quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Para você, o que é ser intelectual?

Considero que intelectual não seja apenas uma pessoa que domine vastos conhecimentos. Um médico, um engenheiro, um empresário podem dominar vastos conhecimentos sem serem intelectuais. O intelectual é aquele que tem conhecimentos mais teóricos e humanísticos e consegue correlacionar o saber de sua área específica com as demais áreas do conhecimento humano. O passo seguinte é ser um erudito, isto é, que domina seu campo de saber em profundidade e abrangência superlativas. Já o filósofo se caracteriza principalmente por ser uma pessoa que reflete e questiona. Normalmente ele deve ter conhecimento de filosofia e história da filosofia, e, portanto, ser um intelectual, mas não necessariamente. Alquem pode ser um filósofo sem que seja intelectual e nem todo intelectual será um filósofo. Uma característica do filósofo é seu amor e sua busca pelo saber e, mais que o saber, pela sabedoria. Erudição e sabedoria são, certamente, conceitos bem distintos. Existem dois conceitos de filósofo. Um amplo e um restrito. Segundo o amplo, filósofo é todo aquele que se debruça sobre a realidade para refletir, questionando e buscando respostas (mesmo que não as ache). Assim, não se requer nenhum tipo formal de estudo para ser-se filósofo, na concepção ampla. Na concepção restrita, um filósofo é um profissional, com diploma universitário, mestrado e doutorado na área, detentor de um amplo e profundo conhecimento de tudo o que trata a filosofia e do que disseram os grandes filósofos, aliado à habilidade de, ele próprio, fazer uso das ferramentas de raciocínio para construir sua visão da realidade, com a devida competência retórica e pedagógica para expô-la didatica e convincentemente ao público. 
Embeber-se de conhecimento é um fator que, para quem tenha suficiente talento, estimula a criatividade e a inovação. Conhecer as múltiplas facetas da realidade abre os horizontes e espanca os preconceitos. Dá uma visão abrangente da multiplicidade das possibilidades a respeito de tudo e impede o fechamento em estruturas amarradas e inflexíveis. Por isso acho importantíssimo o ensino da filosofia no nível médio, para abrir a mente da juventude e criar um espírito de crítica e reflexão sobre o mundo, sem adesão incondicional aos modismos de ocasião e nem aferroamento a tradições irremovíveis. É falsa a noção de que o erudito ou o intelectual não seja uma pessoa de mente arejada e aberta a novidades ou ao inusitado. Mas certamente é uma pessoa ponderada que cotejará o novo com o que já existe e filtrará o que é válido do que seja mera vaidade. Assim estará agindo com sabedoria.
A coisa mais importante para uma correta conduta intelectual é o espírito livre-pensador, inteiramente dissociado de qualquer dogmatismo mas também aberto a todas as possibilidades. O dogmatismo ateísta, bem como o marxismo dogmático são extremamente nocivos, do mesmo modo que o fanatismo religioso de muitos muçulmanos e mesmo de certas facções cristãs. A postura cética correta é a postura da dúvida, jamais levada a um plano dogmático. A dúvida é um dos instrumentos da busca do conhecimento, e, portanto, da verdade. A verdade é um valor superior a qualquer crença. 
Tenho observado no meio cultural uma impressão de que a ciência é alguma coisa refratária à cultura. E percebo que grande parte da intelectualidade é refratária à ciência. Assim, parece que saber matemática não é condizente com fazer poesia, que compor música é incompatível com entender de física, que um artista plástico não pode ter interesse por química ou biologia. Que filosofia não se casa com informática. Todas essas posturas me parecem inteiramente descabidas. Para mim tudo é cultura, inclusive a ciência. São construtos intelectuais do homem. Acho inadmissível um engenheiro não saber português, história e geografia; um médico não entender de artes e de música; um físico não conhecer filosofia. Do mesmo modo não entendo um advogado que não saiba matemática, um economista que não conheça química, um poeta que não saiba nada de física. Não no nível superior de um profissional da área. Mas, no nível do ensino médio, todo mundo tem que saber de tudo. Se não fica por fora do contexto global da sociedade e da civilização. Como criticar, com conhecimento de causa, as posturas anti-ecológicas? Como julgar os problemas envolvidos pela engenharia genética? Como ponderar os problemas energéticos? Como avaliar as vantagens de um ou de outro sistema de TV digital? Não há escapatória. O mundo é cada vez mais científico. E os técnicos e cientistas não podem se eximir de entender o contexto político e social em que estão inseridos. Cultura é tudo.
Costuma-se entender por cultura (não na acepção antropológica) um cabedal de erudição linguística, literária, poética, histórica, filosófica, psicológica, sociológica, econômica, política, administrativa, empresarial, jurídica, religiosa, musical, teatral, cinematográfica, artística ou de outras áreas das ditas “humanidades”. A pessoa culta, ou “intelectual” é considerada ser alguém versado, fluente, articulado e capaz de bem argumentar sobre esses temas em qualquer discussão. Todavia não lhe é exigido e nem lhe é imputado como demérito, na qualidade de intelectual, não entender de ciências como matemática, estatística, física, química, cosmologia, astronomia, geologia, meteorologia, geografia, biologia, genética, evolução, medicina, neurociências, agronomia, zootecnia, mecânica, eletrônica, engenharias e tecnologias em geral.
