística do tempo de decaimento (vida média) ou do tempo em que metade de uma população tenha decaído (meia vida). Realmente a natureza não é causal e nem determinística. Isto é o seu comportamento intrinseco, que a Mecânica Quântica veio descrever em seu modelamento matemático e que Einstein, por exemplo, por preconceito, não admitia. Outros físicos, como David Bohm, para citar um bem proeminente, também não conseguiram admitir a incausalidade, mas ela é um fato incontestável, a que temos que acostumar e que, juntamente com a relatividade do tempo e do espaço, foram as maiores implicações que a Física legou à Filosofia no início do século XX.
Um dos problemas da Filosofia, depois que se livrou das amarras da religião, é ainda estar presa às amarras do homem, de que precisa também se libertar para ser uma disciplina que procura refletir sobre a realidade tal qual é, e não como o homem a concebe. Mas não é fácil.
Não é logico que o tempo tenha que preceder o conteúdo do Universo. Primeiro porque a natureza não tem compromisso nenhum com a lógica, que é um construto humano para disciplinar o pensamento. A natureza absolutamente não é lógica. Mas, mesmo dentro da lógica, nada há que indique alguma precedência para o tempo. Uma análise lógica, pelo contrário, mostra que o tempo é uma ocorrência advinda das mudanças de estado do Universo. O conceito newtoniano de tempo e espaço absolutos e apriorísticos não tem guarida no atual estágio de conhecimento científico.
Não há dúvida de que somos nós, humanos, os observadores da realidade e, para complicar, somos também parte dela. Mas, como na Teoria da Relatividade - que busca justamente achar o que não seja relativo - o que importa é compreender a realidade de forma independente do observador, humano ou não. Para isto, é claro, tem-se que entender os mecanismos humanos de percepção da realidade para, justamente, abstrair-se deles.
Não é verdade que a entropia sempre cresça em um sistema isolado e sim que ela não diminua. Nos processos reversíveis ela permanece constante. O Universo poderia ter passado por um estágio, anterior ao big bang (se ele já existisse antes) em que toda mudança de estado fosse reversível.
Como eu descrevi em tópico anterior, não há impedimento do tempo ser eterno para o passado e, mesmo assim, estarmos no presente. Não é preciso haver uma contagem desde um instante inicial. Este pode nunca ter existido. Mas, mesmo que o tempo seja infinito, isto não esgota a ocorrência de todos os eventos possíveis, pois o infinito do tempo é o do contínuo (alef 1), enquanto o dos possíveis eventos é o dos subconjuntos contínuos, que é alef 2 (o conjunto de todas as possíveis funções) que é um infinito de ordem superior ao contínuo.
É certo que a natureza não é lógica e que o critério de verdade é a evidência e não a lógica. À medida, contudo, que o comportamento da natureza for sendo desvendado, mister se faz adaptar a lógica para que dê conta dos fatos. Assim surgiram as lógicas policotômicas e difusa, por exemplo. Outra coisa é que a lógica não garante a veracidade de coisa alguma, mas apenas a validade do raciocínio. Se ele for aplicado a premissas falsas, as conclusões, apesar de válidas, serão falsas. Todavia muito do que se diz ser lógico, absolutamente não o é, independente de ser verdadeiro ou falso. Tal é o caso, por exemplo, do princípio da causalidade, que poderia até ser verdadeiro (mas não o é), mas, absolutamente, não é lógico.
Quanto à questão da causa e do começo, vamos analisá-la. Uma vez que causa não é uma necessidade, então o Universo não precisa ter causa (mesmo que tenha) seja ele eterno ou não, para o passado. Considerando que tenha tido uma causa, no entanto, mister se faz que tenha tido um começo, pois, se não o teve, e os eventos se sucederam uns causando os outros, nenhum deles foi causa de todos, pois sempre houve um que lhe tenha antecedido e o causado. Então o Universo, que é o conjunto de tudo, incluindo os eventos, não teve causa, caso tenha sido eterno para o passado. Por outro lado, se ele teve um começo, poderia ter tido uma causa, mas, como antes do começo ele não existia, esta causa lhe seria extrínseca. Mas, como o Universo é o conjunto de tudo, nada lhe é extrínseco, logo teve que começar sem causa. Então, seja ele eterno ou finito, não pode ter tido causa. Se é eterno ou finito, para o passado, é questão de investigação observacional.
Na verdade a expansão do Universo se deu a partir de uma condição de densidade muito grande mas não infinita, isto é, não houve singularidade nenhuma. Pode ser que esta condição já existisse sem que passasse tempo, uma vez que era todo o Universo e não estaria sofrendo alteração de estado. Admitindo a descrição aleatória como válida, pode-se considerar que, sem razão alguma, ocorreu uma alteração no estado, caracterizada pela subita expansão. Nisto deu-se o surgimento do tempo e, daí, vem toda a história do big bang. É perfeitamente admissível uma explicação sem porquê, pelo menos este inicial. O objetivo maior da ciência é explicar “como” tudo ocorre, podendo também achar porque, caso haja. Mas não precisa haver.
Realmente o tempo só se move para o futuro (os modelos que consideram a possibilidade de volta ao passado, como o do Novello, assim o fazem indo para o futuro em uma curva tipo tempo fechada, mais ou menos como o toro do Caio). Mas isto não significa que ele tenha que ter tido um começo (não estou dizendo que não tenha tido, mas sim que poderia não ter tido sem inconsistência nenhuma, isto é, o argumento Kalam é falso). Repito: uma eternidade para o passado não significa um começo infinitamente distante, mas sim a ausência de um começo. Isto não inviabiliza a existência do presente.
Quanto às teorias de Everett, Bohm, Multiversos etc., tratam-se de conjecturas, elas sim, infalseáveis e meramente especulativas. Para todos os efeitos, o Universo é único. Quanto à incausabilidade e o indeterminismo, eles são perfeitamente falseáveis e os experimentos os confirmam.
Certamente nada pode estar localizado no infinito, seja ele temporal ou espacial, porque o infinito não é um ponto de coordenadas específicas. Infinito é apenas um símbolo que diz que aquela grandeza é maior do que qualquer valor que se possa imaginar. Dizer que o Universo seja eterno para o passado não é dizer que o momento de sua criação se localiza em menos infinito e sim que não houve criação nenhuma, isto é, que ele sempre existiu. Se houve uma criação, então sim, ela tem que se situar a um tempo finito no passado. Mas é possível que não tenha havido criação e nem surgimento incriado. Se isto parece ininteligível não o é mais do que supor a existência de um Deus eterno e incriado. Pode? Se pode para Deus, porque não para o Universo? Note-se que absolutamente não estou dizendo que o Universo seja eterno para o passado e sim que poderia ser, sem problema de ordem física e nem metafísica. Se é ou não é questão de investigar com base em dados observacionais. Por tudo que tenho conhecimento, não é, ou seja, houve um começo, no qual o tempo iniciou e quando surgiu o espaço e seu conteúdo. Note: ter surgido também não significa ter sido criado por algo extra-universal. Nada impede que tenha surgido do nada. Exatamente isto!
Algo que não tem causa não tem porquê. Não há explicação para uma ocorrência incausada. Ela acontece de modo fortuíto, ao acaso, sem motivo, sem razão. O preconceito está em supor que seja preciso se ter um motivo para cada evento. Há os que os têm e os que não os têm. Isto é normal na natureza, especialmente nos eventos elementares, isto é, experimentados pelos constituintes básicos do Universo, no nível mais profundo de redução. À medida que se eleva o nível de complexidade da ocorrência, então vão surgindo interações entre os eventos elementares que fazem com que possa se considerar relações de causa e efeito. No nível básico, tudo é aleatório. O acaso pode tudo e não tem explicação.
Como se pode ter certeza disto? Simplesmente não se tem. Aliás, certeza é algo impossivel de se ter, a respeito de qualquer coisa. A ciência não trabalha com certezas, mas com fortes indícios. Assim é muito mais plausível admitir-se a incausalidade do que a existência de causas ocultas. Mas nada do que a ciência propõe é garantido. É assim mesmo. Tudo é provisório e é preciso acostumar-se com esta postura. A ciência busca a verdade, isto é, descrições que tenham aderência ao comportamento da realidade, mas nunca sabe se a possui, apenas que dela se aproxima.
Não posso ter certeza de que não existem universos paralelos e nem de que existem. Então suponho que não existem, pois só tenho acesso a este. A existência deles, em sua própria concepção, é inverificável. É mais ou menos como o caso de Deus. Não posso garantir que exista ou não exista, mas não tenho comprovações de que exista. Então suponho que não exista. Esta é a hipótese nula, válida até que seja derrubada. Não se precisa provar que Deus não existe, mas sim que existe, pois não é evidente que exista. Tal é o estágio dos universos paralelos.
Só uma observação: se algo é um efeito, então tem causa, por definição. O que ocorre são eventos que não são efeitos. É possível que alguns eventos dos quais não se identifica a causa a possuam e isto venha a ser identificado no futuro. O que não se pode é considerar que a existência de causa seja uma necessidade. Não é! Não há argumento nenhum que exija causa para um evento. Isto é puro preconceito, advindo do senso comum. E como é uma conclusão obtida por raciocínio indutivo, não é logicamente necessária. É como as leis físicas, que valem enquanto não se descobre um fato que as contrarie. Então têm que ser corrigidas.
Produção de par de partícula e anti-partícula não é surgimento do nada, pois o vácuo não é vazio. Ele contém campos que possuem energia e outros atributos. Certamente tudo o que existe no Universo surgiu de partículas e anti-partículas que foram produzidas por flutuações do campo primordial, que era o único constituinte dos instantes iniciais da expansão. Mas não era nada e nem vazio. A questão ainda não explicada é a do surgimento desse campo ultra-concentrado, do qual tudo veio. Ou ele já existia antes que o tempo começasse a passar (o que se deu com o início da expansão) ou ele surgiu nesse momento. Neste caso a condição anterior era de inexistência de qualquer coisa: espaço, tempo, radiação, campos, matéria, com todos os seus atributos, como energia, carga elétrica, spin etc., inclusive as leis físicas. Isto é que se dá o nome de nada. Nada não é algo que exista. É só uma palavra para indicar a inexistência total. Até de Deus, que, aliás, continua não existindo.
Pois bem, o surgimento de tudo, sem que houvesse algo que lhe precedesse, é o que se chama surgir do nada, sem razão e nem propósito. Isto é perfeitamente admissível e é uma explicação muito mais plausível do que a suposição da interveniência de um agente extra-natural. A alternativa é de que tudo sempre existiu, mesmo que de outra forma. Se surgir do nada é difícil de se admitir, eternidade passada também o é.
Os números naturais, pares, ímpares, inteiros e racionais têm cardinalidade alef 0. Os reais e suas ênuplas, como os complexos e os quaternions, bem como seus abertos, além das matrizes, tensores e formas diferenciais numéricas, têm cardinalidade alef 1. O espaço das funções e dos funcionais, das matrizes, tensores e formas funcionais, tem cardinalidade alef 2. O conjunto potência do conjuto das funções (o conjunto de seus subconjuntos) tem cardinalidade alef 3, e assim por diante. O conjunto das possíveis ocorrências, como é o conjunto dos subconjuntos de ênuplas de números reais, tem cardinalidade alef 2, e portanto não pode haver uma função bijetora de domínio real que o tenha como contradomínio. Assim nem num tempo infinito em um espaço infinito (tetradas de números reais) seria possível que se dessem todas as ocorrências passiveis de se ter com os sub-sistemas do Universo.
consideração de que o presente atual ainda não existia em momentos passados que temos na memória, podemos inferir que haverão momentos futuros. Então, de nossa percepção e do cotejo das percepções de outros sujeitos, pode-se ver que existe algo objetivamente fora de mim, que é a sucessão de eventos a que chamamos tempo, e que ela prosseguirá além do presente momento. De fato, toda percepção que tenho da ocorrência de eventos fora de minha mente é a de eventos que já ocorreram, pois a informação sobre eles chega a mim com uma velocidade finita (no máximo a da luz). Na verdade a coordenatização do tempo pode ser feita em uma semi-reta apontada para o passado, cuja origem sempre está colocada no momento presente e que, continuamente, é acrescida dos momentos imediatamente transferidos para o passado. Pode ser que ela se extenda indefinidamente ou que seja um segmento com um ponto terminal no instante em que o tempo passou a existir. O que precisa ficar claro, contudo, é que essa sucessão existe independente de observadores que a contemplem. Isto é, mesmo que não hajam consciências para perceber o tempo, seu fluxo se dá do mesmo modo. Outra coisa é que não há meios de se definir, para todos os referenciais, uma única superfície (de Cauchy, se pensarmos em condições de contorno para equações diferenciais) global que seja o lugar geométrico de todos os eventos (pontos do espaço-tempo) situados no mesmo instante, por exemplo, o presente. Isto é, o que é presente para mim pode estar no futuro ou no passado de outro observador que se mova em relação a mim.
O conteúdo substancial básico do Universo é simplesmente um vasto campo, que preenche todo o vácuo (não existe vazio no Universo). Este campo, primordialmente indiferenciado, fez surgir, em suas flutuações, pares de partículas e anti-partículas, que são suas quantizações. Ao se aniquilarem elas produziam fótons (que são suas próprias anti-partículas), que consistem na radiação de fundo, até hoje observada. Como a densidade de energia do campo era grande, híperons se formaram. Como há uma assimetria na meia-vida da matéria e da antimatéria, pelo decaimento, alguma matéria não foi aniquilada e constitui tudo o que sobrou. Assim, tanto a matéria (férmions, isto é, quarks e leptons) como a radiação são provenientes desse campo do vácuo, que ainda existe mas já não é indiferenciado, estando principalmente na forma de fótons virtuais (campo elétrico) e os outros campos. O gravitacional, contudo, resiste às tentativas de unificação (a não ser que a teoria M seja comprovada, ou a teoria dos laços quânticos), e me parece que ele seja realmente dado pela geometria do espaço-tempo, não se constituindo em uma interação mediada por campo.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Meus Pensamentos

