quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Você tem rendimentos que te permitem parar de trabalhar? Se sim, porque continua trabalhando? Você tem amigos de juventude que tenham parado de trabalhar por algum motivo? Se sim, o que aconteceu com eles? Desde já agradeço o tempo despendido.

Não tenho rendimentos, exceto de meu salário e não tenho propriedade nenhuma. Sempre gastei tudo o que ganho porque sempre sustentei muitas pessoas, chegando a 12 adultos e uma criança em certa época, morando em quatro casas diferentes e tendo 3 carros. Além de muitos cachorros e gatos. Todo o dinheiro que eu conseguia fazer sobrar eu comprava livros e discos. Logo, não tenho a mínima possibilidade de parar de trabalhar, enquanto viver. Mas acho que assim é que é certo. Não tenho bens, exceto um Kadett 1995. Moro na casa da minha segunda mulher, que está em nome dos filhos dela. Mas tenho muitas dívidas, que estou amortizando e termino em cinco anos. Aí vai me sobrar um dinheiro para tirar férias, o que não faço há 15 anos. Hoje meus dois filhos já são casados e trabalham e minhas enteadas e enteado se sustentam. Estamos com uma casa só, com nove cachorros e dois gatos (vira-latas que catamos na rua e adotamos). Não ganho mal, mas gasto muito. Para você ter uma ideia, pago 3 mil de impostos, 3 mil de empréstimos, 4 mil de pensão, 0,6 mil de planos de saúde, 1,5 mil de alimentos (incluindo material de limpeza), 0,5 mil com os cachorros, 0,5 mil de combustível, 0,7 mil de energia e telecomunicações, 0,5 mil de remédios, 1 mil de livros, revistas e discos, 0,7 mil de empregada, fora despesas extras. E então os salários meu e da minha mulher acabam completamente, muitas vezes não dando para o mês. Ao longo de toda a minha vida, em 44 anos de trabalho, acho que já recebi, bruto, uns 2,5 milhões de reais, dois quais 1/4 eu paguei de impostos, 1/4 eu comprei comida, 1/4 eu gastei com todo o resto (roupas, mobílias, carros, energia, combustível, louça etc) e 1/4 eu gastei com livros, revistas, discos, partituras, mapas, vídeos, gravuras e tudo o que compõe a minha biblioteca. Se fosse vendê-la agora, não obtinha nem a décima parte do que gastei para montá-la (uns 0,6 milhões). Minha intenção é doá-la ao povo na forma de uma ong em que houvesse uma biblioteca de consulta franca, mas sem empréstimos, pois isto acaba com o acervo. Nessa ong também se desenvolveriam estudos para a disseminação do livre pensamento, do ceticismo e do humanismo secular, além de divulgação científica, cultural, artística e filosófica, com aulas de música, pintura etc. Tudo de graça, e por meio de trabalho voluntário, sem nenhum envolvimento de dinheiro e nem contabilidade nenhuma. Voluntários se cotizariam para pagar energia, arranjaria uma casa emprestada. Não se aceitaria doação monetária nenhuma, só de bens reais. Tive uma infeliz experiência com a doação da biblioteca de meu bisavô à municipalidade de Barbacena que, simplesmente, descartou todos os volumes, alguns valiosíssimos, por serem "velhos".
Tenho amigos que pararam de trabalhar simplesmente porque chegaram à idade em que podiam se aposentar e queriam mesmo ficar à toa. Nunca em minha vida cogitei de ficar "à toa". Enquanto eu viver e tiver condições físicas e mentais, estarei trabalhando, não tanto pelo dinheiro (mas ele me é necessário, pois nosso mundo ainda não é anarquista), mas, principalmente, para contribuir para a coletividade e para tentar consertar o mundo, meu grande ideal quixotesco, de que não abdico jamais.
Se eu tivesse rendimentos que me permitissem parar de trabalhar eu não pararia, mas trabalharia de graça, escrevendo livros, dando palestras, dando aulas para gente da periferia, pintando quadros, compondo música e poesia. Meus quadros, inclusive, eu gostaria de não vender e sim de expô-los para apreciação pública, sem cobrar entrada.

Filosofia, Ciência, Arte, Cultura, Educação

Um comentário:

Thales Lenin disse...

Muito obrigado pela resposta! Estou aplaudindo de pé. O senhor é um grande exemplo para mim, fico muito emocionado em ler tuas palavras. Me inspirarei nos teus relatos para apresentar para minha turma hoje à noite sobre o trabalho durante o envelhecimento. Pois, como disse, você é, para mim, um ideal de conquista, a forma como você relata as tuas experiências muito me parece, e para outros que apresentei teus escritos, a forma ideal de se tornar um adulto de cabeça branca e sábia. Obrigado novamente. Eu compartilho dos teus ideias descritos, e farei minha parte para que essas ideias não sejam esquecidas, e que os teus "ideais quixotescos" não sejam apenas poeira ao vento. Obrigado!
- Thales Nascimento

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