sábado, 7 de março de 2009

Incitatus invade o Senado brasileiro

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Magníficas, corretas, acertadas, apropriadas, consistentes, ousadas, elegantes e extremamente pertinentes considerações do Domingos em seu blog  "Diário de um bobo da corte"  a propósito do pronunciamento do Senador Bispo Marcelo Bezerra Crivella no dia 10 de fevereiro de 2009, na tribuna do Senado Federal,  comentando o artigo da revista VEJA sobre o evolucionismo e defendendo o criacionismo (Veja aqui o texto integral).

Parabenizo o Domingos e recomendo fortemente a leitura do artigo.

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segunda-feira, 2 de março de 2009

Galáxia Espiral (feita no paint)






segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Santidade

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Concebo a santidade como um estado de busca e prática de todas as virtudes, não motivada pela obediência a pretenças prescrições da divindade para salvação da alma (o que exibe resquícios de egoísmo, não sendo, portanto, algo inteiramente santo), mas sim movida por uma convicção interna e profunda de que, não existindo uma razão de ser extrínseca para a vida (isto é, nossa vida não tem porquê nem para quê, trata-se meramente de uma injunção de acasos favoráveis, ou seja, não há Deus, nem alma, nem céu, nem inferno), esta deva ser encontrada pessoalmente, pois nosso psiquismo só se aquieta ao repousar em um propósito que dê sentido ao ato de existir. A razão última para qualquer ação, a que não é condição para se obter nada além, é a felicidade. Esta, contudo, só se obtém com a paz de consciência, com a certeza de que tudo se faz para promover o bem e que não se pode conquistá-la às expensas da promoção da infelicidade de outrem. Há-se que, pois, promover uma sintese dialética do estoicismo com o epicurismo e levar a vida de uma forma hedonista virtuosa. Tal é minha concepção de santidade, que considero que deva ser o padrão de comportamento de todas as pessoas. Sim, exatamente isto: todo mundo precisa ter o propósito e envidar todos os esforços para ser santo!

Isto inclui o respeito a todas as crenças e modos de viver como “conditio sine qua non” de toda convivência harmônica e pacífica. Mas tem que ser de parte de todos em relação a todos. Tolerância é a palavra. Todavia não se pode tolerar a intolerância, que precisa ser coibida pela sociedade. E também os comportamentos destrutivos e nocivos ao bem estar global da população, incluindo aí as práticas gananciosas e rapinas de políticos e empresários que oprimem e exploram o povo e os trabalhadores em benefício de seus egoísticos projetos de enriquecimento ilegítimo (a riqueza auferida legitimamente não fere a ética, mas isto é quase impossível de se conseguir). Sem falar, é claro da criminalidade.

Santidade não é passividade e submissão, mas inclui a combatividade na defesa do bem e na erradicação do mal, com obstinação, astúcia, destemor, coragem, estratégia, inteligência, vigor e ousadia, mas também prudência, reflexão, cautela e esperteza, sem nunca transigir com a verdade, a justiça e a honestidade, jamais fazendo uso de meios escusos, cruéis e anti-éticos. Este é o dilema do mocinho em relação ao bandido: não se pode combater o mal com o mal.

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domingo, 22 de fevereiro de 2009

O que é uma "Vida Boa"

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Para mim, a única coisa que é preciso para levar uma vida boa é justamente ser uma boa pessoa. Isto mesmo: é a bondade o apanágio de toda virtude. É maior que a justiça e a sabedoria, pois quem é bom é sempre justo, mas o justo pode não ser bom. E o sábio é o que reconhece isto. Qualquer qualidade que se tenha de nada vale se não se for bom. E o que é a bondade? É aquela posição de estar sempre disposto a promover a pacificação dos contendentes, de socorrer os aflitos, de ajudar os necessitados, de amar a todos incondicionalmente, de ser generoso, gentil, alegre, cortez, solícito, prestativo, laborioso, incansável. É não ter preguiça, não desanimar, não lamuriar. É empreender a construção do bem, de uma sociedade mais justa e equitativa. É lutar pela erradicação da vilania, da covardia, da prepotência, da corrupção. É não ser omisso perante a desonestidade, denunciando sempre. É claro que, para ser bom, há que se ser honesto, sincero, justo, mas não só isto. É uma atitude positiva de ação no sentido de promover o bem e erradicar o mal, com compaixão, tolerância, carinho, mas firmeza e tenacidade.

