terça-feira, 7 de julho de 2009

Dona Lygia, minha mãe

Na juventude minha mãe havia entrado para um convento para poder fazer mais caridade, mas saiu porque viu que as freiras não queriam saber nada de pegar no batente e só se ocupavam com frivolidades, além de darem uma importância enorme para detalhes idiotas, como não poder tomar banho nua. Imiscuir-se no meio do povo e viver suas agruras para ajudar de verdade, inclusive dando bronca, mas compartilhando seu dia a dia e fazendo o seu trabalho, sem ficar chocada com a realidade crua das favelas, isto elas não queiram saber, só sabiam rezar. Minha mãe não aguentou e saiu fora. Minha mãe parecia uma Madre Teresa de Calcutá. Magérrima, sempre de saia na canela, sapato sem salto, meias soquete, paletó de lã, cabelos grisalhos e nenhuma maquiagem. Mas um dínamo de pessoa, de uma bondade e de uma honestidade e justiça sem a mínima jaça. Mas era brava, principalmente com os aproveitadores, tanto os pobres quanto os ricos. Não queria saber de política imiscuindo em seu trabalho de caridade e nem de padres e freiras que sempre queriam fruir os méritos do trabalho dela. Ela não queria reconhecimento nenhum, nem publicidade. Só se comovia com a gratidão das pessoas humildes que ajudava. Nossa casa parecia uma creche e eu já dormí com meninos pobres doentes na minha cama, para cuidar deles. Minha mãe cuidava do “Clube dos Engraxates” que lhe dava um trabalhão para disciplinar dezenas de garotos de favela para trabalhar com suas caixas de engraxar (no tempo em que não se usava tênis) nas praças da cidade de Barbacena. Eles ficavam dos onze anos até entrar para o serviço militar e depois minha mãe arranjava emprego para eles. Todos tinham que levar dinheiro para as mães (sim, mães, pois os pais gastavam com cachaça e as mães com o leite dos irmãozinhos, um de cada pai diferente, que geralmente, as abandonavam para se virar sozinhas no cuidado das crianças - porque mãe vira prostituta, mas não abandona os filhos - para mim são heroínas e os pais folgados os verdadeiros vermes). Hoje, na praça principal de Barbacena tem uma placa de bronze em homenagem à minha mãe. Meu pai, eu e minhas irmãs também metiamos a mão na massa para participar. Eu levava minha mãe no nosso antigo Renault Dauphine pelas ruas da periferia e carregava gente doente para hospitais e coisas assim. Sem alarde, sem divulgação, sem pretender dividendos políticos ou de qualquer espécie. Este foi um dos pontos que me fizeram filosofar sobre a perversidade do capitalismo e a lorota da providência divina e que me levaram a amadurecer, desde cedo, minhas convicções ateistas e anarquistas. Além, é claro, de meus estudos de Física, Cosmologia, Religião e Filosofia. Mas eu sempre tive um certo pé atrás com os esquerdistas de botequim que falam bonito mas vivem no bem bom. E, é claro, que devoto um desdém incomensurável pelos mauricinhos, patricinhas e socialites em geral. Mesmo que admire e até tenha um estilo aristocrático de ser, mas naquele espírito do cavaleiro medieval, como se fosse um Arthur de Camelot. Na verdade eu sou uma síntese dialética da nobreza com a burguesia e o proletariado, se é que isto possa existir, ou seja, um ateu com vocação para a santidade e um anarquista aristocrático.

2 comentários:

Anônimo disse...

Querido Wolf,

Eu particularmente ,sou de familía empobrecida.Embora a parte pertencente de minha mãe,tenha sim, um lado extremamente burguês.
No entanto,me lembro das noites de natal: mesas cheias ,luxúria extrema,tanta preocupação com imagem, case sempre contrárias ao verdadeiro que se era (pessoas sem visão de mundo vazias ).

Deste modo,nunca me aproximei...começei a trabalhar bem cedo,para arcar com meus estudos ( O que até hoje faço, e continuarei fazendo) mamãe( que deus a tenha) não muito se agradava também,assim vivemos eu ,ela ,papai sempre com muito trabalho.Mas, acima de tudo, com dignidade e,simplicidade( coisa as vezes que nos diz tanto).
Continuo lutando por meus sonhos, por conhecimento e,por meus ideiais, além de alimentar cada dia uma esperança de uma terra justa.

As pessoas,geralmente,se esquecem que dinheiro traz livros,boa escola,mas não compra criatividade, caráter, muito menos inteligência e admiração.
E por falar em aula,tenho uma as sete da noite.

Me despeço, adorei o texto.

Grade abraço!!

Anfilóquio de Fayum disse...

Um belo texto caro Wolf, sua mãe é de fato uma santa, e deveria ser posta nos altares das igrejas para veneração pública.

Assim como Fylos, venho de família pobre, mas minha mãe deu-me o que tenho de melhor amor pela leitura e livros.

Eu em minha adolsecência e mesmo na idade adulta sempre quis ser padre da igreja romanista. Desde minha mais tenra juventude, sempre me preocupei com os idosos jogados no asilo, com os presos e todos os excluídos.

Da minha última tentativa em ser padre, aliás padre franciscano, sim daqueles que tem voto de pobreza. Fiz um acompanhamento vocacional em Santos com um certro frade aparentado com o cardeal Arns. Mas vi que o discurso era um e o modus vivendi era outro. Saí de lá decepcionado.

Resta-me dizer e espero que encare isto como um elogio: "Com todo o seu ateísmo você é um grande cristão, pois cristão não é aquele que crê, mas aquele que ama, pois Jesus disse: 'Nisto reconhecereis que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros'".

Forte abraço e parabéns pelo texto.

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