Para mim esta é uma terrível inversão de valores, que leva a sociedade a ter uma visão incompleta e, até mesmo, distorcida, da realidade do mundo em que se encontra inserida. Pelo menos no nível do Ensino Médio, é preciso que advogados, negociantes e todos que lidam com as humanidades tenham sólidos conhecimentos de ciências exatas e biológicas, que médicos, dentistas e quem mexa com ciências biológicas o tenham em exatas e humanidades da mesma forma que engenheiros, físicos e técnicos da área de ciências exatas transitem facilmente nas humanas e biológica (repetindo, no nível do Ensino Médio, que é simplesmente o básico para todo mundo). Sem mencionar que a fluência retórica, dialética e textual precisa ser um domínio comum a todo cidadão.
Não sendo assim, como poderá alguém emitir uma opinião embasada sobre qualquer tema candente que envolva conhecimento fora de sua área específica? Como saber se o desvio do Rio São Francisco é bom ou mal? E o uso de células tronco embrionárias? E a responsabilidade humana pelo aquecimento global? Quem não entenda o básico desses assuntos ficará à mercê das opiniões de especialistas ou oportunistas, que defendem, muitas vezes eristicamente, sua posições numa babel desconcertante de possibilidades.
O fato de não ser da sua área não é desculpa para não entender análise sintática, logarítimos, progressões geométricas, termodinâmica, eletrônica, bioquímica, genética, oriente médio, “El niño”, mais valia, silogismo ou o que for. E quanto ao Inglês, não se pode admitir que alguém que possua nível superior, pelo menos, não seja capaz de ler sem problemas um texto em inglês, senão não vai conseguir fazer nenhuma busca relevante de conteúdo pela internet.
Para isto é que o ingresso nas Universidade pede uma exame geral do todos os conteúdos. Alíás, é o que bastaria, sendo inteiramente dispensável uma avaliação por área de estudo. O ingresso ao Nível Superior precisa apenas avaliar a saída do Nível Básico. Mas não pode se ater à exigência mínima de apenas 30%. Este mínimo teria que chegar, pelo menos, a 60%, sendo ideal uns 80% para capacitar alguém a fazer curso superior.
A Educação Básica, por sua vez, tanto no Nível Fundamental quanto no Médio, nas escolas públicas e privadas, precisa cumprir a sua parte e colocar na praça uma meninada com aproveitamento mínimo de 80% em todos os conteúdos, aferido de forma inteligente e honesta. Como fazer isto? Esquecendo o que cai nos vestibulares e praticando um processo de ensino-aprendizagem voltado para o que verdadeiramente seja necessário para a vida. Fazer o menino e a menina pegarem gosto pelo conhecimento de forma que eles queiram, de fato, aprender conteúdos e habilidades, para formar competências fortemente vinculadas às necessidades da vida, expurgando os conteúdos inúteis e fazendo da atividade discente uma coisa lúdica, excitante, tão prazerosa como um videogame ou tão gostosa quanto namorar.
Já polímata é o que entende de muitos assuntos (artes, ciências, ofícios, negócios etc.) em profundidade e não apenas razoavelmente. Isto todo filósofo tem que entender, pois Filosofia abarca a totalidade dos conhecimentos e fazeres humanos, discutindo-os e sistematizando-os. Um filósofo, além de conhecer Filosofia e sua história, tem que ter bons conhecimentos das ciências naturais (no tempo de Newton conhecidas como “Filosofia Natural”), especialmente Física e Biologia, das ciências sociais (Sociologia, História…), das artes, da Política e de todas as atividades humanas, além de saber escrever muito bem e dominar alguns idiomas, especialmente grego e alemão, e, é claro, saber Matemática. Sem esses conhecimentos o filósofo não consegue ter uma apreensão completa da realidade em todos os seus matizes, a respeito do que é seu mister debruçar-se para refletir e formular questões, para as quais deve propor respostas. Estou falando do filósofo profissional. Mas não precisa ser um matemático, nem físico, biólogo, historiador, músico, poeta, pintor, médico, engenheiro, político ou o que seja a respeito de que venha a filosofar. Mas tem que filosofar e não apenas entender de filosofia, como parece que os cursos de Filosofia no Brasil pretendem passar a seus alunos. 
São conceitos distintos que podem ou não coexistir na mesma pessoa. E, é claro, filosofia não é ciência e seus métodos são distintos. O polimatismo, por outro lado, não se restringe apenas a conhecimentos, mas também a habilidades, como as artísticas, inventivas etc.
Uma distinção que achei interessante é entre polímatas ou filósofos ativos e passivos. Um cientista não é digno deste nome se não for ativo, ou seja, se não produzir novos conhecimentos. Em minhas aulas de Física para engenheiros eu sempre dizia que o verdadeiro engenheiro é o inventor, e não aquele que apenas faz o que já está estabelecido.
Em todas as atividades, só se trabalha de forma gratificante quando se procura mudar o mundo para melhor, naquilo que se faz.

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