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“Você sempre tem a ver com tudo aquilo de que toma conhecimento”

“A maior parte de tudo quanto vale a pena nesta vida é completamente inútil”

“Ser bom é mais valioso do que ser justo ou sábio. O bom é sempre justo mas o justo pode não ser bom e a sabedoria consiste em reconhecer isto”

“Eu sempre acho que estou com a razão porque, no momento em que não achar, eu mudo de opinião”

“Só a loucura é capaz de dar sentido à vida”

“Na caminhada da vida o que importa menos é o destino. A própria caminhadada é que é importante. A sabedoria consiste em curtir a viagem, apreciar a paisagem e nunca deixar para ser feliz quando o futuro chegar”

“O sucesso não garante a felicidade. Persiga o bem e a virtude, esquecendo o sucesso e, mesmo, a felicidade. Então ela lhe será concedida”

“O valor de uma pessoa não está no que ela tem, nem no que ela pode, no que faz ou no que sabe, mas sim no que ela é”

“Inteligente é a pessoa que tem a humildade de fazer da sua inteligência uma alavanca para mudar o mundo”

“Se em nossos últimos momentos ainda tivermos instantes de lucidez, não será dos negócios perdidos ou do dinheiro não ganho que vamos nos lamentar, mas apenas do perdão não concedido e do amor não dedicado. Pautemos, pois, desde hoje nossa vida, para que de nada possamos nos arrepender ao seu final”

“A arte não necessariamente exprime o belo, mas o feio, expresso pela arte, necessariamente é belo”

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sábado, 18 de outubro de 2008