Bondade não tem nada a ver com religião. Sou ateu convicto e considero que dizer esse negócio de que ser bom, justo e humilde é bobagem, de que lutamos pela sobrevivencia e sempre estamos ferindo o semelhante para defender o nosso sustento ou nossos gostos e prazeres, que quem inventou a virtude foi a religião e que o homem apenas sobrevive é o cúmulo da irracionalidade. Não estou falando nada de humildade, nem de subserviência, nem de fraqueza. Se o homem conseguiu constuir uma civilização é justamente porque suas pulsões primitivas de egoísmo e belicosidade conseguiram ser domadas pelas atitudes de cooperação e solidariedade. São estas que garantem a existência de uma sociedade harmônica e fraterna em que todos desfrutam de paz, garantia de segurança, de proteção, de atendimento às necessidades de sobrevivência (alimento e abrigo) e, mais ainda, de fruição de prazeres e obtenção da felicidade. O comportamento agressivo, possessivo, ganancioso, pelo contrário, contribui para a insegurança do grupo e para a redução da disponibilidade de bens e confortos. E não foi a religião que inventou a bondade, pois a religião foi inventada pelo homem. Considero que as religiões são engodos que levam as pessoas a confiar em poderes sobrenaturais inexistentes, ao invés de, por si mesmas, lutarem pelo prevalecimento do bem.

Sobreviver é o mínimo. O que o homem aspira é uma vida significativa, plena de realizações, de vivências gratificantes, que o torne feliz. Isto é muito mais do que sobreviver e é para tal que se trabalha, se dedica à melhoria das condições da coletividade, para que, todos sendo prósperos, satisfeitos, realizados, cada um, no seio dessa coletividade, também assim se sinta. A satisfação egoísta dos desejos em detrimento do bem estar e da felicidade do outro é uma atitude mesquinha e irracional, no sentido em que colabora para a diminuição do nível global de felicidade reinante.

O que importa na vida é fruir a própria viagem do nascimento à morte, pois é tudo o que se tem. Não se pode viver para uma outra vida que não há. Mas curtir a vida não significa deixar de lado a ética e a virtude. Pelo contrário, a felicidade só é alcançada quando sé é bom, justo, honesto, verdadeiro, nobre e virtuoso. Esse é o perfeito hedonismo epicurista que, dialeticamente, se funde com o altruísmo estóico. A vida tem que ser vivida com sentimento e paixão, a cada momento, mas não vencida “no grito” e sim pela força da mansidão. Que se pense, certo, mas que a decisão seja pelo sentimento, pela intuição, devidamente acessorada pela razão. E que, cada passo seja dado sem amarras, sem “pé atrás”, livre e responsavelmente encarado com decisão, de modo irreversível e sem arrependimentos, dê no que der. Muitas pessoas, como Pilatos, lavam as mãos e dizem que não têm nada a ver com uma série de coisas que ficam sabendo, mas não é da sua responsabilidade interferir. Ou deixam de socorrer alguém acidentado porque não foi por sua causa, ou se omitem para não ter aborrecimento. Como pessoas integradas à sociedade somos responsáveis por tudo o que nos rodeia. Pelo menos temos que intervir denunciando qualquer coisa errada que constatemos. Omitir é um crime. Quem lava as mãos compactua com o erro. Quero levantar esta questão aqui. Quando eu digo “tem a ver” não estou querendo dizer que seja o causador mas sim que tem a responsabilidade de intervir da algum modo, sem se omitir e “lavar as mãos”, dizendo, “não tenho nada a ver com isso, o problema não é meu”. Se a pessoa ficou sabendo de algo, então ela tem que fazer alguma coisa a respeito, nem que seja denunciar para quem tenha condição de intervir.

O falso moralismo é execrável. Mas o genuíno comportamento ético, para valer mesmo, este é que é necessário para a construção de uma sociedade justa, harmônica e fraterna. Sem hipocrisias. E com plena consciência de todas as consequências, assumidas de peito aberto. Isto é, fazer o que é certo, mesmo que se leve prejuízo ou até seja preso. Mas não se pode confundir moral de conveniência com princípio éticos universais. Ética e moral não são a mesma coisa e o que importa é o comportamento ético e não o moral, que é apenas a observância dos costumes, sejam eles benéficos ou maléficos.

Encarar a vida de forma positiva, sem deixar para alguma entidade sobrenatural a responsabilidade pela punição do mal , pela recompensa do bem, pelo conserto dos estragos, pela obtenção da felicidade, enfim, pela consecução de tudo o que se deseja. Mãos à obra e construamos, nós mesmos, a sociedade justa, harmônica e fraterna, em que não haja injustiça, exploração, pobreza, doença e mal nenhum. Fazendo assim, uns pelos outros, estaremos levando a "vida boa" que todos almejam. Uma concepção egoísta de fruição de todos os prazeres, à revelia das consequências perniciosas que possam advir aos outros ou a nós mesmos, ou então a retirada para um isolamento contemplativo (tão egoísta quando o hedonismo crú), ou, ainda, a transferência para alguma divindade da responsabilidade de consertar o mundo, são atitudes covardes e mesquinhas, que, de modo algum, significam "levar uma vida boa". A vida boa, em paz de consciência, alegre, saudável, feliz e gratificante é aquela que se leva na certeza de que nossa existência foi proveitosa e, por causa dela, o mundo ficou melhor do que sem ela.

