sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Certa vez vc disse que no doutorado os acadêmicos não aprendem a criar hipóteses, apenas a testá-las. Fale mais sobre isso, que tal um post?

Sim, o processo criativo, em qualquer ciência, consiste essencialmente em propor hipóteses explicativas para os diversos fenômenos, bem como de inventar grandezas que sejam convenientes para descrevê-los. Certamente que essas hipóteses precisam passar pelo crivo da mais rigorosa verificação, imaginando situações em que se possa fazer um experimento crítico que permita ver se são verdadeiras ou falsas. A metodologia científica normalmente consiste em um formalismo de teste de hipóteses e de apresentação de resultados. A própria formulação de hipóteses fica como uma atividade espontânea, que o cientista assimila em sua vivência de trabalho, pela observação da atuação de seus colegas. Ou seja, trata-se de um processo intuitivo. Não há um treinamento específico em uma "lógica da intuição", que propicie ao cientista um embasamento maior em seu trabalho de formulação de hipóteses.
Mais ou menos a mesma coisa se dá na formação de um escritor. Os cursos de Letras, pelo menos no Brasil, não treinam a pessoa a ser um escritor. No máximo ele se tornará um crítico literário, além de um professor e um entendido em literatura. Por outro lado, os cursos de Belas Artes e de Música tem um treinamento específico para a pessoa se tornar um pintor, escultor ou compositor. É claro que isto não dispensa o talento, mas propicia o ferramental necessário para que o talento desabroche. O ofício de cientista, de certa forma, assemelha-se ao de artista. É um processo criativo. Só que, ao invés de criar uma obra de arte, ele cria uma teoria explicativa de algum aspecto da realidade natural, mental, social ou cultural. Há poucos livros que abordam esse ato criativo do cientista. Na verdade não conheço nenhum. Na formulação das hipóteses, normalmente o cientista primeiro inventa grandezas para descrever os fenômenos e, em seus experimentos, busca relacionar os valores de umas e de outras. Então tenta uma proposta de explicação que possa dar conta de descrever como, no fenômeno em estudo, os valores de umas grandezas influenciam os valores das outras. Note-se que o importante não é apenas "descrever" COMO essas relações são, por uma função matemática, por exemplo, mas "explicar" PORQUE elas são como são. Isto é fazer pesquisa científica e não meramente um "levantamento de dados". Aliás, muito do que se publica como "pesquisa" é só um levantamento de dados.
Outra coisa importante é que o processo de busca da explicação e de formulação de uma hipótese, para mim, já é uma pesquisa científica, mesmo que nenhuma hipótese seja apresentada. Esta é uma questão em que meu ponto de vista diverge do que se aceita como pesquisa. Vou dar um exemplo interessante:
Uma amiga minha, professora de biologia, em um trabalho de iniciação científica, propôs-se a investigar como os urubús resistem à toxina botulínica em seu aparelho digestivo, visando a obtenção de algum antídoto. A princípio ela não possuia nenhuma hipótese que explicasse a situação e a pesquisa era, justamente, para propor uma hipótese. Pois este projeto não conseguiu ser financiado pelos órgãos de fomento, pois, em sua formulação não constava a hipótese que seria testada. Minha opinião: consumada burrice dos analistas. Falta de visão. Uso de antolhos. Uma pesquisa que poderia ser de grande utilidade para a saúde humana deixou de ser feita. Para obter financiamento, primeiro ela teria que fazer a pesquisa para que pedia o financiamento, obter um resultado e, então, formular isto como uma hipótese e, daí, pedir um financiamento para testar esta hipótese. Assim ele seria concedido. Isto é burrice ou não é?

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