segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Esoterismo quântico

Concordo de que o Universo constitui-se de um único e vasto “campo” que aqui e acolá se concentra em partículas (suas “quantizações”) cujos conglomerados formam a matéria (os férmions) e a radiação (os bósons), o restante sendo o próprio campo, que é um “mar” de partículas virtuais. Energia, contudo, não é um constituinte do Universo, mas sim um atributo de seus constituintes. Todo ele, portanto, está interligado, sendo qualquer sistema, na verdade, um “sub-sistema” do todo, do qual é indissociável. Isto contudo não atribui a esse todo nenhuma mente, consciência ou inteligência. Estes atributos pertencem a sub-conjuntos providos de estrutura e dinâmica tais que os possibilitem a sediar tais tipos de ocorrências, como é o caso do organismo humano vivo e saudável e outros ainda, até mesmo artefatos artificiais que venham a ser construídos.
Quanto à natureza da realidade, é realmente preciso rejeitar qualquer rotulação dogmática, como o positivismo e o empirismo. A Ciência e a Filosofia precisam se despir de adjetivos. Mas a ciência tem a pretensão legítima de compreender a realidade, mesmo que saiba que pode ser que isto seja impossível em sua totalidade. Mas, abordagens cada vez mais próximas devem ser empreendidas. Contudo, muito do que se considera desvendado pela Física Quântica, numa abordagem que denomino de “Esoterismo Quântico”, especialmente levada a cabo por Fritjof Capra e Amit Goswami, não possuem fundamento científico algum. Tratam-se de tentativas de hibridação de conhecimentos científicos com crenças mitológicas hinduístas, fundamentadas em interpretações análogas que as duas correntes apresentam em alguns aspectos. Isto, contudo, não valida as justificativas dos fundamentos mitológicos das analogias e nem permite sua extrapolação para casos em que nem analogias se verificam. Por exemplo: é verdade que a Física Quântica trata de possibilidades com suas probabilidades e que, na observação, se manifesta uma delas. Mas nada na Física Quântica diz que é a consciência do observador que determina.
A assertiva de que o Universo como um todo possua (e não “seja”) uma inteligência é semelhante à que afirma existir uma entidade extrínseca ao Universo, dotada de inteligência, que o criou e o provê (Deus). Não há como comprovar indubitavelmente que sim e nem que não. Portanto, uma vez que isto não é evidente, a hipótese fundamental é a de que não exista, sendo requerida prova de existência e não de inexistência. Como não há esta prova, suponho a inexistência (de ambas). Mesmo sem prova, são grandes os indícios no sentido da inexistência dessa inteligência, entendido que seja o que isto signifique. Como inteligência é uma capacidade de agir segundo um plano e não apenas por respostas reativas a estímulos ou iniciativas incausadas aleatórias, sua existência seria verificada se se conseguir identificar tal tipo de ocorrência. Pelo que se pode observar da evolução cósmica e do comportamento dos elementos da natureza, nada disso se dá. Apenas os organismo suficientemente complexos em sua estrutura e dinâmica são capazes de exibir tal tipo de comportamento. A evolução do Universo não mostra ter seguido nenhum plano, nem mesmo a evolução biológica, que repousa em dois fatores, mutação e seleção, a primeira sendo inteiramente aleatória e a segunda uma reação aos fatores ambientais externos e internos ao organismo. Nada indica um projeto para levar a algum resultado. Só agora, com a engenharia genética, o ser humano será capaz de projetar e fabricar um organismo vivo segundo suas prescrições.
Não há nenhuma exigência de que o observador que, ao interagir com algum sistema, faça com que ele se coloque em um dos auto-estados do operador correspondente à grandeza que esteja sendo observada e exiba o auto-valor correspondente, seja inteligente e possua consciência. Isto não faz parte da Mecânica Quântica. Pode ser qualquer coisa que registre o valor da grandeza: um instrumento de medida artificial. Não é requerida consciência.
Certamente que, numa observação por instrumento, se não houve uma inteligência que programou o instrumento e depois foi coletar os resultados, a medida não trouxe resultado algum, em termos de conhecimento. Mas no que diz respeito à mecânica quântica, o sistema observado caiu no auto-estado do auto-valor correspondente ao valor detectado pelo medidor, independente de que esse resultado venha a ser conhecido por alguma consciência ou não. Além disso, na própria natureza inanimada, sempre que um sistema interage com outro e, nessa interação, troca algum atributo, como energia, o valor trocado funciona como um valor medido para todos os efeitos quânticos, e isto não tem nada a ver com inteligência e consciência.