O que é o Pensamento

O pensamento trata-se de uma ocorrência que se dá na mente, como um sentimento, uma emoção, uma percepção, uma volição, uma evocação, uma memorização, um raciocínio etc. E mente nada mais é do que a entidade que consiste em um cérebro em funcionamento atual ou potencial. A mente não é o cérebro, mas não existe sem ele. É um epifenômeno do cérebro, isto é, um acontecimento que se estabelece devido a seu funcionamento, que depende de sua constituição, estrutura e dinâmica. O pensamento é como uma música. Ela não existe sem que um instrumento (ou a voz) a produza, mas ela não é apenas o som, mas tudo o que a maneira com que esse som é gerado sequencialmente no tempo seja capaz de produzir, devido á variação da altura, da intensidade, do timbre, do ritmo, da melodia, da harmonia e de todas as demais características. Assim o pensamento é uma sequência de evocações de percepções, de associações, de sentimentos, e de tudo o que o funcionamento do cérebro pode produzir. Note-se que o pensamento pode mesmo ser inconsciente (consciência já pode ser o tema de outro tópico). Certamente para pensar a mente requer que o cérebro funcione e, portanto, consuma energia. Mas o pensamento não é energia, nem tampouco reações químicas. Não é matéria e nem espírito (que, aliás, não existe). Pensamento pertence à categoria de realidades que denominam-se “ocorrências”. Isto é: pensamento é um processo que se dá na mente, um acontecimento, um evento. Para que tal evento ocorra é requerido o fornecimento de energia como, de resto, em todo processo orgânico. Mas esta energia é a fornecida pela metabolização do alimento que se ingere. Ela não provem de fonte externa ao organismo. Energia não é uma entidade e sim um atributo. Não existe energia em si mesma, mas apenas como propriedade de alguma coisa. Como uma cor, por exemplo. Tal ocorrência consiste em transmissões de sinais entre neurônios. Estes sinais caminham pelos dendritos e axônios como uma onda de inversão de polarização de suas membranas, em função da variação da concentração de íons de sódio, potássio e cálcio. A comunicação entre os dendritos e os axônios é feita pelos neurotransmissores, que estão disponíveis no meio glial, tratando-se, pois, de um transporte químico de moléculas. Tais assuntos podem ser vistos em qualquer tratado de anatomia e fisiologia neural (depois cito algumas referências). Não há nenhuma evidência experimentalmente testificada de que o pensamento possa, naturalmente, emanar da mente que o experimenta, propagar-se pelo espaço e ser captado por outra mente, lembrando que a mente é um epifenômeno do cérebro. A interpretação dos fatos havidos com os macacos lavadores de batatas como transmissão de pensamento é gratuíta.

Uma questão, contudo, é inteiramente pertinente: de onde vém o pensamento? Isto é, o que desencadeia a ocorrência de um pensamento na mente? Várias coisas. Em sua orígem, todo processamento mental provém das sensações que os órgãos dos sentidos levam ao cérebro. São os estímulos visuais, sonoros, térmicos, táteis, olfativos, gustativos bem como dos sentidos que percebem o equilíbrio, o posicionamento do corpo e o funcionamento dos órgãos internos que provocam as primeiras cadeias de transmissões de sinais neurais que se transformam em percepções, assim que interpretados. Em segundo lugar, o próprio cérebro, em seu funcionamento, evoca, por associação ou mesmo aleatoriamente, a percepção de imagens já registradas na memória. E as processa, produzindo novos resultados que passam a ser registrados. Esse fluxo de processamento neural é que é o pensamento. Ele pode se dar de modo consciente ou inconsciente, voluntário ou involuntário. Quando consciente, o “eu” (self) toma ciência da ocorrência. Nos sonhos e alucinações há uma emulação inconsciente da consciência, que, inclusive, pode acarretar respostas motoras (sudorese, micção e mesmo, locomoção, além do movimento dos olhos, característico do estágio REM do sono). Dependendo de seu modo de ser, o pensamento pode ser um raciocínio, uma emoção, um sentimento, uma decisão. Em todos estes casos, o processamento mental desencadeia alterações somáticas (hormonais, vago-simpáticas ou outras), como excitação, taquicardia, sudorese, rubor, palidez, secura na boca, vaso constrição ou dilatação. Todas essas alteração são percebidas pela varredura dos sentidos e registradas na memória com parte da ocorrência, de modo que o processamento mental não é apenas cerebral, mas envolve todo o organismo.

Por outro lado, as interpretações misticas da física quântica carecem de qualquer fundamento. O livro e o filme “Quem somos nós?” apresenta uma enorme quantidade de proposições completamente sem fundamento. Sobre este filme já postei inúmeros comentários em comunidades do orkut. Amit Goswani, Fritjof Capra, Rhonda Byrne e outros emitem opiniões que não encontram respaldo na comunidade científica. Mesmo assim leio o que escreveram (com leio Allan Kardec, o Corão, os Vedas e tudo a respeito de tudo). Mas ainda não me convenci de suas proposições.

Irrelevância da Teologia

Tenho para mim que a Teologia é uma disciplina inteiramente desprovida de significado e relevância e explico. O objeto da Teologia é a análise e interpretação do conteúdo das escrituras consideradas pelas diversas religiões como uma “revelação” da divindade ao homem, como a Bíblia, o Corão, os Vedas, ou, até mesmo, os escritos de Allan Kardec. A questão, desde o princípio, se revela problemática, pois a única garantia que se tem de que, de fato, tais escrituras sejam ditadas pela divindade é a fé daqueles que crêem em tal fato. Ora, a fé, absolutamente, não pode ser critério de veracidade de coisa alguma, pois, se assim o fosse, haveriam inúmeras verdades que mutuamente se contradiriam, já que há pessoa que possuem fé sincera e verdadeira em coisas completamente distintas, que são os seguidores fiéis das diferentes crenças religiosas. Como a verdade, por definição, tem que ser única, surge a questão de decidir por qual das revelações se fazer a escolha como sendo a verdadeira. Mas o critério, nesta escolha, certamente que há de ser externo às próprias crenças que validam cada uma delas. E este critério só pode ser o critério filosófico de veritação que se baseia nas evidências dos sentidos ou nas comprovações racionalmente válidas que se fazem, em última instância, com o apoio de premissas validadas por evidências.

Ao que me consta, nenhuma evidência ou comprovação existe da vercidade de nenhuma dessas “sagradas escrituras”, logo concluo que todas são meramente relatos compilados de mitos ancestrais, passados oralmente de geração a geração, cuja origem deve ter se dado nas explicações fantasiosas que os primitivos elaboravam para enteder aquilo de que não possuiam noção da razão de ser. E se a Teologia se fundamenta em escritos inteiramente desprovidos de razão, que valor pode ter qualquer conclusão que deles se tire?

No meu entendimento perdem o seu tempo aqueles que se debruçam, por exemplo, sobre a Bílblia para extrair algum conhecimento a respeito da realidade. Melhor fariam se a estudassem de um ponto antropológico, como uma manifestação cultural dos povos e deixassem a realidade para ser estudada pela filosofia e pelas ciências.

De fato, coloco a Teologia no mesmo nível de conhecimento da Astrologia e de outros conhecimentos esotéricos desprovidos de qualquer fundamentação.

Que se apresentem os teólogos para justificar porque consideram a Teologia algo de valor, pois estou disposto a mudar meu ponto de vista, caso convencido.