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sábado, 14 de fevereiro de 2009

Dia de São Valentim

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Minha amiga Maria, professora de Química em Portugal, escreveu no blog http://www.flogao.com.br/inscience sobre o "Dia dos Namorados" (menos no Brasil) as considerações que achei muito apropriadas e aqui as trancrevo:
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"Neste dia os que se amam devem fazer autocrítica de seu relacionamento:
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Será que respeito o outro?
Será que sou honesto?
Será que ando a passar tempo?
Será que uso meu parceiro/a para me exibir?
Para me armar em macho? em boazona?
Porque...ainda não assumi ou sei o que quero da vida?
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Porque amar é dar Liberdade
É querer envelhecer com o outro
É olhar não um para o outro...
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Não é posse
não é proibir de falar e sair com os amigos
não é submissão
não é escravatura
não é sacrifício
não é caçar
não é subjugar.
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Será que odeias? Tens de saber que o ódio é o sentimento mais próximo do amor e se odeias ex-namorada/o isto é sinal que, em teu íntimo, algo vai mal. Porque se a relação foi HONESTA, ambos cresceram e ambos se conhecem, logo só deveriam ser amigos.
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Trata de ver o que te impede de ser feliz: é que o ódio não permite amar!"

Sobre o Dia de São Valentin, trancrevo, também, algumas informações do site:

http://namorados.sapo.pt/

As comemorações de 14 de Fevereiro, dia de S. Valentim, como dia dos namorados, têm várias explicações possíveis, umas de tradição cristã, outras de tradição romana, pagã.

A Igreja Católica reconhece três santos com o nome Valentim, mas o santo dos namorados parece ter vivido no século III da nossa era, em Roma, tendo morrido como mártir em 270. Em 496, o papa Gelásio reservou o dia 14 de Fevereiro ao culto de S. Valentim.

Valentim era um sacerdote cristão contemporâneo do imperador Cláudio II. Cláudio queria constituir um exército romano grande e forte; não conseguindo levar muitos romanos a alistarem-se, acreditou que tal sucedia porque os homens não se dispunham a abandonar as suas mulheres e famílias para partirem para a guerra. E a solução que encontrou, foi proibir os casamentos dos jovens! Valentim ter-se-á revoltado contra a ordem imperial e, ajudado por S. Mário, terá casado muitos pares em segredo. Quando foi descoberto, foi preso, torturado e decapitado a 14 de Fevereiro.

A lenda tem ainda algumas variantes que acrescentam pormenores a esta história. Segundo uma delas, enquanto estava na prisão Valentim era visitado pela filha do seu guarda, com quem mantinha longas conversas e de quem se tornou amigo. No dia da sua morte, ter-lhe-á deixado um bilhete dizendo «Do teu Valentim».

Quanto à tradição pagã, pode fundir-se com a história do mártir cristão: na Roma Antiga, celebrava-se a 15 de Fevereiro (que, no calendário romano, coincidia aproximadamente com o início da Primavera) um festival, os Lupercalia. Na véspera desse dia, eram colocados em recipientes pedaços de papel com o nome das raparigas romanas. Cada rapaz retirava um nome, e essa rapariga seria a sua «namorada» durante o festival (ou, eventualmente, durante o ano que se seguia).

Com a cristianização progressiva dos costumes romanos, a festa de Primavera, comemorada a 15 de Fevereiro, deu lugar às comemorações em honra do santo, a 14.

Há também quem defenda que o costume de enviar mensagens amorosas neste dia não tem qualquer ligação com o santo, datando da Idade Média, quando se cria que o dia 14 de Fevereiro assinalava o princípio da época de acasalamento das aves.

Com os tempos, o dia 14 de Fevereiro ficou marcado como a data de troca de mensagens amorosas entre namorados, sobretudo em Inglaterra e na França e, mais tarde, nos Estados Unidos. Neste último país, onde a tradição está mais institucionalizada, os cartões de S. Valentim já eram comercializadas no início do século XIX. Actualmente, o dia de S. Valentim é comemorado em cada vez mais países do mundo como um pretexto para os casais de namorados trocarem presentes.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A maior parte de tudo quanto vale a pena nesta vida é completamente inútil

