Como já o disse em muitas ocasiões, grande parte das discussões filosóficas se prende ao entendimento de conceitos. Talvez adversários estejam falando a mesma coisa com entendimentos conceituais diferentes. Quando afirmo que sou ateu (na modalidade cética e não dogmática) não estou dizendo que sou materialista, nem que não valorizo a espiritualidade e nem que não me paute por princípios transcendentes e éticos. Mas o que entendo por estes conceitos? O ateísmo é simplesmente a consideração de que não existem entidades reais a que se possa aplicar o conceito do que se entende por Deus, isto é, um ser de natureza não física (mas é preciso entender que físico não se restringe a material), dotado de percepção global de toda ocorrência, inteligência, volição e capacidade de atuar sobre a natureza segundo seu desejo, à revelia do comportamento normal dela. Acessoriamente este ser também poderia ser possuidor de outros atributos, como justiça e bondade, mas se não os possuir, não deixaria de ser Deus. Paralelamente à negação da existência de tais tipo de seres, o ateu também não considera que exista qualquer tipo de realidade sobrenatural, como alma imortal, anjos, demônios ou outra modalidade de espíritos. Que resta, então? Só a matéria? Claro que não!
A realidade natural, além da matéria é composta de campos, radiação, espaço, tempo, de estruturas formadas por essas entidades, da dinâmica dessas estruturas, das leis que esta dinâmica segue e, o que é relevante para nossas considerações, de um tipo de entidade que eu denomino “ocorrências”. Tal é a categoria em que se enquadra a mente com todos os seus atributos, como a memória, o pensamento, o raciocínio, a emoção, os sentimentos, os instintos, a intuição, a consciência e o “eu”. Tal ocorrência não é material, mas para que se dê requer um substrato material, que, por enquanto reside em organismos biológicos, como o sistema nervoso humano e de outros animais superiores. Mas pode vir a ser implementada em artefatos eletrônicos.
Assim, não faz sentido a concepção de uma “consciência cósmica”, uma vez que a totalidade do Universo não possui conexões ágeis o suficiente para permitir a concretização desse tipo de ocorrência.
Mas a realidade (entendida como sendo aquilo que existe), além disso, também é formada por outras categorias. Quero mencionar as categorias dos conceitos (ou idéias), dos valores e das normas. Tais categorias não se referem a seres nem coisas mas a abstrações cuja existência surge nas mentes que as concebem. Todavia não são registros particulares das mentes de cada sujeito, mas algo que se torna objetivo (isto é, existente fora das mentes) por um processo de consenso inter-subjetivo, isto é, de aceitação pela coletividade das mentes. A realidade das idéias não é uma realidade “real” da natureza, bem como a dos valores e das normas. Sua existência depende da existência de seres reais que possuam mentes e seria inteiramente desfeita no momento em que nenhuma mente mais existisse. Enquanto as idéias são de natureza intelectiva, os valores e as normas, mesmo que possuindo um entendimento do intelecto, são de natureza afetiva e volitiva. E, dentre os valores, como os de ordem estética, pragmática ou outras, sobressaem os deontológicos ou éticos, que se reportam às qualidades das ações em serem boas ou más, certas ou erradas, justas ou injustas, verdadeiras ou falsas, honestas ou desonestas etc.
Toda esta categorização pode perfeitamente ser feita, e o é, sem a mínima menção à existência de realidades sobrenaturais, como Deus. São valores pertinentes a qualquer ser sensiente e consciente, como os humanos ou outros que haja.
Deste modo o conceito de transcedente não se refere a nada que ultrapasse a realidade, assim concebida, isto é, que seja de origem sobrenatural. Transcedente é a qualidade daquilo que não se prende ao atendimento das necessidades imediatas de sobrevivência do organismo e da espécie, que são ar, água, alimento, abrigo, segurança, sexo e outras que tais. Uma vez que isto seja satisfeito, os seres conscientes buscam satisfazer necessidades de ordem mais elevada, como gozar de paz e alegria, sentir-se respeitado, reconhecido e amado, fruir de prazeres estéticos e da sensação de satisfação consigo mesmo por estar vivendo e agindo de acordo com o que seja certo, justo e bom. Transcedência é pois a qualidade daquilo que vai além das necessidades comezinhas ou mesmo da satisfação dos prazeres meramente sensoriais, como o alimento saboroso ou o sexo prazeroso (o que não é algo condenável). Transcedental é filosofar, amar o bem e a justiça ou ser caridoso, por exemplo.
E espiritualidade? Pode-se concebê-la sem considerar que existam espíritos nem almas? Claro que sim! Espiritualidade é uma atitude, um modo de ser, de quem pensa, sente a age de acordo com princípios mais elevados que não apenas o intuito de levar vantagem, de quem é altruísta, de quem se compraz em fazer o bem, em buscar a sabedoria. De quem experimenta um sentimento de enlevo na contemplação da beleza e sempre considera tudo pelo lado positivo e benevolente. Não vejo que tal modo de vida seja necessariamente associado à crença na existência de Deus, mesmo que possa o ser. Ateus podem ser altamente espiritualizados, altruístas e magnânimos, do mesmo modo que crentes podem ser extremamente materialistas, egoístas e mesquinhos.
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Um comentário:
W.E.
... Uma pessoa em que me miro como exemplo a ser seguido de conduta...
Esse deveria ser o ideal de todo religisoso convicto, a vivenica dos ensinamentos de Jesus, na sua simplicidade ,para que o bom , o belo, o nobre e a justiça se instale entre nós.
Tirando a minha conviçção inabálavel na existencia de espiritos , o meus ideais de conquista morais, são extremamentes semelhantes com os vossos.
abraços.
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