De fato, "nada" não pertence à categoria ontológica dos seres (entes reais), nem das entidades (seres hipotéticos), mas sim dos conceitos, isto é, abstrações mentais sem existência real fora de alguma mente que as conceba. E como a gramática tem que acompanhar a ontologia, não se pode atribuir artigo ao substantivo "nada". Assim só se pode dizer "surgir de nada" e nunca "surgir do nada". A questão que você propõe é que não pode haver nenhuma situação em que nada exista. Consideremos o conceito de "existir". Ele significa estar presente no mundo. Não existir nada significaria que não haveria coisa alguma no mundo. Mas como o mundo é o conjunto do que existe, nem haveria mundo. Note que mundo é um conceito mais amplo do que Universo, pois este é o conjunto de tudo natural que existe, enquanto mundo inclui também o que não seja natural, como o sobrenatural, caso exista. "Não existir nada" não é a mesma coisa que "existir o nada". Isto não é possível, ontologicamente falando. Mas a primeira hipótese o é. Resta saber se é fenomenologicamente possível. Eu digo que sim, porque não há obrigação nenhuma para que exista algo, ao invés de nada. O fato de haver algo, isto é, de haver mundo, é um capricho desnecessário. É perfeitamente possível se conceber que nada exista. É claro que, assim sendo, não se estaria concebendo isto. Resta saber se, uma vez que existe mundo (estou excluindo o solipsismo), sua existência necessariamente se estende por um tempo infinito, tanto para o passado quanto para o futuro, ou poderia ser limitada em um ou nos dois extremos, isto é, poderia haver um começo ou um fim para o mundo? Primeiro vamos considerar apenas o Universo. De acordo com a mitologia de quase todas as religiões, o Universo começou em um momento, que é o início dos tempos, por um ato voluntário criativo de uma entidade extrínseca a ele, Deus. Em relação ao próprio Universo, antes da criação, não havia nada, nem "o nada". E Deus teria criado tudo sem que tivesse nada do que fosse proveniente, nem de si mesmo, pois Deus não seria uma entidade natural e o Universo é natural. Se não se considerar a existência de Deus, há duas hipóteses. Ou o Universo sempre existiu, mesmo que tenha começado a expandir no Big Bang, mas o conteúdo que começou a expandir já existia desde sempre, ou esse conteúdo surgiu espontaneamente, começando logo a se expandir. Note que, em ambos os casos, o tempo não existia antes do começo da expansão, pois ele é decorrente da mudança no estado do Universo e, se o conteúdo existia, estava imperturbável. O início da expansão foi a primeira mudança e, logo, o zero do tempo. Note que não há proibição ontológica para que o tempo se estenda infinitamente para o passado, como o quer o argumento Kalam. Dizer que houve um início dos tempos é uma conclusão fenomenológica, que não implica em dizer que houve um início do Universo. Mas não proíbe que isto tenha acontecido. Por que se pode admitir que tudo tenha surgido de nada (e não "do nada") naquele instante zero? O que obrigaria haver algo de que o conteúdo proviesse seriam as leis de conservação. Mas as leis físicas não prescrevem o comportamento da natureza, senão que o "descreve". E elas só descrevem o comportamento de algo que exista. Além disto elas se referem a valores de grandezas, que medem atributos do que existe, em momentos diferentes do tempo. Se antes do surgimento do Universo não havia nada, nem tempo, não haviam leis de conservação também. Então não há proibição para o surgimento de tudo sem provir de nada. Além disso não há também necessidade de causa e nem de propósito para esse surgimento, mas isto é questão para outras considerações. Todavia, esta possibilidade não implica em que, realmente, não havia nada antes do Big Bang. Mas é claro que o que não existia era o "antes", ou seja, momentos anteriores àquele. Nem as teorias hoje existentes, nem as observações, permitem concluir se havia ou não havia algo antes do Big Bang. E as considerações filosóficas não obrigam a que houvesse. Minha opinião é a de que não havia nada, já que, para mim, conceber a existência de algo imperturbável é mais estranho. As equações de Einstein para a dinâmica da Geometria não admitem soluções estáticas, mas elas só se aplicam a um conteúdo que existe no tempo. Existir fora do tempo não é impossível, mas é muito mais estranho do que não existir nada.
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2 comentários:
"Minha opinião é a de que não havia nada." Se nao havia nada, logo havia algo. Ou voce quiz dizer que HAVIA nada? Se sim (e o que me parece), abandone a sua ideia de que nada nao existe, porque nessa sua logica nada e a origem de tudo (o que e em si uma contradicao absurda).
Gabriel.
Lendo o seu comentário e a sua postagem no seu blog, quero lhe dizer que tem-se que considerar dois aspectos.
O primeiro é o conceito de "nada". Nada não é algo, não é uma entidade. Não se pode dizer que havia "o nada" ou que o Universo surgiu "do nada". Nada é, de fato, uma abstração, um conceito, uma ideia. Ideía de quê? De que não exista coisa alguma: nenhum conteúdo, nem matéria, nem campos, nem radiação, nem vácuo, nem vazio, nem espaço, nem tempo. Não existe coisa alguma. Nem "o nada". Isso é o que se quer dizer quando se diz que "não existe nada".
Outra questão, inteiramente diversa, é se tal possibilidade poderia ter ocorrido antes do surgimento do Universo. Ou seja, não haver coisa alguma, nem uma singularidade. Se bem que a sigularidade matemática prevista pela Relatividade Geral para o início do Universo e para o caroço de um Buraco Negro não é fisicamente factível. O que há nos Buracos Negros é uma região muito pequena em que o conteúdo substancia (não se sabe se matéria, radiação ou campo) possui extrema densidade, mas não infinita. Quanto à singularidade inicial do Universo ela só seria um lugar de volume extremamente diminuto se o Universo for finito. Se ele for infinito, no surgimento ele já tinha volume infinito, só que densidade elevadíssima. Com o Big Bang, o espaço começou a se dilatar, a princípio muito rapidamente e, depois, menos rapidamente. Mas continua até hoje e, parece que continuará por centenas trilhões de anos, se o parâmetro de curvatura for 1 (espaço plano). Mas essa situação de extrema densidade (pontual ou infinita), que começou a expandir, ou já existia, ou surgiu. Se já existia, sem perturbação, havia espaço (que a continha), mas não tempo. E se não existia, nem havia espaço. Então não havia nada. Essa ausência não é algo. É uma ideia de inexistência. Mas é perfeitamente possível. Não há nada que proíba a inexistência de tudo. Inclusive pode acontecer de, de repente, tudo cessar de existir, não restando coisa alguma. Dizer que não havia nada não implica que havia algo, de modo nenhum. Muito pelo contrário. O que significa é que não havia algo nenhum. Não estou dizendo que havia "nada", pois "nada", não é algo. Nada, realmente, não existe, nem é a origem de coisa alguma. Tudo o que existe, simplesmente, não tem origem. Nem se originou "do nada". Apenas não se originou. Surgiu sem ter do que provir. É isso!
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