Admitindo-se que deus não exista, como o faço, fica patente que a Teologia é um assunto totalmente desprovido de propósito, pois estuda algo que, simplesmente, não existe. Todavia, mesmo que se considere que deus exista, seu estudo deveria ser feito por meio de uma disciplina racional e científica que é a Teodicéia. A Teologia, por basear-se nas pretensas “revelações”, que, mesmo, reafirmo, considerando a existência de deus, não têm garantia alguma de que sejam, de fato, revelações divinas, peca por completa falta de embasamento. Além disto, mesmo, ainda, que se considerem as ditas “sagradas escrituras” como revelações, haveria um tremendo problema de conciliar as contradições que elas guardam entre si. Só para começar, como conciliar a Bíblia com o Corão? Aquela considera que deus tem personalidade tripla e este simples. E os Vedas, então, que admitem a existência de múltiplos deuses? Alguém diria: ora, todas essas pseudo-escrituras são falsas, só a da minha religião é verdadeira, como o garante a minha fé. Bom… de quem eu estou falando? Como saber quem está com a verdade? Que se pronunciem os Teólogos.

Muitos religiosos congratulam-se com a fé exibida pelas pessoas, considerando ser uma grande virtude a aceitação como verdades inquestionáveis de fatos completamente impossíveis de serem verificados diretamente. Jesus, no evangelho, bendisse os que crêem sem ver, dirigido-se a seu apóstolo Tomé. Bom… eu sou mais cético do que Tomé, pois, mesmo vendo, ainda duvido, achando que possa estar tendo ilusão de ótica. Considero que a fé é um total e completo disparate. Não consigo entender como se pode achar valor em se crer em alguma coisa sem fundamento algum. Por que? Porque está escrito na Bíblia? E daí? Outros livros dizem outras coisas. Devo acreditar em tudo o que está escrito em qualquer lugar? Por que a Bíblia seria diferente de outros livros? Como saber que ela relata verdades e não opiniões? Isto a Teologia é capaz de garantir? Quero saber com que argumentos. Pelo que sei a Teologia judaico-cristã, baseia-se na propria Bíblia. Logo não pode ser capaz de validar a Bíblia. Isto só poderia ser feito por argumentos externos a ela. Quais são eles? A Fé? Isto não faz sentido. A fé não é capaz de servir de critério de verdade e esta assertiva é óbvia. Eu não posso garantir que algo seja verdadeiro porque acho que assim o seja. Daí a Teologia ser um estudo inteiramente desprovido de significado. Todas as extensas elucubrações teológicas dos Padres e Doutores da Igreja, Gregório, Ário, Agostinho, Abelardo, João Crisóstomo, Jerônimo, Macário, Teodoro, João Damasceno, Tomás de Aquino, Anselmo, Boaventura, Bernardo de Claraval, Alberto Magno, João da Cruz, Roberto Belarmino, Tereza de Ávila, Catarina de Siena, Lutero, Calvino, Zwinglio, Spener, John Knox, Lewis, Boff e outros mais, que ocupam milhões de páginas escritas são tão inúteis quanto a literatura sobre Astrologia, Alquimia, Numerologia, Ufologia, Cientologia e outra “gias” que são Pseudo-ciências inteiramente desprovidas de fundamento.

domingo, 5 de outubro de 2008

Espécie Mulherana

Em toda espécie animal superior o sexo que melhor a tipifica é o feminino. Ele é essencial para a sua preservação e, por partenogênese, sozinho, é capaz de garantir-lhe a perpetuação. O masculino entra como acessório, útil para garantir a variabilidade genética, sem dúvida fator importantíssimo para o sucesso evolutivo, mas não essencial para a existência da espécie. Nos vegetais esse fato é ainda mais notável, já que o hermafroditismo das angiospermas permite caracterizar o indivíduo vegetal como feminino, sendo os órgãos masculinos da flor (estames) meros apêndices.

Uma das conseqüências disto é que os machos, entre eles o homem, vivem em função das fêmeas, que existem por si próprias. Assim eles precisam sempre fazerem-se aceitos por elas para que seus genes possam perpetuar-se na prole. A natureza é toda regida pela tirania do gen que, de modo egoísta, pretende espalhar-se na população de uma espécie. À fêmea cabe a função de avaliar a qualidade do pretendente e aquiescer no sexo com ele, se julgá-lo suficientemente bom. Assim as fêmeas são as guardiãs da qualidade genética da espécie não deixando que os exemplares menos aptos espalhem seus genes fracos. A espécie humana, de modo inconsciente, também participa deste jogo da natureza, mesmo quando possa parecer que é o sexo masculino o dominante. Em verdade até nas culturas mais machistas e patriarcais os homens vivem para suas mulheres, trabalham para suas famílias e fazem a guerra para defender sua companheira e sua prole ou para conquistar outras mulheres, evitando a endogenia. Mas tudo gira sempre em torno da mulher. Assim o nome da espécie, que na língua portuguesa coincide com o nome de seu exemplar masculino, devia ser "mulherana" e não, "humana".

Observa-se que, na história, a maior parte das grandes obras foi, e ainda é, realização de indivíduos do sexo masculino. Isso vale para a literatura, a música, a poesia, a pintura, a escultura, as obras arquitetônicas, as conquistas militares, as descobertas científicas, as grandes invenções e quase tudo de criativo já produzido por seres "mulheranos" (do sexo masculino, no caso). O motivo é simples: não que as mulheres seja menos capazes que os homens mas que estes precisam impressionar as mulheres com seus feitos para provar a elas que possuem bons genes. E nisso empenham o máximo de suas energias e capacidades. Todo feito glorioso, artístico, político, militar, científico, esportivo, qualquer um que um homem realize, ele o faz com o pensamento voltado para alguma mulher. Mesmo o arrebatamento místico e religioso possui um componente erótico sublimado, às vezes até, na devoção à Virgem Maria. As mulheres não precisam impressionar os homens para ter aquele que desejam. Basta serem seletivas e escolher o mais conveniente.

A lição a tirar destas considerações é que, tomando consciência deste fato fundamental, homens e mulheres possam ter um melhor entendimento recíproco e consigam viver mais harmonicamente e não como seres de planetas diferentes. E que a aceitação desta verdade coloque o homem em seu devido lugar, deixando que as mulheres realizem-se completamente como pessoas de pleno direito e não como sombras de seus homens que em verdade são, eles sim, as sombras de suas mulheres.

sábado, 4 de outubro de 2008

"Noblesse Oblige" - Reflexões Eleitorais

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Aproxima-se o dia das eleições municipais e sinto-me no dever de levantar algumas questões de suma importância à consideração da eleitora e do eleitor. Certamente que já possuo meus candidatos a prefeito e vereador, mas não os declararei aqui. Quero considerar os critérios e cuidados a tomar na escolha do nome em que votar.

Para começar, é preciso que se tenha claro na mente o objetivo que se pretende com o resultado das eleições. Considero que a política municipal, além de sua finalidade precípua, que é o governo da cidade, também constitui a célula básica de todo o organismo da administração nacional. Portanto, o que se espera que venha a ser a política nos níveis estadual e federal, para as décadas vindouras, tem que ser semeado hoje, nas eleições municipais. Que a política seja a mais nobre e valorosa atividade a que um cidadão possa se dedicar, para engrandecimento de seu país e mesmo da humanidade, para a prosperidade e felicidade do seu povo e para elevação moral e dignificação pessoal de sua vida, a ser tomada como espelho de virtude, probidade, grandeza e altivez. O político de hoje é o fidalgo de antanho. E “noblesse oblige”.

O político, pois, mais do que qualquer outro, precisa primar por suas qualidades de ser humano íntegro e valoroso; idealista e combativo; competente e operoso; eficiente e eficaz; criativo e perspicaz; articulado e articulador, mas intransigente em seus princípios; magnânimo, mas exigente; ousado, mas cuidadoso; destemido e, ao mesmo tempo, prudente; realizador, mas zeloso pela correta aplicação dos recursos públicos. Sem mencionar que tem que pautar sua conduta por uma honestidade e lisura a toda prova, revelando um real, genuíno e profundo interesse pela solução dos problemas que afligem o povo e pela consecução de seu bem estar, prosperidade e máxima felicidade. E que, certamente, não pretenda fazer uso de seu mandato para proveito próprio, no sentido de obter vantagens ilegítimas, aceitar propinas ou outras formas de enriquecimento que, mesmo não sendo ilegais, não se coadunem com uma conduta irrepreensivelmente ética. E mais: é preciso que esteja disposto a lutar pela erradicação deste tipo execrável de comportamento político, caracterizado pelo clientelismo e pela venalidade de modo geral, importando-se mais com a coisa pública do que com a própria carreira política, sendo um genuíno democrata, mas que aja consoante sua consciência, mesmo que contrarie as determinações partidárias. Certamente que estas colocações, exaradas no gênero masculino, aplicam-se igualmente ao feminino, de todo direito capaz e competente para o exercício de qualquer mandato eletivo, como de resto, para qualquer atividade, ar­cando com todos os deveres e responsabilidades, bem como gozando de todos os direitos e regalias do masculino.