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Se o homem vivesse apenas para produzir o que seja útil não haveria civilização. É claro que o engenho humano se volta, com proveito, para desenvolver inúmeras utilidades e nisto consiste o progresso. Mas, em verdade, o homem persegue o progresso para conseguir tempo livre para se dedicar àquilo que lhe dá simplesmente prazer. Assim, a arte, a ciência e a filosofia desenvolveram-se porque o homem aprecia o belo, tem uma curiosidade incansável e deseja doar de si mesmo sem recompensa. Que utilidade tem uma poesia? Ou uma sinfonia, ou uma escultura? Ou saber a origem do Universo, ou a prova do Teorema de Fermat? Para que saborear um vinho Bourgogne se só a água é necessária para matar a sede? Sim, são os supérfluos, as inutilidades que fazem a vida ter sabor e é para isso que se batalha. A visão que se tem do Paraíso é a de um lugar em que se vive em êxtase contemplativo, fruindo-se a máxima felicidade sem esforço para sobreviver. É o sonho do homem. Assim quando se luta por um ideal, e por ele dá-se até a vida, este ideal, como o próprio nome diz, não é nada de útil ou prático. É um valor transcedental, como a liberdade, a justiça, a felicidade. A vida só vale a pena ser vivida se, ao encerrá-la, tivermos a certeza de que, por causa dela, o mundo ficou melhor, mais fraterno, mais justo, mais harmonioso, mais igual para todos. O que vale na vida é a doação de si, fazer o bem pelo bem e não por nenhuma recompensa, nem mesmo a salvação eterna. A super-valorização do que é útil e do que é prático, em relação ao que é certo e verdadeiro, é uma inversão sem cabimento.

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terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Anarquismo

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Há uma noção errônea de que anarquismo seja uma bagunça total, porque não há quem mande e todo mundo faz o que quer. Não é bem assim. Anarquismo realmente significa ausência de governo, e, portanto, de estado e de fronteiras nacionais. Além disto, o anarquismo envolve a ausência da propriedade privada e do dinheiro. Trata-se de um comunismo verdadeiramente comunista, sem ditatura nem do proletariado nem de ninguém. Tudo é de todos. Todos contribuem para o bem comum e o produto e compartilhado por todos. Não há motivo para crimes, pois ninguém tem nada para ser roubado. Nem os passionais, pois os homens e as mulheres também são compartilhados por todos. Isto, absolutamente, não significa desordem e bagunça, mas sim um sistema em que a ordem e a harmonia fluem naturalmente por consenso e desejo de todos, como a melhor forma de se conduzir a vida, sem imposições. É claro que tal situação exige um alto grau de conscientização, de solidariedade, de tolerância, de desprendimento, de altruísmo e de generosidade, mas também de operosidade, de coragem, de disposição, de vigor, de tirocínio, de inteligência, de sagacidade. Não para destruir, oprimir, esmagar, derrotar, mas para construir, resgatar, reerguer, sustentar. Assim propicia o mais elevado estado de felicidade, harmonia, alegria, prazer. Não é nada como um estático, modorrento e chatíssimo "céu dos bem-aventurados". É uma condição vibrante, lúdica, poderosa. É a realização plena do ideal do "Übermensh", de Nietszche, tão mal interpretado por muitos. É a plenitude da realização do ser humano integrado à natureza e à sociedade, confiante, laborioso, tão viril quanto sensível, tão honrado quanto modesto, tão sério quanto alegre, tão virtuoso quanto bem humorado e tolerante, espirituoso sem pernosticismo, culto sem esnobismo, altivo sem soberba, forte sem crueldade. Tais qualidade só se podem alcançar na liberdade plena de uma sociedade sem mando e nem grilhões, cuja ordem e cuja fortaleza sejam provenientes do caráter e da virtude de seus membros: a ácrata.

Isto é possível?
Certamente que sim, e sem derramento de sangue, mas não tão em breve. Tecerei algumas considerações sobre possiveis caminhos para o anarquismo e suas dificuldades.

Capitalismo pulverizado
O dinheiro é um veículo de troca, e nada mais. Não tem valor em si mesmo. Mas é inteiramente dispensável se pensarmos na Economia como os processos de produção e distribuição dos bens em si mesmos. Mas não em troca. Nem se trata de escambo. Cada um produz tudo o que for capaz e cada um consome o que necessitar. Mas de modo espontâneo e não controlado pelo governo como ocorreu com os países ditos comunistas, que simplesmente trocaram a tirania da aristocracia pela tirania da burocracia partidária. Mas o povo continuou sem liberdade. Os regimes comunistas caíram porque exatamente não eram comunistas coisa nenhuma. Eram ditaduras e nem do proletariado. O capitalismo é um sistema econômico natural. Se deixarmos todos por sua conta, sem imposições, surgirá o capitalismo. Só que pode haver exploração dos mais fracos (em qualquer sentido) pelos mais fortes. Mas se um grupo atuante puder convencer, pela educação e pelo exemplo, de que a felicidade será maximizada quando todos participarem das riquezas (em termos de bens e não de dinheiro), então será possível pulverizar o capitalismo de tal forma (transformando todos em patrões) que, a certo momento, o dinheiro perderá a razão de existir, como ocorreu com a URV no plano real. Como não tem sentido haver um partido anarquista, pessoas anarquistas se candidatariam a cargos legislativos por qualquer partido e proporiam leis que, ao longo do tempo, promoveriam a participação dos empregados no capital das empresas, até que tal coisa ocorresse. Levariam poucos séculos.

