domingo, 22 de fevereiro de 2009

O que é uma "Vida Boa"

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Para mim, a única coisa que é preciso para levar uma vida boa é justamente ser uma boa pessoa. Isto mesmo: é a bondade o apanágio de toda virtude. É maior que a justiça e a sabedoria, pois quem é bom é sempre justo, mas o justo pode não ser bom. E o sábio é o que reconhece isto. Qualquer qualidade que se tenha de nada vale se não se for bom. E o que é a bondade? É aquela posição de estar sempre disposto a promover a pacificação dos contendentes, de socorrer os aflitos, de ajudar os necessitados, de amar a todos incondicionalmente, de ser generoso, gentil, alegre, cortez, solícito, prestativo, laborioso, incansável. É não ter preguiça, não desanimar, não lamuriar. É empreender a construção do bem, de uma sociedade mais justa e equitativa. É lutar pela erradicação da vilania, da covardia, da prepotência, da corrupção. É não ser omisso perante a desonestidade, denunciando sempre. É claro que, para ser bom, há que se ser honesto, sincero, justo, mas não só isto. É uma atitude positiva de ação no sentido de promover o bem e erradicar o mal, com compaixão, tolerância, carinho, mas firmeza e tenacidade.

Bondade não tem nada a ver com religião. Sou ateu convicto e considero que dizer esse negócio de que ser bom, justo e humilde é bobagem, de que lutamos pela sobrevivencia e sempre estamos ferindo o semelhante para defender o nosso sustento ou nossos gostos e prazeres, que quem inventou a virtude foi a religião e que o homem apenas sobrevive é o cúmulo da irracionalidade. Não estou falando nada de humildade, nem de subserviência, nem de fraqueza. Se o homem conseguiu constuir uma civilização é justamente porque suas pulsões primitivas de egoísmo e belicosidade conseguiram ser domadas pelas atitudes de cooperação e solidariedade. São estas que garantem a existência de uma sociedade harmônica e fraterna em que todos desfrutam de paz, garantia de segurança, de proteção, de atendimento às necessidades de sobrevivência (alimento e abrigo) e, mais ainda, de fruição de prazeres e obtenção da felicidade. O comportamento agressivo, possessivo, ganancioso, pelo contrário, contribui para a insegurança do grupo e para a redução da disponibilidade de bens e confortos. E não foi a religião que inventou a bondade, pois a religião foi inventada pelo homem. Considero que as religiões são engodos que levam as pessoas a confiar em poderes sobrenaturais inexistentes, ao invés de, por si mesmas, lutarem pelo prevalecimento do bem.

Sobreviver é o mínimo. O que o homem aspira é uma vida significativa, plena de realizações, de vivências gratificantes, que o torne feliz. Isto é muito mais do que sobreviver e é para tal que se trabalha, se dedica à melhoria das condições da coletividade, para que, todos sendo prósperos, satisfeitos, realizados, cada um, no seio dessa coletividade, também assim se sinta. A satisfação egoísta dos desejos em detrimento do bem estar e da felicidade do outro é uma atitude mesquinha e irracional, no sentido em que colabora para a diminuição do nível global de felicidade reinante.

O que importa na vida é fruir a própria viagem do nascimento à morte, pois é tudo o que se tem. Não se pode viver para uma outra vida que não há. Mas curtir a vida não significa deixar de lado a ética e a virtude. Pelo contrário, a felicidade só é alcançada quando sé é bom, justo, honesto, verdadeiro, nobre e virtuoso. Esse é o perfeito hedonismo epicurista que, dialeticamente, se funde com o altruísmo estóico. A vida tem que ser vivida com sentimento e paixão, a cada momento, mas não vencida “no grito” e sim pela força da mansidão. Que se pense, certo, mas que a decisão seja pelo sentimento, pela intuição, devidamente acessorada pela razão. E que, cada passo seja dado sem amarras, sem “pé atrás”, livre e responsavelmente encarado com decisão, de modo irreversível e sem arrependimentos, dê no que der. Muitas pessoas, como Pilatos, lavam as mãos e dizem que não têm nada a ver com uma série de coisas que ficam sabendo, mas não é da sua responsabilidade interferir. Ou deixam de socorrer alguém acidentado porque não foi por sua causa, ou se omitem para não ter aborrecimento. Como pessoas integradas à sociedade somos responsáveis por tudo o que nos rodeia. Pelo menos temos que intervir denunciando qualquer coisa errada que constatemos. Omitir é um crime. Quem lava as mãos compactua com o erro. Quero levantar esta questão aqui. Quando eu digo “tem a ver” não estou querendo dizer que seja o causador mas sim que tem a responsabilidade de intervir da algum modo, sem se omitir e “lavar as mãos”, dizendo, “não tenho nada a ver com isso, o problema não é meu”. Se a pessoa ficou sabendo de algo, então ela tem que fazer alguma coisa a respeito, nem que seja denunciar para quem tenha condição de intervir.

O falso moralismo é execrável. Mas o genuíno comportamento ético, para valer mesmo, este é que é necessário para a construção de uma sociedade justa, harmônica e fraterna. Sem hipocrisias. E com plena consciência de todas as consequências, assumidas de peito aberto. Isto é, fazer o que é certo, mesmo que se leve prejuízo ou até seja preso. Mas não se pode confundir moral de conveniência com princípio éticos universais. Ética e moral não são a mesma coisa e o que importa é o comportamento ético e não o moral, que é apenas a observância dos costumes, sejam eles benéficos ou maléficos.

Encarar a vida de forma positiva, sem deixar para alguma entidade sobrenatural a responsabilidade pela punição do mal , pela recompensa do bem, pelo conserto dos estragos, pela obtenção da felicidade, enfim, pela consecução de tudo o que se deseja. Mãos à obra e construamos, nós mesmos, a sociedade justa, harmônica e fraterna, em que não haja injustiça, exploração, pobreza, doença e mal nenhum. Fazendo assim, uns pelos outros, estaremos levando a "vida boa" que todos almejam. Uma concepção egoísta de fruição de todos os prazeres, à revelia das consequências perniciosas que possam advir aos outros ou a nós mesmos, ou então a retirada para um isolamento contemplativo (tão egoísta quando o hedonismo crú), ou, ainda, a transferência para alguma divindade da responsabilidade de consertar o mundo, são atitudes covardes e mesquinhas, que, de modo algum, significam "levar uma vida boa". A vida boa, em paz de consciência, alegre, saudável, feliz e gratificante é aquela que se leva na certeza de que nossa existência foi proveitosa e, por causa dela, o mundo ficou melhor do que sem ela.

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2 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns
Assumir ser ateu, o que eu também sou mas sinto muita dificuldade em assumir, mais pela repercussão que isto pode gerar para mim socialmente, é um ato louvável.
No meu consutório, fico numa sinuca de bico quando um paciente, por exemplo, ao final de uma evolução existosa de uma cirurgia me vem com a máxima populesca: mas como Deus projetou e fez nosso corpo com perfeição, o Sr não acha doutor?
Óbviamente, a bem do mercado por mim almejado, concordo peremptoriamente. Não faz parte de minha relação médico-paciente questionar estes assuntos.

Anfilóquio de Fayum disse...

Caro Ernesto:

Essas palavras são sábias, dignas de serem pronunciadas naz caterdral de Notre-Dame por um orador da cepa de João Crisóstomo.

Escreveu bem aquilo que procura viver bem.

Parabéns pela,clareza do seu pensamento.

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