Assim, há que se correr dos que prometem benesses irrealizáveis ou a solução dos anseios particulares dos eleitores, em detrimento das prioridades gerais da população, inclusive da parcela que tenha votado em algum adversário. Ou que angariem seus votos em troca da concessão de favores e privilégios ilegítimos. Se tal tipo de pessoa se dispõe a transigir com a lei e a ética para se eleger, que garantia se terá de que honrará a palavra dada? Examine-se a história da vida do candidato para ver ao interesse de quem ele serve, se do povo ou de alguma classe ou local em especial, seja qual for, como funcionários públicos, professores, bancários, médicos, empresários, ruralistas, bairros ou distritos. Por mais legítimos que sejam suas reivindicações classistas ou locais, elas não podem se sobrepor ao interesse geral do povo, segundo prioridades criteriosamente levantadas. É preciso entender que a atividade de um vereador, por exemplo, não é resolver os problemas específicos dos demandantes, mas sim, legislar no sentido de que esses problemas sejam resolvidos de uma maneira legal, institucional e impessoal, abrangendo toda a coletividade. Mais importante do que calçar uma rua é estruturar uma legislação que promova o progresso da polis e o bem estar de todo cidadão, e fiscalizar para que seja cumprida.

Medite, cara eleitora e caro eleitor, sobre estas reflexões e faça sua escolha consciente do nome em que votar nas próximas eleições.

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Como é a Natureza

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Na verdade, o juízo que fazemos acerca da natureza tem o viés humanista, isto é, a natureza não possui, em si mesma, atributos do tipo inteligência, discernimento, afetos, desejo, volição ou alguma razão e propósito para fazer o que quer que seja. Apenas os seres de suficiente complexidade, como o humano (mas não só), concebem em suas mentes tais qualidades. A natureza não possui mente e, “a fortiori”, consciência. O que alguns denominam “consciência cósmica” é algo inteiramente sem fundamento, como também a noção de “Gaia”. A evolução do Universo se dá de maneira cega, à mercê das forças titânicas dos elementos, guiados pela aleatoriedade. Por acaso surgiu, neste rincão, uma espécie como a nossa, que se debruça sobre tais coisas e “filosofa”. Além disto, ela talvez seja capaz de interferir de modo consciente e com objetivo na evolução da vida e do cosmo, provido que seja tempo suficiente para que se atinja um nível de compreensão e domínio técnico de ferramentas capazes de tal proeza (se, antes disto, ela não destruir a si mesma). Enquanto isto, possivelmente, outras congêneres, em outras plagas, estejam com idênticos propósitos ou até mesmo, agindo nesse sentido.

A consciência, como atributo da mente, é uma ocorrência (um epifenômeno) do organismo (em especial do cérebro, mas não só), que advém de sua extrema complexidade estrutural e dinâmica, não tendo relação alguma com uma pretensa realidade sobrenatural, o dito “espírito”. A concepção monista fisicalista é a única consistente com todos os dados e, a cada dia, apesar das contestações, a neurociência progride em seu afã de explicar de modo puramente natural todo o psiquismo. Mas ainda é cedo para se ter um quadro definido. No entanto, isto não significa que ele não exista, pois tudo isto é muito recente. Deixemos passar umas boas centenas ou milhares de anos.

Os conceitos de belo e de feio também são humanos e inteiramente estranhos à natureza. De fato, há muito de belo na natureza. Nós consideramos belo aquilo que nos proporciona uma sensação agradável, quando o cérebro interpreta o que os sentidos lhe comunicam, à luz de nossa vivência. Como somos seres que surgiram neste planeta tendo evoluído em adaptação a suas condições, consideramos belo o que nos propicia uma adaptação satisfatória ao meio. Mas existe muita coisa feia, horrível mesmo na natureza. A noção de que a natureza seja perfeita absolutamente não procede. Senão não existiriam doenças que causam sofrimentos atrozes e mortes em agonias insuportáveis. Não haveria pessoas más e cruéis, não haveria predadores que caçam e matam para comer suas presas, que fogem apavoradas de seu cruel destino. Não haveria cataclismos climáticos, como furacões e tsunamis, que matam justos e pecadores, como não haveria terremotos e erupções vulcânicas. No mundo dos pequenos insetos e dos micro-organismos reina um apavorante terror para a sobrevivência: os vírus destruindo as bactérias, os anticorpos lutando contra os germes. A vida, em seu nível profundo é uma constante e horrível guerra. A evolução é uma batalha de sobrevivência. E no nível cosmológico, galáxias fagocitando-se, estrelas explodindo, buracos negros descomunais engolindo milhares de estrelas nos núcleos dos quasares. Tudo isso, se analisado estatisticamente, mostra que a feiúra é mais abundante que a beleza neste Universo. Não estou dizendo que não haja beleza na natureza, mas sim que ela não é bela, o que tem outro significado. Isto não é uma questão de se acreditar e sim de se constatar.

Quanto às doenças, mesmo que se tenha o maior cuidado, delas nem sempre se escapa, pois nem todas provém de contaminação, podendo ser hereditárias ou congênitas ou, ainda, resultante de exposição à radiação cósmica, o que não se consegue evitar. Mesmo as infecciosas podem se estabelecer em uma pessoa que tenha o máximo de precauções higiênicas e em lugares em que o estado toma todos os cuidados com a saúde pública. Os danos causados por catástrofes naturais, mesmo que não saibamos quem sejam os justos ou os pecadores, certamente não selecionam as vítimas por nenhum critério, a não ser o acaso, que alguns chamam de sorte ou azar. De fato, a natureza não é bela nem feia, nem burra nem inteligente, nem fria nem calorosa para com nenhum ser existente. Ela é completamente indiferente a todos esses aspectos e suas ações não se pautam por nenhum critério ético ou estético. Tais valores são construtos humanos, que também podem ser encontrados em animais mais evoluídos ou nos que ainda estão por vir na seqüência da evolução.

No entanto nós possuímos estes valores, e eles surgiram porque cultivá-los propicia, no todo do tecido social (já que somos gregários) a maximização do bem estar, da paz, da harmonia, enfim, da felicidade, o que resulta em vantagem evolutiva, pela garantia da procriação e do sucesso adaptativo ao ambiente, condições que não se cumpririam satisfatoriamente se o homem não cultivasse um comportamento ético e de valorização do bom e do belo. Imagine como a humanidade logo se aniquilaria se, por exemplo, a gatunagem fosse erigida como norma geral de procedimento para todas as pessoas. Quem produziria os bens a serem roubados? O progresso e o bem estar que propiciaram a explosão demográfica da espécie humana são resultantes da prática de valores relacionados à cooperação, à convivência harmônica, à solidariedade, a honestidade e a justiça. Na natureza, contudo, nada disto existe.

