De modo nenhum. Pode haver, como há mesmo, documentos da cultura que são documentos da barbárie. De modo geral, os grandes monumentos arquitetônicos da antiguidade, até a Idade Moderna, foram construídos com base na riqueza expropriada de povos conquistados. Isso também inclui outras obras de arte e, até, descobertas científicas, financiadas por culturas conquistadoras que se apropriaram da riqueza das conquistadas. Todavia há obras culturais que não se enquadram nesses casos, que são, pelo contrário, baluartes da contestação desse tipo de coisa, especialmente obras filosóficas e políticas, mas também artísticas em geral. Apesar de muitas obras de arte, culturais e científicas terem sido feitas a partir de riquezas expropriadas, isso não tira delas o valor artístico e cultural que possuem. Em outras palavras: a ética e a estética são independentes. Em uma situação de conscientização das populações com relação à exploração de que foram vítimas, essas obras precisam ser preservadas como um testemunho do trabalho, até escravo, de muitos seres humanos. Por isso é que discordo totalmente da destruição que o Khmer Vermelho e o Estado Islâmico fizeram a monumentos budistas e assírios em territórios que ocuparam. Tais monumentos são monumentos ao trabalho de um povo, mesmo que esse trabalho tenha sido feito sob o jugo de alguma opressão. Nesse caso, mais ainda, eles são valiosos e precisam ser preservados. Mesmo obras literárias e filosóficas de índole ideológica opressora precisam ser preservadas, nem que seja para mostrar sua ignomínia. Qualquer iniciativa de censura e destruição de testemunhos de idéias de qualquer concepção é algo inteiramente abominável. É preciso preservar, como peça de museu, todas as obras nazistas, fascistas, socialistas, stalinistas, maoístas, napoleônicas, faraônicas, alexandrinas, mongólicas e assim por diante, mesmo que realizadas por facínoras opressores, como foram todos esses generais conquistadores.
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