Coletivismo
Certamente que é preciso haver coordenações de esforços e coibições de preguiçosos e aproveitadores. Anarquismo não significa desordem, em absoluto. Pelo contrário. Significa, inclusive, um sistema altamente organizado, porque orgânico, isto é, a ordem ocorre de dentro para fora, por uma constatação de sua necessidade, sem imposição. Outra característica do anarquismo que pode começar a ser implantada desde jé é o comunitarismo. Isto é: não haver residências particulares, mas sim, hospedarias coletivas, lavanderias coletivas, refeitórios coletivos, vestuários coletivos, locais de lazer coletivos, agrupados por regiões a cada mil pessoas, por exemplo. Com postos de saúde e tudo que for preciso. Assim ninguém precisa possuir nada de seu, nem roupas, nem carros, nem motos, nem televisores, nem geladeiras, nem louça, nem talheres, nada mesmo. Tudo é de todo mundo e nada é de ninguém. Nem as mulheres, nem os maridos. Todo homem o é de toda mulher e toda mulher o é de todo homem. E toda criança é filha de todo adulto e todo adulto é pai e mãe de toda criança. Não havendo propriedade (nem do cônjuge) não há quase motivo nenhum para qualquer crime. Para que roubar aquilo que já se tem? Estas iniciativas já podem começar a serem implementadas em bairros, com creches, hortas, quadras de esportes etc. Mas nada feito pelo governo e sim pelas próprias pessoas, que cedem seu tempo para trabalhar de graça na construção e na manutenção, que doam os materiais. Tudo sem contabilidade, sem registro, sem formalidades legais. Espontâneo. Assim, daí a um certo tempo, o governo se tornará dispensável.

Valores anarquistas.
Uma das perversidades da existência do dinheiro é a criação de desigualdades artificiais pelo escalonamento do grau de riqueza material, expressa pelo quanto de dinheiro se possui. Desigualdades naturais as há, quanto à inteligência, beleza, saúde, temperamento, estatura, peso, etnia etc. Outras são socialmente impostas e precisam ser abolidas. Religião, por exemplo. Ninguém nasce tendo nenhuma religião mas a sociedade (a própria família) impinge uma à criança, o que lhe estigmatiza perante outras. A etnia, por exemplo, mesmo sendo uma desigualdade natural, só passa a ser motivo de preconceito quando a sociedade lhe confere esse tipo de valor. Uma sociedade anarquista é completamente igualitária, principalmente quanto à riqueza. Todos são igualmente ricos, pois todos possuem tudo. E todos são igualmente pobres, pois ninguém possui nada. Esta é a beleza maior do anarquismo: a liberdade, a igualdade e a fraternidade totais e globais. Mas não se tem a liberdade de ser intolerante ou tolher a liberdade alheia. A sociedade desenvolverá mecanismos de coibir a intolerância, a preguiça, a malandragem, a esperteza desleal e qualquer vício, sem que seja preciso haver polícia nem prisões. Assim muitas profissões se tornarão inúteis, como bancários, advogados, juízes, contadores e muitas outras. Com a coletivização de tudo, o tempo de lazer aumentará tremendamente, bem como a economia de recursos de toda ordem para se fazer qualquer coisa. É o verdadeiro paraíso na Terra. Mas só pode existir se for em nível de abrangência mundial. Não é possível haver um estado anarquista e só se podem abolir os estados se não houver nenhum. Países sim, com sua diversidade cultural e linguística. Mas não governos, nem estados, nem fronteiras. Religiões até pode haver, desde que todas tolerem umas às outras e não restrinjam liberdade alguma das pessoas, exceto a de coibir a liberdade alheia ou ações malévolas. A ética prevalece, entendendo por ética uma conduta maximizante da felicidade.