Em resumo, a poesia da natureza e a beleza que se pode ver em muitas coisas são patentes e motivo de um sentimento de enlevo e êxtase contemplativo, que também partilho com todos. A ternura, o carinho e o deslevo de uma mãe amamentando seu filhinho, um gesto de solidariedade, enfim, há inúmeros exemplos comoventes de beleza e bondade, não só humana, mas provindo de todos os seres da natureza. Concordo plenamente. O que estou dizendo é que tudo o que existe de belo na natureza (e é muita coisa), não a caracteriza como "bela", pois não se trata de uma regra geral, sempre presente, mas de um aspecto acidental, mesmo que bastante ocorrente. Da mesma forma que existe a beleza, existe a feiúra, mesmo horrível, o sofrimento, a maldade, a dor. A natureza, em sí, é indiferente a tais aspectos. Ela não é boa nem má, nem bela nem feia. Existe beleza e existe feiúra, existe bondade e existe maldade. Só que estes conceitos não estão nas coisas em sí, mas no modo com que nós, humanos, as vemos. Inclusive, isto varia com o tempo, o lugar e a cultura do observador. Por isto é que digo que não há uma razão para a natureza ser fria e burra, simplesmente porque ela não é fria e burra. Ela é indiferente. Ela não possui os atributos de inteligência e nem de sentimentos. Então não se pode dizer que ela seja burra e nem que seja fria. Tais qualificativos não se lhe aplicam. Nós é que temos uma tendência de antropomorficar as ações da natureza, tanto que inventamos o conceito de deus como um ser interveniente na natureza, possuidor de inteligência, sensibilidade, volição e poder, isto é, deus foi criado à imagem e semelhança do homem.

A beleza e a bondade existem sim e são objetos de especial valor e merecedores da máxima aplicação de esforços em sua obtenção. Mas são valores humanos. Numa natureza desprovida de seres conscientes e sensientes, não existiriam tais categorias.

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terça-feira, 30 de setembro de 2008

Energia

     .Energia é um conceito muito falado e pouco compreendido, além de ser, muitas vezes, atribuído a coisas que, absolutamente, nada têm a ver com energia. Energia é um conceito físico, e, como tal, um construto abstrato humano, não correspondente, necessariamente, a algo concreto na natureza. Os conceitos e as teorias físicas, todavia, permanecem enquanto fizerem sentido e conduzirem a interpretações adequadas da realidade objetiva, de modo a permitir a previsão e o controle do comportamento da natureza.

    

     Muito do que se considera como sendo “Energia”, na verdade trata-se de conceitos que melhor seriam descritos por palavras como “Disposição”, “Ânimo” ou outras de natureza psicológica e não física. Para um organismo biológico, a única coisa que fornece energia é o alimento, ou a luz solar, no caso de plantas clorofiladas. Demonstrações de afeto não “passam” energia, nem tampouco “chás”, “florais”, ou “incenso”. Drogas como guaraná, ou os ditos “energéticos”, na verdade atuam no sistema nervoso, criando um estado de alerta potencializado, mas não fornecem energia. Apenas habilitam o organismo a acelerar o consumo da energia disponível. Açúcar, amido e os demais carboidratos, bem como proteínas é que fornecem energia ao organismo. Orações, “passes” e “benzeduras’, além de outros rituais tampouco.

    

     É preciso entender que energia não é uma entidade. O Universo não é feito de "matéria e energia", mas sim de campos, que se apresentam como matéria e radiação em suas quantizações ou campos de força estáticos não quantizados. Esses campos é que possuem ou não energia. Ela é, pois, um "atributo" das entidades constitutivas do Universo e de seus conglomerados, que são os sistemas e, em particular, os corpos. Sistema é qualquer subconjunto do Universo, constituído de campos, radiação e matéria. Um sistema que possua uma fronteira nítida é um corpo. Para se trabalhar com o atributo energia dos sistemas, associa-se a ele uma "grandeza", também denominada "energia", a que podemos dar um valor passível de medição, de caráter escalar, isto é, expressa exclusivamente por um valor, sem orientação espacial, e extensivo, isto é cumulativo aditivamente. O que representa esta grandeza?

    

     De modo intuitivo podemos dizer que energia é a grandeza que mede aquilo que um sistema consome ao realizar algo. E realizar algo significa interagir com outros sistemas e alterar suas configurações e seus estados, quer mudando seu movimento, sua distribuição espacial ou outras características que ele apresente, como eletrização, temperatura, estado de agregação, magnetização etc. A alteração de tudo isto se dá com o dispêndio de energia, que funciona como se fosse dinheiro, na economia da natureza. Por configuração entendemos a disposição espacial das partes do sistema e por estado a condição que, além da configuração, considera como o sistema está ou tende a evoluir no tempo.

    

     O mais importante sobre a grandeza energia, que lhe confere uma enorme importância no estudo dos sistemas físicos e sua evolução, é que ela obedece a uma “Lei de Conservação”. Isto quer dizer que energia é uma grandeza que não se perde nem se cria, apenas se transforma ou se transfere, sendo o total uma constante para um sistema isolado, isto é, que não interaja com a vizinhança. E como o Universo, por definição, é um sistema isolado, pois não tem vizinhança, a energia total do Universo é uma constante, quer dizer, não varia com o passar do tempo. O curioso é que, levando em conta que as energias potenciais podem ser negativas (quando a interação é atrativa e se escolhe o zero na configuração em que não se tem interação), é possível que, incluídas todas as interações, a energia total do Universo seja exatamente ZERO. Portanto a possibilidade de que o Universo tenha surgido do nada, não viola a conservação da energia. Mas, mesmo que violasse, como não havendo nada também não há leis a que se obedecer, a passagem da inexistência para a existência do Universo não teria que obedecer a leis que vigoram enquanto ele existe.

     

     Nas interações há, pois, a possibilidade dos sistemas trocarem energia e podemos fazer uma contabilidade disto (débito, crédito, saldo). A quantidade de energia trocada (o pagamento ou recebimento, dependendo do ponto de vista), é medida por dois tipos de grandeza: trabalho e calor. A interação envolve realização de trabalho quando é possível detectar aplicação de força entre os sistemas, que, em decorrência, sofrem deslocamento, na totalidade ou em alguma parte. E o calor é transferido quando na interação há diferença de temperatura entre os sistemas ou subsistemas sem nada que impeça a energia de fluir. Mas o calor é um conceito macroscópico, só perceptível em sistemas de muitas partículas. Entre partículas elementares (prótons, elétrons), só se troca energia por realização de trabalho. Calor é, pois, uma espécie de trabalho líquido global entre as partículas dos sistemas, que não acarrete uma aplicação de força e um deslocamento macroscópico desses sistemas.

    

     À energia que um sistema possui pelo fato de estar em movimento chamamos cinética. Considerando o sistema como um todo, tal energia é medida pela metade do produto da massa (grosso modo a quantidade de matéria) do sistema pelo quadrado de sua velocidade. Como a velocidade é um conceito relativo, assim também o é a energia cinética. O trabalho que uma bala de fuzil pode fazer depende de sua velocidade relativa ao alvo. Para escaparmos da morte por fuzilamento, basta, pois, que saiamos correndo com a mesma velocidade da bala que, assim, em relação a nós, estará parada e não nos fará mal. Isto, de fato, é o que ocorre com as baterias anti-aéreas que tentem alvejar um avião que já passou, atirando por trás.

    

     À energia que um sistema possui por estar submetido a um campo de força denominamos potencial. Seu significado está em que, permitindo-se que a força do campo aja sobre o sistema, ele se deslocará, adquirindo velocidade e, pois, energia cinética, cujo valor consideramos que antes estava armazenado no campo de força da interação.

    

     Energia Interna de um sistema é a totalidade de todas as energias cinéticas e potenciais de todos os constituintes do sistema, incluindo partículas e campos, bem como a energia associada à massa (de repouso) de todas as partículas. Isto inclui as energias cinéticas translacionais, rotacionais e vibracionais e as energias potenciais (referentes a todas as interações) intermoleculares, interatômicas, intra-atômicas, nucleares e qualquer outra espécie que se considere, desde que medida com relação ao centro de massa do sistema.

