quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Professor, O que o senhor acha do argumento da contingência? Até mais!

O Willian Craig argumenta que:
1. Tudo o que existe tem uma explicação para a existência.
2. Se a existência do Universo tem uma explicação, ela é Deus.
3. O Universo existe.
4. De 1 e 3 segue-se que a existência do Universo tem uma explicação.
5. De 2 e 4 segue-se que Deus é a explicação para a existência do Universo.
Este argumento é logicamente válido, mas a conclusão é falsa porque as premissas 1 e 2 são falsas. A 3 é óbvia.
O primeiro problema é que o significado de explicação tomado na premissa 2 não é o mesmo da premissa 1.
Explicação não é sinônimo de causa. Tudo o que existe, ou sempre existiu ou passou a existir num momento. O evento da passagem da inexistência para a existência pode ou não ter causa. Causa é um evento que determina a ocorrência de outro. Eu disse determina, e não possibilita. O que possibilita chama-se condição. Nem todo evento possui causa, mas sempre possui condição. Isto acontece a todo momento, por exemplo, com o decaimento radioativo e com a emissão de fótons por átomos excitados. Então não é obrigatória que a passagem do Universo da inexistência para a existência tenha que ter tido uma causa, mesmo que tenha uma explicação. A explicação pode ser que tenha sido um evento fortuito, sem nada que o provocasse.
Na segunda premissa está se considerando que a palavra explicação signifique causa e que ela seja Deus.
É claro que o que está se entendendo por Deus neste contexto não é o ser pessoal que as religiões abrahãmicas concebem. Trata-se de uma entidade extrínseca ao Universo, portanto não substancialmente constituída de matéria, radiação e campos, sem extensão espacial e sem duração temporal, pois, sem o Universo, nada disso existe e Deus existiria. A propriedade essencial dessa entidade é seu poder de agir à revelia das leis naturais, podendo fazer surgir qualquer coisa sem que seja proveniente de algo precedente, como aconteceu com o surgimento do Universo, pois não havia nada de que ele pudesse provir, caso contrário ele já existiria e estaria apenas sofrendo uma transformação. Ou então Deus faria o Universo de si mesmo, o que seria tão exótico quanto surgir de nada, pois Deus não é natural. O que a premissa 2 deveria dizer é que, se o surgimento do Universo teve uma causa, ela seria extrínseca ao Universo, tendo sido provocada por algo que se enquadra no conceito acima descrito de Deus. Nisto está subentendido que todo evento é uma ocorrência que tem que se dar com algum ser, ou seja, com algum ente que exista. Se causa é um tipo de evento que provoca outro evento, então a causa é uma ocorrência vivenciada por algum ser. No caso do surgimento do Universo, este ser causador seria Deus. Até aí está certo.
Para levar à conclusão 4, contudo, seria preciso que a premissa 1 fosse mudada para "Tudo o que existe tem uma causa para passar a existir". Isto não é verdade, pois algo pode existir sem nunca ter surgido (que é o caso do próprio Deus) e pode surgir sem ter causa para tal. Há que se conferir experimental ou observacionalmente, no caso do Universo, em que caso ele se enquadra.
Este argumento é chamado "da contingência" porque o Universo não é algo que necessariamente tem que existir. Ele poderia não existir, é claro. Por isto é chamado de "contingente". Mas o que é contingente não necessariamente tem que ter uma causa para existir. Esta questão é crucial. A idéia de que todo evento seja um efeito, isto é, um evento que tem causa, provém da observação dos eventos cotidianos acessíveis à observação humana direta, por sua escala de dimensões e durações, em que os eventos são efeitos. Então, por indução, generalizou-se isto como um princípio. Um raciocínio indutivo, contudo, é derrubado por um único contraexemplo. No mundo subatômico, causa nem sempre ocorre, como já exemplifiquei. Logo não existe esse princípio de que todo evento seja um efeito. Então não podemos supor que, cosmologicamente, os eventos seja efeitos, dentre eles o surgimento do Universo.
Que a existência do Universo tenha uma explicação é certo, mas que tenha uma causa não. A explicação pode ser um surgimento sem causa. Sem ter do que provir é certo, tenha ou não causa.
Então, se o surgimento do Universo não precisa ter causa, não se pode dizer que ele foi criado por Deus.
Note-se que este meu raciocínio não prova que ele não foi criado por Deus, mas apenas que não é necessário que tenha sido assim.
Mesmo que tenha sido criado por Deus, tal Deus não é, necessariamente, o ser concebido pelas religiões abrahãmicas, em especial, não tem nada a ver com os atributos de providência, bondade, justiça e outros considerados pelas religiões.
Todavia, não havendo necessidade de se invocar Deus para criar o Universo, podendo ele ter surgido sem causa e sem origem, porque supor uma causa e uma origem?

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