Anarquismos já em vigor.
Uma das atitudes anárquicas mais louváveis que já temos é a da formulação dos softwares livres, distribuídos gratuitamente, como o Linux. Eles não possuem autor. São construções coletivas. Outra é a Wikipedia. Ou os livros disponibilizados gratuitamente como e-books. E músicas também. A internet é uma grande rede anárquica e é fabulosa. É preciso que comecemos a tomar iniciativas desse tipo em nossa comunidade. Isto é, que dispendamos parte do nosso tempo trabalhando de graça para benefício coletivo. Dando aulas de graça. Compartilhando nossa casa, nossos livros e outras coisas com os outros. E convencendo a todos a agir assim. Consertando os buracos da rua por nossa conta. Deixar o governo de lado cada vez mais e fazer tudo o que for possível por iniciativa própria coletiva e sem ônus para ninguém. Procurar aumentar a economia informal o máximo possível. Quanto mais isto for disseminado mais vai sendo desnecessário a existência de governo, até que ele caia de maduro, por não arrecadar mais imposto algum e não ter nada mais que fazer.

Caminhos para o Anarquismo
Claro que o Anarquismo é utópico, mas o que é ser utópico? Nâo é ser impossível, mas apenas extremamente difícil de ser atingido, só que possível. Se examinarmos a evolução histórica da humanidade, veremos que, com altos e baixos, a barbárie vém sendo substituída por sociedades cooperativas. Se é possível que existam países como os escandinavos e a Suíça, por exemplo, então é possível que todo o mundo seja assim. E esta é a tendência natural. Mesmo que não se faça nada, dentro de poucos milhares de anos o mundo estará assim. Mas se houver um esforço nesse sentido, então isto será alcançado não em milhares, mas apenas em centenas de anos.
Pulverizar o capital e transformar todo empregado em patrão não é impossível. Basta que se façam leis que concedam benefícios fiscais às empresas que dêem participação do capital a todo empregado, a princípio, bem pequeno. Aos poucos isto vai aumentando. Depois de um certo tempo se torna obrigatório. Enquanto isto, os operários co-proprietários vão tendo mais responsabilidade pelo sucesso da firma. Paralelamente promove-se a educação econômica nas escolas. Tudo tem que ser feito de forma democrática, com o engajamento político das pessoas que pensam assim. Parece contraditório, mas talvez seja o caso de se criar um “Partido Anarquista”, que proponha essas coisas todas, inclusive candidatos sem partido.

As pessoas deixam seus carros em garagens coletivas para todos usarem. Seus pertences são expontaneamente doados para centros comunitários onde há bibliotecas, salas de música, cinemas, jogos. Tudo mantido por voluntariado. Com administração por comitês “ad hoc” escolhidos entre os participantes. Tudo isto é bem possível.
E é pela educação que vai se começar a criar esta mentalidade nas crianças. Privilegiar a cooperação ao invés da competição. Essas iniciativas comunitárias podem e devem ser feitas de modo não oficializado. Nada de ong’s nem de fundações. As pessoas conseguem um terrreno por doação, constroem uma creche em mutirões com tudo doado, sem nota fiscal, sem imposto. E todos trabalham sem formalização nenhuma. Com um compromisso feito pela palavra dada. Fazem horta para plantar os alimentos. Se se abolir o consumo de carne, melhor ainda, pois a economia que se tem de comer o vegetal ao invés de usá-lo para engordar o gado é imensa. Ninguém precisa nem ter roupa própria. Poderiam haver vestuários coletivos. Isto não impede a existência de indústrias sofisticadas, como a aeronáutica, que fabricariam aviões sem custo nem preço, para as pessoas viajarem sem pagar passagem. Acho que um mundo assim é possível e fatalmente acontecerá.

A Social Democracia e o Estado do Bem-estar Social, para mim, são o estágio intermediário ideal em um processo de transformação da sociedade para o Anarquismo. O Comunismo de Estado, totalitário, é pior do que um regime ditatorial de direita (que também é péssimo). O Socialismo Liberal, que é uma situação em que o capitalismo e as liberdades existem, mas o estado exerce um poder regulatório das relações entre o capital e o trabalho, para resguardar o bem-estar da população e evitar os abusos do poder econômico, em meu modo de pensar, é, por enquanto, a situação ideal.
Não considero que o comunismo e o anarquismo sejam utópicos. Trata-se de algo inteiramente factível, mas é preciso que se chegue lá ao longo do tempo, por modificações gradativas, que, penso eu, podem levar algumas centenas de anos. Mas o que a história mostra é que a tendência geral da sociedade humana é se tornar cada vez mais libertária e anarquista, rompendo gradativamente os grilhões de toda dominação e autoritarismo. Isto vém como resultado da disseminação de um nível de educação cada vez mais elevado para as populações. Outra tendência histórica é o gradativo abandono das religiões, em que pese o recrudescimento do fanatismo islâmico e do fundamentalismo cristão nos EUA. O erro do comunismo soviético foi ter sido ditatorial, o que deu azo ao florescimento da corrupção, que derrubou o regime.