    

     A Energia Externa é a totalidade das energias cinéticas e potenciais, de toda ordem do sistema, considerado como um todo, com relação às interações que experimenta com outros sistemas externos a ele e o movimento que faz em relação a algum referencial externo a ele.

    

     Energia Total é a soma dessas duas.

    

     É importante frisar que não conhecemos o valor absoluto nem da Energia Interna nem da Externa, pois as potenciais são valores de calibre, que dependem da definição do zero e as cinéticas são relativas ao referencial. As equações da Termodinâmica dizem respeito a variações de energia, que são diferenciais exatas, isto é, variações de alguma função bem definida do estado do sistema e as correlacionam com o trabalho de configuração (que se dá pela mudança da configuração) ou dissipativo (que se dá sem mudança na configuração) e o calor, que são diferenciais inexatas (ditas pfaffianas), isto é, cujo valor não depende só da mudança na configuração, mas também do modo como esta mudança ocorreu, isto é da sua história (das situações intermediárias experimentadas). Por isto existe variação da energia, mas não existe variação do trabalho e do calor.

    

     Quanto à temperatura de um sistema de partículas, trata-se de uma grandeza proporcional apenas à energia cinética translacional por partícula, sendo a constante de proporcionalidade igual dois sobre a constante de Boltzmann dividido pelo número de graus de liberdade de movimento das partículas. Isto, para um gás ideal monoatômico, por exemplo, com 3 graus de liberdade de movimento, equivale a dizer que, para cada kelvin (ou grau Celsius) de temperatura, as moléculas têm uma energia média de 2,07 × 10-23 joules.

    

     Como todo sistema interage com sua vizinhança emitindo e absorvendo radiação eletromagnética, podemos, pela análise do espectro desta radiação (intensidade versus freqüência) definir sua temperatura por comparação com a curva de radiação de corpo negro (ou de cavidade) correspondente. Na verdade, os corpos reais não são negros, logo esta temperatura não corresponderá à temperatura cinética anteriormente mencionada. Além do mais, o conceito de temperatura supõe um sistema em equilíbrio térmico. Para sistemas fora do equilíbrio seria preciso definir partes do sistema que possam ser consideradas em equilíbrio. Há também a questão da definição do que seja a temperatura de uma superfície, bem como a de sistemas de fluxo aberto.

    

     A questão absolutamente não é simples e a própria Física Estatística não dá boa conta do recado. O que podemos dizer é que, realmente, não conseguimos medir a energia de um corpo em sua totalidade e, mesmo que pudessemos, a temperatura não depende do total de energia, mas de parte dela. E se o corpo tiver a complexidade de um organismo biológico, como um pedaço de madeira, então a coisa fica complicadíssima. O que podemos obter são as variações de temperatura a partir das variações da energia interna, que, por sua vez, dependem do trabalho e do calor, que são modalidades de se transferir energia.

    

     A não ser que consideremos como sistema a totalidade do Universo, todo sistema possui uma vizinhança que é, simplesmente, o resto do Universo, fora o sistema. E o que é um sistema? É um subconjunto do Universo definido sem ambigüidade, de tal forma que se possa dizer, a cada momento, o que pertence ou não pertence a ele e qual a sua fronteira. A fronteira pode ser fixa ou móvel bem como o seu conteúdo. As energias cinéticas das partes constitutivas do sistema, medidas em relação a seu centro de massa, adicionadas às energias potenciais devidas às interações entre suas partes, constituem sua Energia Interna. A energia cinética do sistema como um todo, considerado em seu centro de massa, medidas em relação a um referencial externo, bem como as energias potenciais devido às interações das partes do sistema com o que estiver fora dele constituem sua Energia Externa.

    

     Em Relatividade, a totalidade da energia interna do sistema (incluindo a da massa de repouso das partículas constitutivas) é Energia Própria do sistema, que determina sua ação gravitacional ativa e passiva, bem como sua resposta inercial às tentativas de alterar seu estado de movimento. Portanto é correto que possamos obter o valor da energia interna de um sistema por seu comportamento gravitacional, sempre lembrando que, nas equações de Einstein, que seriam aplicadas, os coeficientes da métrica são funções da massa do corpo central, que na relatividade inclui todo o tipo de energia interna, avaliadas numa aproximação limite de campos fracos, obtida pela escolha do calibre no qual o potencial é nulo no infinito, de modo a se identificar com a solução newtoniana. Assim o valor de energia total, mesmo relativisticamente calculado, não deixa de ser um campo de calibre. Além do mais, a escolha da origem no corpo, mesmo que sempre possível, não deixa de ser uma arbitrariedade, que altera o valor da energia total, mas não da interna.

    

     A impossibilidade de atingirmos o Zero Absoluto não está contida na Segunda Lei da Termodinâmica, que, a princípio, não proíbe um Ciclo de Carnot de rendimento 100%, desde que o reservatório frio esteja no Zero Absoluto. Ela está na Terceira Lei da Termodinâmica, esta sim, que proíbe que se atinja o Zero Absoluto. Mas são leis independentes. Um bom apanhado deste assunto se encontra em um livro para engenheiros, muito bom:

SEARS, F.W. & SALINGER, G.L. - “Termodinâmica, Teoria Cinética e Termodinâmica Estatística” - Guanabara Dois.

    

     O ambiente ou vizinhança é o complemento de um sistema, isto é, o resto do Universo. Assim, haveria três energias. A do sistema, a da vizinhança e a da interação do sistema com a vizinhança, incluindo, neste caso, a energia cinética do movimento relativo deles. Esta energia não é interna a nenhum deles, mas externa a ambos. Quando se calcula a energia total de um sistema isto não inclui a energia interna da vizinhança, mas apenas a da interação da vizinhança com o sistema. Invertendo o papel do sistema com a vizinhança, vê-se que, se forem somadas as duas energias totais, esta da interação mútua será computada duas vezes. E claro que a energia pode ser adjetivada, segundo vários critérios, como potencial, cinética, interna, externa, própria etc.

    

     Denominamos exergia à máxima parte da energia interna que pode ser transformada em trabalho útil quando um sistema é levado de um estado qualquer ao equilíbrio com seu ambiente. Nesta definição não está sendo levada em conta variações da energia externa do sistema no processo (que também podem produzir trabalho útil, entendido como de configuração e não dissipativo). Para calculá-la consideramos a transformação dividida em duas, uma adiabática, isto é, termicamente isolada, até atingir a temperatura do ambiente e outra isotérmica, isto é, à temperatura constante, até atingir a pressão do ambiente. O trabalho dessas duas é a exergia, que pode ser calculada exatamente. Mas isto é mais uma questão tecnológica. Para considerações puramente físicas, não interessa a utilidade da energia.

    

     A propósito, neste contexto, considero que a convenção de sinal para o trabalho em Termodinâmica é errada. O trabalho deve ser considerado positivo quando aumenta a energia do sistema, isto é, quando é realizado “sobre” ele e não “por” ele. Deveriamos ter   dW = - pdV ,   sendo a primeira lei   dU = dQ + dW.   Assim tudo fica muito mais lógico, apesar de menos prático. Não acho que a praticidade ou utilidade sejam valores superiores à coerência lógica.

    

     Para melhor entendimento de tudo o que foi dito, analisemos um exemplo.

    

     Consideremos o Universo constituído de quatro partículas A1, A2, B1 e B2 e subdividido em dois sistemas, A e B, sendo B o ambiente de A e A o ambiente de B.

    

     Consideremos as energias:

    

TA1cm = energia cinética de A1 em relação ao centro de massa de A;

TA2cm = energia cinética de A2 em relação ao centro de massa de A;

VA12 = energia potencial das interações entre A1 e A2;

c²MA1 = energia da massa de repouso de A1;

c²MA2 = energia da massa de repouso de A2.

 

     À soma dessas energias denominamos “Energia Interna de A” = UA.

