quinta-feira, 9 de julho de 2009

Livre Pensador

Perante a realidade, tanto natural quanto social, cultural e individual, cada um assume uma visão pessoal de como, porque e para que ela é como é. Trata-se de sua "cosmovisão". Uma atitude, contudo, é essencial para que a pessoa possa assimilar o mundo da forma mais próxima possível de sua verdadeira essência. Trata-se do "Livre-pensamento". Isto consiste em deixar a mente aberta a qualquer possibilidade, considerando tudo como merecedor de ser examinado sem nenhuma préconcepção, para ser aceito, rejeitado ou deixado em suspenso em razão de sua maior plausibilidade e dos indícios de veracidade, justeza e adequação com o conjunto de tudo o que a pessoa já assentou como sua visão do mundo. É preciso também, para o livre-pensador, estar disposto a rever suas concepções e cosmovisão sempre que novas evidências mostrarem maior veracidade e justeza. Isto é mais importante que a filiação a um credo religioso ou à rejeição a todos eles, a uma escola filosófica, a uma ideologia política ou econômica, a alguma concepção moral ou o que quer que seja. Não se deve dizer que se é cristão, judeu, espírita, islamita, budista, hinduísta, ateu, agnóstico, comunista, capitalista, idealista, realista, fisicalista, espiritualista, racionalista, empirista, holista, reducionista, cético, estóico, epicurista, democrata, totalitário, liberal, conservador ou o que quer que seja. Pode-se sim, dizer que se "está" (mas não que se "é") propenso a adotar tal ou qual concepção, até que seja convencido do contrário, mas que sempre se está aberto a considerar novas possibilidades. Por isso, ser "livre-pensador" é a condição básica para ser filósofo (e todos têm que ser filósofos - na verdade não há como se escapar de o ser). O aferroamento a qualquer concepção rígida é um atestado de verdadeira ignorância, e, por que não dizer, estultícia mesmo. Somente o livre-pensador é uma pessoa liberta, inteligente e esclarecida, mesmo que ainda seja um ignorante em muitos assuntos. Mas não só está aberto a tudo como também é sôfrego por se inteirar de todas as possibilidades para, sobre elas, ponderar e escolher. É missão fundamental da escola desenvolver na juventude este espírito de livre-pensamento e de análise crítica de todo conhecimento. Tal treinamento tem que ser o prato do dia de todas as matérias escolares e os professores têm que ser preparados para incutir isto na juventude.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Dona Lygia, minha mãe

Na juventude minha mãe havia entrado para um convento para poder fazer mais caridade, mas saiu porque viu que as freiras não queriam saber nada de pegar no batente e só se ocupavam com frivolidades, além de darem uma importância enorme para detalhes idiotas, como não poder tomar banho nua. Imiscuir-se no meio do povo e viver suas agruras para ajudar de verdade, inclusive dando bronca, mas compartilhando seu dia a dia e fazendo o seu trabalho, sem ficar chocada com a realidade crua das favelas, isto elas não queiram saber, só sabiam rezar. Minha mãe não aguentou e saiu fora. Minha mãe parecia uma Madre Teresa de Calcutá. Magérrima, sempre de saia na canela, sapato sem salto, meias soquete, paletó de lã, cabelos grisalhos e nenhuma maquiagem. Mas um dínamo de pessoa, de uma bondade e de uma honestidade e justiça sem a mínima jaça. Mas era brava, principalmente com os aproveitadores, tanto os pobres quanto os ricos. Não queria saber de política imiscuindo em seu trabalho de caridade e nem de padres e freiras que sempre queriam fruir os méritos do trabalho dela. Ela não queria reconhecimento nenhum, nem publicidade. Só se comovia com a gratidão das pessoas humildes que ajudava. Nossa casa parecia uma creche e eu já dormí com meninos pobres doentes na minha cama, para cuidar deles. Minha mãe cuidava do “Clube dos Engraxates” que lhe dava um trabalhão para disciplinar dezenas de garotos de favela para trabalhar com suas caixas de engraxar (no tempo em que não se usava tênis) nas praças da cidade de Barbacena. Eles ficavam dos onze anos até entrar para o serviço militar e depois minha mãe arranjava emprego para eles. Todos tinham que levar dinheiro para as mães (sim, mães, pois os pais gastavam com cachaça e as mães com o leite dos irmãozinhos, um de cada pai diferente, que geralmente, as abandonavam para se virar sozinhas no cuidado das crianças - porque mãe vira prostituta, mas não abandona os filhos - para mim são heroínas e os pais folgados os verdadeiros vermes). Hoje, na praça principal de Barbacena tem uma placa de bronze em homenagem à minha mãe. Meu pai, eu e minhas irmãs também metiamos a mão na massa para participar. Eu levava minha mãe no nosso antigo Renault Dauphine pelas ruas da periferia e carregava gente doente para hospitais e coisas assim. Sem alarde, sem divulgação, sem pretender dividendos políticos ou de qualquer espécie. Este foi um dos pontos que me fizeram filosofar sobre a perversidade do capitalismo e a lorota da providência divina e que me levaram a amadurecer, desde cedo, minhas convicções ateistas e anarquistas. Além, é claro, de meus estudos de Física, Cosmologia, Religião e Filosofia. Mas eu sempre tive um certo pé atrás com os esquerdistas de botequim que falam bonito mas vivem no bem bom. E, é claro, que devoto um desdém incomensurável pelos mauricinhos, patricinhas e socialites em geral. Mesmo que admire e até tenha um estilo aristocrático de ser, mas naquele espírito do cavaleiro medieval, como se fosse um Arthur de Camelot. Na verdade eu sou uma síntese dialética da nobreza com a burguesia e o proletariado, se é que isto possa existir, ou seja, um ateu com vocação para a santidade e um anarquista aristocrático.

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