Uma sociedade anarquista (ácrata), sem governo, sem fronteiras, sem propriedade, sem dinheiro, sem leis e sem crimes, ao contrário do que se pensa, não é uma sociedade desorganizada mas, pelo contrário, altamente organizada, pois funciona harmônica e produtivamente sem hierarquia. Isto só é possível, de um modo altamente desenvolvido cultural e tecnologicamente, se todos os habitantes possuirem um elevadíssimo nível de educação. É a substituição da competição pela colaboração, do egoísmo pelo altruísmo, do vício pela virtude, de toda maldade pela bondade, da lassidão pela operosidade, do oportunismo pela solidariedade e pela generosidade. Não há lugar para crime, pois não há motivo para crimes, já que ninguém tem nada e tudo é de todos. Isto se extende, inclusive, para os relacionamentos afetivos e amorosos, em que nenhuma pessoa é exclusiva de outra e ninguém tem a posse de ninguém. Inclusive todas as crianças são filhas de todos os adultos, que são pais de todas as crianças.
A igualdade é feita por cima, não havendo empregados, mas apenas patrões, já que cada um é patrão de si mesmo. Não há pobres e nem ricos, pois todos compartilham de tudo. Tudo é usufruido comunitariamente: refeitórios comunitários, alojamentos comunitários, lazer comunitário, bibliotecas comunitárias, transporte comunitário. Nada precisa ser privado, nem as roupas. É uma coisa muito bonita, em que as pessoas podem se realizar plenamente, pois terão muito tempo a dedicar a sí próprias, já que, com a abolição de residências particulares e mesmo da família mononuclear, todas as tarerfas de manutenção serão distribuidas.

Enquanto o anarquismo não vém
E o que fazer enquanto não se chaga lá? Várias posturas, atitudes e ações podem ser tomadas para abreviar esse tempo. Dentre elas:
1) Pautar a própria vida de uma forma completamente ética e honesta, em todos os seus aspectos, optando sempre pela verdade, mesmo que em prejuízo próprio;
2) Denunciar exemplarmente todo e qualquer ato desonesto de autoridades públicas, empresários, empregados, enfim, não compactuar com a criminalidade de espécie alguma e não se omitir nunca, mesmo que isto seja desagradável;
3) Proceder em sua vida privada à distribuição de riquezas, começando com a própria, isto é, dando empregos, pagando bem aos empregados, fazendo trabalho comunitário de graça e ajudando a todo mundo da melhor maneira possível, compromentendo seu tempo e seu dinheiro como o resto da população;
4) Incentivando esse tipo de comportamento na sociedade e entre os amigos;
5) Votando em candidatos honestos e comprometidos com a solução dos problemas de distribuição de renda, de habitação, de educação, de saúde, de segurança e cobrando isto deles em público, nos órgãos da imprensa, indo às reuniões dos vereadores e se manifestando, não para defender interesses particulares mas genéricos;
6) Elaborando propostas de participação dos empregados no capital das firmas, de formação de cooperativas de consumo, de lavanderias coletivas para condomínios, de refeitórios coletivos, de escolas de comunidades. Mas nada público (isto é, governamental) e sim de iniciativa dos próprios interessados, gerida por eles, como escolas cooperativas, como alternativas às particulares e às públicas;
7) Nunca esperar do estado a solução dos problemas, mesmo que cobre, mas tomar iniciativas comunitárias para resolvê-los. O verdadeiro comunismo é o comunitarismo;
8) Dedicar tempo a difundir estas idéias;
9) Candidatar-se a cargos públicos para implantá-las e incentivar as pessoas de bem que o façam, de modo a que tome o lugar dos bandidos na política;
10) Formar grupos de amigos para comprar ações das empresas; pulverizando o capital.

A moral anarquista
Sob o aspecto moral, este tipo de sociedade é imensamente superior. Pois não havendo dinheiro nem propriedade, não há motivo para o crime. Tudo é de todos e ninguém possui nada. Não há ciúme, nem inveja, nem egoísmo. Não precisa haver desonestidade, nem mentiras, nem trapaças. E o amor, sendo plural, será muito mais disseminado. Quanto mais pessoas amarem mais pessoas melhor é para todas as pessoas. A exclusividade amorosa restringe o amor e cria sentimentos negativos. Outra característica interessante do anarquismo (donde vém o seu nome), é a ausência de governo, de estado, de fronteiras. O mundo todo é uma coisa só. Os empreendimentos se organizam por comissões “ad hoc” para cada caso: construir uma estrada, uma barragem hidroelétrica, uma usina atômica, uma indústria naval ou aeroespacial, uma refinaria de petróleo, uma universidade, uma plantação de arroz, trigo, cana, soja, o que for. Tudo estruturado de um modo expontâneo, harmônico e orgânico, sem que exista quem mande e nem quem obedeça. Todos coordenam e são coordenados de modo livre. Ninguém é pobre e ninguém é rico. Mulheres e homens apenas diferem no que for estritamente ginecológico (gestação e aleitamento). No mais têm exatamente os mesmos direitos e deveres e compartilham os mesmos encargos e tarefas. Tarefas menos nobres (coletar lixo ou lavar banheiros) são realizadas em sistema de rodízio por todos, mesmo que alguem seja o coordenador de uma Universidade (o reitor). Há um dia que cada pessoa irá lavar os pratos ou as privadas. Não existem privilégios. Tudo sendo compartilhado haverá muito menos trabalho a fazer (não precisa haver uma cozinha em cada casa). Haverá necessidade de menos bens (menos carros, menos louças, menos roupas). Então haverá muito mais tempo para o lazer. E todo mundo poderá ser sofisticadamente culto e ter curso superior. Se levamos menos de dez mil anos para evoluir das cavernas a esta sofisticada civilização, então como não poderemos ser em mais dez mil anos?