    

TB1cm = energia cinética de B1 em relação ao centro de massa de B (ambiente de A);

TB2cm = energia cinética de B2 em relação ao centro de massa de B (ambiente de A);

VB12 = energia potencial das interações entre B1 e B2;

c²MB1 = energia da massa de repouso de B1;

c²MB2 = energia da massa de repouso de B2.

 

     À soma dessas energias denominamos “Energia Interna de B” = UB = energia interna do ambiente de A.

    

Vext = VA1B1 + VA1B2 + VA2B1 + VA2B2 = energia potencial das interações entre as partículas de A e as partículas de B. Esta energia não é interna nem a A nem a B (seu ambiente).

 

TAext = energia cinética do centro de massa de A (com a soma das massas de A1 e A2) em relação a um referencial externo a A.

 

     À soma Vext + TAext = EAext, denominamos “Energia Externa de A”.

    

     À soma EAext + UA = EA, denominamos “Energia Total de A”.

    

     De modo análogo procedemos com relação a B e determinamos a “Energia Externa de B”, que é o ambiente de A, bem como a “Energia Total de B”.

    

     Se somarmos as energias totais de A e de B (seu ambiente) não obtemos a energia total do Universo porque, neste caso, estaremos somando duas vezes a Vext.

    

     Isto é mais ou menos como achar a união de dois conjuntos que possuem uma intercessão (que, no caso, é a interação entre o sistema A e seu ambiente B).

    

     É claro que a energia interna de A adicionada à energia interna de B não dá a energia total do Universo, pois fica de fora a energia da interação entre A e B.

    

     Além do mais, para considerarmos as trocas entre os sistemas A e B, é preciso que as energias cinéticas sejam todas calculadas em relação a um mesmo referencial, que pode ser o centro de massa de um deles. Neste caso, ele não teria a componente cinética da energia externa

    

     Quanto à temperatura de A, neste exemplo, ela seria dada pela expressão (TA1cm + TA2cm)/2, em unidades de energia por partícula, já que A só tem duas partículas (o 2 do denominador). E a temperatura do ambiente seria (TB1cm + TB2cm)/2.

A temperatura de equilíbrio do sistema e seu ambiente seria (TA1cm + TA2cm + TB1cm + TB2cm)/4.

     

     Outra questão relativa à energia que não é bem esclarecida é a sua relação com a massa, expressa pela equação E = mc², devida a Einstein. Isto significa que massa, no fim das contas, nada mais é do que uma manifestação da energia. Vamos entender primeiro o que significa massa. Como energia, trata-se de um atributo dos sistemas, no caso, aquele que lhes confere a propriedade de resistir às mudanças em seu estado de movimento, quando instado a tal pelas interações com o resto do Universo. É interessante que outra propriedade dos sistemas, que lhes confere a capacidade de exercer, ativa e passivamente, interação gravitacional, que poderíamos denominar de “carga gravitacional”, por analogia com a “carga elétrica”, revela-se rigorosamente proporcional à sua massa. Assim podemos confundir os dois conceitos, inclusive usando a mesma unidade para medir a grandeza a eles associada, denominada, simplesmente, “massa”. A Relatividade Geral toma como postulado que esses atributos são a mesma coisa no “Princípio da Equivalência” e identifica a gravitação não como uma interação, mas como uma manifestação geométrica do espaço-tempo, indistinguível da inércia.

    

     Assim o comportamento inercial e gravitacional de um sistema, que na Relatividade Geral é o grau de curvatura que ele imprime ao espaço-tempo, é função de sua massa. Mas em que consiste esta massa, em termos de outras propriedades possuídas pelo sistema? Simplesmente no total de sua energia interna. Como visto, ela inclui as energias cinéticas e potenciais das partes do sistema em relação a seu centro de massa, além da energia da massa de repouso de seus constituintes. Assim, a massa de um núcleo atômico inclui as energias potenciais entre os nucleons (prótons e nêutrons), devido às interações eletromagnéticas e nucleares forte e fraca e as energias cinéticas das vibrações, rotações e translações (em relação ao centro de massa do núcleo) de tudo o que ele é feito mais as energias dos campos de força existentes dentro dele. Quando um núcleo se rompe numa fissão, cada parte tem menos massa que o núcleo original, sendo a diferença transformada em energia cinética dos subprodutos, que, devido à caoticidade do sistema macroscópico, significa aumento da temperatura, e em energia radiante dos fótons emitidos. Isto é que faz funcionar os reatores nucleares e as bombas atômicas.

    

     Mas o que é a massa de uma única partícula subatômica elementar, como um elétron ou um quark, que não se subdivide em nada mais primitivo? Esta partícula é uma quantização do campo primordial do vácuo, isto é, trata-se de uma condensação de campo. E o campo possui uma energia potencial da interação que ele exerce. Este campo é tanto eletromagnético quanto nuclear e fraco. A energia dessas interações concentradas na partícula consiste na sua massa, pela relação E = mc². Na Teoria das Supercordas, cada partícula dessas é um anel de supercorda, que exibe diversos modos de oscilação, torção e rotação, sendo a energia desses modos a responsável pela massa. Cada tipo de partícula elementar é caracterizado por um conjunto de modos e freqüências de movimentos, que lhe dá a massa que ela possui.

    

    Finalizando quero comentar os conceitos de “Energia Mecânica” e de “Energia Térmica”, muito usado na Física elementar e na Engenharia. A energia mecânica de um sistema além de toda a sua energia externa, inclui também uma parte da energia interna que é a energia cinética das partes em relação ao centro de massa do sistema que pode ser atribuída a porções macroscópicas do sistema, em bloco. Isto se dá, por exemplo, com a energia rotacional de um corpo rígido, a energia vibracional de um corpo elástico, desde que compartilhada coletivamente por porções macroscópicas do sistema, bem como energias de vórtices de flúidos em bloco. A energia térmica é, assim, a parte da energia interna que não pode ser atribuída a movimentos “em bloco” de porções macroscópicas do sistema. Sua característica principal é ser caótica, isto é, para qualquer pequena porção do sistema mas que possua dimensões macroscópicas, o movimento das partículas que o constituem possui uma quantidade de movimento resultante nula. Caso não seja nula, teremos um movimento global que possuirá uma energia mecânica, como é o caso do vento, por exemplo.

    As energias potenciais internas, também podem contribuir para a energia mecânica, se forem associadas a porções macroscópicamente organizadas do sistema, como a energia armazenada em uma mola comprimida. Mas pertencerão à energia térmica se não se puder associar a uma interação global de uma parte do sistema com outra, como é o que se dá com a energia potencial intermolecular ou interatômica que caracteriza o fato do sistema estar no estado sólido, líquido ou gasoso. Essas energias potenciais são térmicas.

    No caso do som, as energia potenciais e cinéticas das partículas do meio propagante associadas á onda sonora são mecânicas, enquanto as mesmas energias associadas ao movimento caótico das partículas é térmica. Os conceitos de energia mecânica e térmica só se aplicam a sistemas de muitas partículas, que, normalmente, podem ser tratados como um meio contínuo, que seja rígido, deformável ou flúido.

    A quantidade “U” que aparece nas equações da Termodinâmica, de fato, não é a energia interna, mas sim a energia térmica. De qualquer modo, pode-se dizer que a energia total de um sistema seja a soma de sua energia interna com a externa ou a soma de sua energia térmica com a mecânica. Em símbolos, para um sistema:

E = energia total;

X = energia externa;

I = energia interna;

U = energia térmica;

M = energia mecânica;

V = energia potencial interna ordenada;

V’ = energia potencial interna caótica;

K = energia cinética interna ordenada;

K’ = energia cinética interna caótica;

Vo = energia potencial externa;

Ko = energia cinética externa.

Então:

X = Vo + Ko ;      U = V’ + K’ ;      I = U + V + K ;      M = X + V + K

E = X + I = U + M = V0 + K0 + V + K + V’ + K’.

    

Em uma próxima postagem comentarei outro importante conceito físico, a "Entropia".

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