terça-feira, 28 de setembro de 2010

Respondendo ao Jean Victor

Posso ver que você é um poeta. Apreciei muito suas respostas no formspring. Vejo que têm conteúdo e uma forma lírica de dizer as coisas. Aponto apenas uma falta de precisão conceitual. Vejamos se consigo distrinchar suas "Feições da dádiva vital".

Começemos com "vital". É o que tem vida. Mas o que é a vida? Em biologia há o conceito de vida como um fenômeno autopoiético. Mas eu considero que vida pode não ser biológica, como a de um robô. Em que caso ele poderia ser considerado um ser vivo? Em primeiro lugar um ser vivo "funciona", isto é, move-se (mesmo que só internamente), transforma energia, interage com o ambiente, percebendo-o, reagindo e agindo sobre ele. Mas muitos sistemas inanimados e artefatos podem fazer isto sem que sejam "vivos". Para mim o que caracteriza a vida é a "iniciativa". O ser vivo age por sua própria iniciativa e não apenas ao ser comandado externamente. Um robô que assim o faça pode ser considerado vivo. O fato de poder crescer e se reproduzir não é necessário para ser chamado de vivo.

Quanto à "dádiva" é interessante observar que todos os seres vivos atualmente existentes, mesmo que sejam robôs, possuem a sua vida por uma dádiva de outro ser vivo que lhe antecedeu. Nos seres biológicos há um fio condutor da vida que passa de cada indivíduo a seus gametas e destes para o novo ser que geram. No caso das bactérias, elas são eternas. Cada bactéria existente é a mesma que foi se dividindo. Os vírus recebem sua vida de outro, cujo DNA ou RNA provocou a agregação protéica dentro de uma célula para "construir" o novo vírus. A vida segue um fluxo ininterrupto, desde o primeiro ser vivo que surgiu. E este, como recebeu a "dádiva da vida"? Para alguns foi a interveniência de um ser extrínseco ao Universo, com poder para provocar o surgimento da primeira vida por sua iniciativa. Isto significa que, por esta concepção, o primeiro ser vivo não foi o primeiro, pois o que o criou já teria vida em si, mesmo não sendo biológico. Eu, porém, penso que não houve nada disso. A vida surgiu espontaneamente a partir sistemas inanimados no momento em que surgiram condições químicas que possibilitaram sua auto metabolização, regulação e replicação. Quando este sistema passou a gerir-se a si próprio, tornou-se o primeiro ser vivo e, a partir daí, a sequência se iniciou, dando origem a ramificações que levaram a todas as espécies hoje existentes. A dádiva da vida é, pois, um presente da natureza em razão do comportamento das interações entre os constituintes da matéria que possibilitaram esse tipo de coisa. Podemos dizer, assim, que temos uma dívida de gratidão para com a natureza, pois que somos parte do Universo e só existimos em função dele. Isto nos dá uma grande responsabilidade, por termos a consciência deste fato, para com a preservação desse dom tão raro e precioso, possivelmente encontrado em menos de três lugares de cada galáxia, cada uma com centenas de bilhões ou trilhões de planetas.

Finalmente falemos das "feições". Trata-se do modo como encaramos esta dádiva e como levamos nossa vida. Sendo uma espécie dotada de sensiência e consciência, buscamos um sentido para nossa existência. Por quê e para quê existimos? De um ponto de vista externo, por motivo nenhum. Não há razão e nem finalidade extrínseca para a vida. A vida se justifica por si mesma. Ela existe para preservar-se. Temos, pois, que crescermos, vivermos e multiplicarmos. Esta pulsão primitiva, enraizada nas profundezas de nosso ser, eclode em uma manifestação que é, para todos os efeitos, a razão e o propósito da vida: o amor. Sim, é o amor que viabiliza nossa sobrevivência como indivíduo e como espécie. O amor é a sublimação do sexo e do cuidado com a prole. O amor é que nos une a nosso parceiros para gerar novas vidas. O amor é que nos faz cuidar uns dos outros para que possamos sobreviver e nos reproduzir. Sem o amor nos aniquilariamos mutuamente. Toda a sociedade, seja como for constituída, só prevalece em função do amor. E o que é o amor?

Amor é um sentir, um pensar, um desejar, um querer e um agir, isto é, uma emoção, um sentimento, um apetite, uma volição e uma ação. Esse complexo de fatos psíquicos caracteriza o amor em todos os planos, piedade, compaixão, solidariedade, afeição, amizade, amor platônico, erotismo. Amor filial, maternal, paternal, fraternal, conjugal, idealista. A intensidade e a seqüência em que eles aparecem podem variar. O amor sempre emociona, enternece, enleva e envolve um desejo de zelo, cuidado e proteção da coisa amada, bem como um anseio de reciprocidade. Mas o amor só se realiza quando é expresso em vontade e esta vontade em ação. Não basta sentir e desejar para amar, é preciso querer, demostrar e provar. O amor envolve dedicação e renúncia, paciência e perseverança, trabalho e recompensa, alegria e tristeza, euforia e depressão. É algo envolvente e inebriante. O amor não é possessivo, ciumento, exclusivista, castrador, sufocante. Pelo contrário, o amor é libertário e altruísta. Não me refiro apenas ao amor erótico, mas a todas as modalidades, inclusive as formas idealistas de amor à verdade, justiça, sabedoria, humanidade e natureza. O amor não pode ser cerceado em sua intensidade e abrangência. Ele não possui limites. Quanto mais intensamente se ama e a mais coisas e pessoas, mais capacidade se tem de amar. E quanto mais se ama, mais se realiza e maior é a felicidade, mesmo que nem sempre ele seja correspondido.

Assim, a feição que devemos dar à dádiva vital que recebemos da natureza é viver a vida com amor, pelo amor e para o amor.

Mais considerações sobre o amor podem ser achadas no artigo:
http://wolfedler.blogspot.com/2010/09/o-que-e-o-amor-vale-tudo-para-viver-um.html

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