Ernesto von Rückert
A época do Natal enseja uma série de reflexões sobre o significado da existência do homem. O Cristianismo coloca em Deus essa razão, sendo nossa vida justificada pela glória e louvor que propiciarmos àquele que nos criou tão somente para este fim. Com o pecado original a humanidade desconciliou-se com Deus, que, em represália, expulsou-a do paraíso, condenando-a a envergonhar-se do próprio corpo, a ganhar o pão com o suor do rosto, a padecer as dores do parto e a envelhecer e morrer, ocasião em que a alma, separando-se do corpo, passaria a vagar em um limbo, apartada da beatitude da contemplação de Deus. A misericórdia de Deus, contudo, sendo maior que sua ira, incapaz de ser aplacada pelos sacrifícios propiciatórios dos cordeiros imolados, concedeu à humanidade a chance de redimir-se do pecado original e, com isto, poder contemplar a face de Deus na glória celeste e, posteriormente, na consumação dos séculos, tendo sua alma novamente unida ao corpo, poder ascender ao paraíso para gozar em plenitude a vida eterna. Tal oportunidade se daria com um sacrifício infinito, que seria a imolação do próprio Deus a si mesmo.
Cristo foi a pessoa de Deus que se fundiu indissoluvelmente a um homem, tornando-se o único ser híbrido a possuir corpo, alma e divindade, de tal modo que sua imolação, como um cordeiro sacrificatório, fosse capaz de aplacar a ira de Deus pelo pecado original e possibilitar a redenção do gênero humano, concedendo a todo aquele que aceitar Cristo como salvador, a possibilidade de alcançar a glória celeste. A ressurreição do homem Jesus (a parte divina, certamente, não morreu) é a prova da vitória sobre o pecado, do qual a morte é uma das conseqüências. A condição para a salvação é colocada, pois, na fé, e, para algumas confissões, como o catolicismo romano, também na vida piedosa e nas boas obras.
O Natal cristão é, pois, a celebração do nascimento daquele que trouxe à hu-manidade a possibilidade de redimir-se do pecado. Sem Cristo a humanidade perderia eternamente a capacidade de retornar ao paraíso para o qual fora criada. Esta é a exegese que faço do que conheço da doutrina cristã.
Para quem não seja cristão o Natal não teria significado algum, especialmente para os ateus, como eu. Não é assim, contudo, que vejo as coisas. Num contexto puramente humanista, Jesus foi simplesmente um homem que pregou uma nova visão religiosa, em que Deus não é mais uma entidade vingativa a se temer e nem tampouco o cioso guardião de um particular povo escolhido, mas o pai amoroso de todo o Universo e, em decorrência, de todos os povos. É possível que Jesus es-tivesse imbuído de sua divindade, porém, creio eu, este atributo foi-lhe aplicado pelos seguidores. Assim, o Cristianismo, em seus primórdios, firmou-se como uma religião do perdão, da paz, da concórdia, da fraternidade, da tolerância. Nisto reside a grandeza do Cristo, que se eleva ao lado de outros líderes congêneres, como Buda ou Ghandi. Os desdobramentos históricos levaram o Cristianismo a atitudes intolerantes e belicosas, como ocorreu por ocasião das cruzadas e da inquisição. Mas isto não faz parte da mensagem primordial de seu fundador.
Nos dias atuais presenciamos dolorosos conflitos travados a pretextos reli-giosos, envolvendo judeus, muçulmanos, cristãos, hinduístas e outros, em várias partes do mundo. Se a mensagem humanista fundamental do Cristianismo pudesse ser seguida em todo o mundo, independente de que religião se professe (ou que não se professe) teríamos como alcançar a paz e a harmonia que nos propiciariam um mundo melhor em que as crianças poderiam crescer e tornarem-se adultos felizes e realizados plenamente em sua humanidade. Por isso acho válida a comemoração do Natal de Cristo em toda a Terra.
Que essas disposições sejam levadas por todos em todas as suas atividades. Nas relações internacionais, na política, nos negócios, nas profissões, no trato so-cial, no ambiente familiar, entre pais e filhos e no íntimo dos casais. Que o egoísmo seja banido e que nossas ações se pautem pela maximização da felicidade para o maior número de seres e não pelo lucro ou pelas vantagens pessoais. Lembro-me de meu falecido pai, rotariano atuante, que me passou a filosofia da “Prova Quádrupla” como guia para tomada de decisões em qualquer circunstância. No que for que se faça, pergunte-se: É a verdade? É justo para todos? Criará boa vontade e melhores amizades? Será benéfico para todos? Se usarmos algo como isto na conduta pessoal, certamente estaremos contribuindo para um mundo melhor. E, se pensarmos que, numa visão de mundo que exclua a existência de Deus, não há razão nem finalidade para nada, inclusive para nossa vida, mas que sentimos uma necessidade interior de que tudo tenha um propósito (o que não garante que tenha), então, se colocarmos para nós mesmos que nossa vida terá sentido se, por causa dela, o mundo venha a se tornar melhor e mais pessoas fiquem felizes, podemos aceitar a mensagem humana de Cristo como um farol guia a nortear nossa vida.
Chego, finalmente, ao título deste artigo: “A Árvore de Natal”. Que símbolo melhor representaria tudo isso que não ela. Como um abrigo da inclemência do Sol, uma proteção para a fúria da atmosfera e um refúgio contra a gana dos predadores, a árvore também simboliza a generosidade da natureza ao nos propiciar o fruto, a madeira e, até, a medicina contra todos os males. E a árvore quer dizer o abraço fraternal entre todos, de todas as origens, credos, raças, gêneros, condições sociais. Especialmente a Árvore de Natal, com sua forma pontiaguda, apontando para cima, como a nos dizer que não é para a esquerda e nem para a direita que devemos seguir, mas para cima, para o que é mais elevado, para o progresso, com a colaboração e o trabalho conjunto, não com disputas e guerras. Nesse símbolo eu posso congregar toda a humanidade, transcendendo o espírito do Natal ao próprio Cristianismo, ao conscientizarmos de que somos membros de uma mesma espécie, habitando um mesmo planeta e que temos que nos unir para que possamos ser partícipes dessa maravilhosa e incrível realidade que é a existência e a evolução da vida, fato possivelmente singular, cuja preciosidade não podemos deitar a perder por questiúnculas religiosas ou econômicas.
Que esta ocasião, portanto, possa ser para você, leitor, um momento de re-flexão sobre a razão e o propósito que você deve encontrar dentro de si mesmo para estar aqui. Imaginando-se em seu momento final você poderá sopesar o que de fato é importante na vida e verá que, não será o dinheiro, o poder ou a fama adquirida que lhe serão valiosos. Você certamente só se arrependerá do perdão não concedido e do amor não espalhado, do abraço reprimido, da gentileza esquecida, da palavra não dita. Mas é tempo ainda de mudar tudo isso e levar a vida de alma lavada e leve, na certeza de que se está vivendo de modo a dar sentido à própria vida.
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