Nobreza anarquista
Como anarquista convicto e, logicamente, democrata, tenho inteira tranquilidade para dizer que nobreza, na acepção aqui considerada, não é incompatível com a democracia e nem o anarquismo. Apesar da noção de nobreza provir de um contexto aristocrático em que a palavra se reportava àqueles pertencentes à classe social dominante, no sentido que estamos considerando, nobreza não é um atributo de nenhuma classe e sim de indivíduos. Refere-se à conduta, ao caráter, ao comportamento do indivíduo. Não se trata de frescura nenhuma. Nobre é a pessoa justa mas compassiva, imparcial mas generosa, altruísta mas exigente, solidária mas destemida na defesa do bem, corajosa em enfrentar as vilanias e fazer triunfar a verdade. Esse é um ideal de virtude que exalta o democrata e não aquele que pugna pela manutenção de um status quo opressor por parte de uma elite plutocrata. Elite é inevitavel que haja, mas uma elite de pessoas que se destaquem por sua nobreza de caráter, vigor no trabalho, inteligência e disposição de luta pelo bem de toda a coletividade. Esses são os veradeiros líderes e eles são necessários mesmo na sociedade ácrata.

Ateísmo e anarquia
Tendo surgido de modo anárquico na sociedade récem estabelecida, as crenças míticas tornaram-se religião quando os detentores do poder as institucionalizaram em proveito próprio, como um mecanismo de controle do povo. Nesse sentido vejo o ateísmo como um movimento libertador, não só da opressão religiosa como também da opressão política e, assim, uma das vias para o anarquismo, que é uma sociedade idealmente perfeita, na qual o nível de civilização é tão alto que dispensa a existência de qualquer governo e, mesmo, da propriedade e do dinheiro. Este é o meu ideal de sociedade: anarquista e ateísta. Nela as pessoas são desprovidas de todo egoísmo, sendo tudo comunitário. Isto pode ser alcançado por um longo processo educativo, da ordem de séculos, mas que precisa ser encetado desde já, principalmente com a disseminação de um espírito cético, que pode ser desenvolvido nas aulas de filosofia, no ensino médio. É preciso mostrar ao educando que não há precedência de nenhuma religião em relação a qualquer outra (exceto as pseudo-religiões de caráter comercial hoje existentes). Que a noção de Deus é um construto antropológico, podendo não corresponder a uma verdadeira realidade. Que nenhum sistema pode pretender ser o possuidor da verdade, mas que esta deve ser sempre perseguida à custa, inclusive, da demolição de nossas mais caras convicções. Que o bem precisa ser disseminado e o mal erradicado pelo trabalho conjunto da sociedade, que fará ver a quem pratique o mal a suma inconveniência de tal atitude para sua própria felicidade.

Nada de Escambo
Na sociedade ácrata não há escambo. Ninguém troca nada por nada. Todos produzem e dão o máximo e o melhor de sí para todos, e obtém tudo de que precisam de todos, sem verificar nenhuma equivalência de valores. Todo mundo trabalha de graça e tem tudo de graça, sem trocar por nada. Não é só o dinheiro que pode trazer corrupção, mas a idéia de propriedade, mesmo não havendo dinheiro. O fundamental é uma mudança radical nas profundas concepções de mundo das pessoas. Considerar que se é parte da natureza e da sociedade, sem ter direito a nada particularmente para sí. Despir-se inteiramente do egoísmo e de toda maldade, tornar-se ingênuo como uma criança, confiante no seu semelhante, despreendido, solícito, dedicado. Tornar todas as pessoas assim é um sonho perfeitamente realizável por um processo educacional contínuo ao longo de poucos séculos.

Voltarei brevemente abordando as dificuldades e os questionamentos ao anarquismo.

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