Muitos consideram um observador universal extrínseco ao Universo, isto é, Deus. A noção de que seja o próprio Universo é mais palatável, desde que se entenda que, em Mecânica Quântica, não se requer que o observador seja uma entidade consciente. Neste caso pode-se conceber que a revelação do estado quântico de algum subsistema do Universo, bem como dos valores de seus atributos, como energia, carga, spin etc., se dá quando ele interage com sua vizinhança (o resto do Universo), que funciona como observador. Isto pode explicar a questão. Contudo, a noção de que o próprio Universo seja uma inteligência gestora de si mesmo, que é o panteísmo, requer verificações sobre as características do comportamento global do Universo, para ver se apresenta traços de inteligência.
Até o momento não consegui ver que os fenômenos EPR, Escolha de Wheeler, Tunelamento, Salto, Efeito Zeno e Efeito Frolich indicam a existência de uma inteligência cósmica. Admiro a perseverança de quem busca uma explicação científica que justifique sua fé na existência de Deus, mas fico com William of Ockham, que mostrou que a razão (ou a ciência) não conseguem provar que Deus existe. Mas ele manteve a fé assim mesmo.
Também considero que a função de onda seja uma entidade real: o campo imaterial de que o Amit Goswami fala. Todo campo, elétrico, magnético, forte, fraco e os campos da matéria bariônica e leptônica são imateriais. Mas são físicos (naturais) e não possuem inteligência alguma. As partículas da matéria (férmions) e as mensageiras das interações (bósons) são quantizações de seus respectivos campos, que, no princípio, era indiferenciado.
Todavia esse campo existe no espaço e no tempo. Sempre que alguma entidade física exista, ela ocupa espaço e existe ao longo do tempo. Tanto não há espaço e tempo sem que algo os preencha quanto não há coisa alguma, mesmo virtual (no sentido físico e não informático do termo) que não ocupe espaço e exista no tempo, exceto as abstrações. Mas as abstrações não são reais, são idéias, construtos mentais, conceitos que só existem como ocorrências dentro de uma mente. Não existem em si mesmas, independente de alguma mente.
Dir-se ia, então, que esse campo imaterial seria uma abstração de uma mente cósmica. Uma abstração, contudo, não se torna uma realidade física nem espiritual, pelo que me consta, e, uma mente é uma ocorrência que se dá em algum sistema existente.
Como poderia ser uma mente puramente abstrata?
Além do mais, abstrações não possuem localização espacial, como o pensamento. Ele se dá como uma ocorrência no cérebro, mas ele não “está” no cérebro nem em localização espacial nenhuma. Seria o caso de Deus, se existisse, conforme o conceito de se tem dele. Ele não “está” em todo lugar, simplesmente que, por ser espírito, não ocupa lugar.
Gostaria de ver as comprovações de tudo o que se tem dito sobre o campo imaterial (conforme o concebe Amit Goswami). Para mim, simplesmente, não existe campo universal consciente nenhum. Mas, supondo que exista, de onde se conclui que possua todas as propriedades descritas: imaterial, abstrato, virtual, onipresente, não se submete aos limites do espaço e do tempo, suas ações violam as desigualdades de Bell e a Relatividade Restrira, ocorrem acima da velocidade da luz e até mesmo contra a seta do tempo, é o fator causal do mundo material?
Mais ainda: Porque alguma coisa existente, mas imaterial teve que ser o fator causal do Universo? Porque, pelo fato de ter surgido, o Universo tem que ter causa? Porque somente o que é eterno e não surge, dispensa causa? E porque o Universo não poderia ser eterno e não ter causa?

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