terça-feira, 21 de setembro de 2010

E quando nós encontramos um presidiário que de dentro da sua cela diz que não tem mais ninguém no mundo, apenas Jesus? Nesse caso a religião não seria um recurso saudável e insubstituível que ajuda a superar os problemas, apesar de não ser verdadeira?

De jeito nenhum. A espiritualidade filosófica é um recurso imensamente melhor para consolar do que qualquer religião. Nem Jesus, nem Maomé, nem Buda, nem Krishna, nem Allan Kardec, por suas mensagens relativas a qualquer realidade sobrenatural, podem dar à pessoa o consolo que a meditação puramente filosófica é capaz. Para se valer disto a pessoa tem que possuir uma boa bagagem filosófica e isto deveria ser objeto de um aprendizado amplo e profundo na escola, num nível de prioridade superior ao do conhecimento científico e humanista em geral. Porque a filosofia é a mestra da vida, é a disciplina que se debruça sobre a realidade para refletir sobre ela e tirar lições de vida e sabedoria. Dentre essas está a superação dos infortúnios, a sombranceria perante a miséria, a doença, a desgraça e, até, a morte. Assimilando as lições dos grandes filósofos, até mesmo dos líderes religiosos, considerados como filósofos e não como representandes de divindade nenhuma, a pessoa pode colocar-se num estado espiritual de desapego aos valores mundanos e amor à virtude que lhe dá a certeza de seu valor intrínseco e o conforto de sempre estar do lado do bem e da verdade, pelo que nada teme, sequer o sofrimento. Não é preciso se valer de nenhuma crença na sobrevivência de alguma pretensa alma imortal, nem da esperança de uma eterna bemaventurança paradisíaca. A vida bem vivida é galardão bastante e suficiente para a glória e a paz interior de uma pessoa virtuosa. É interessante conhecer a mensagem de Epicteto, Sêneca, Marco Aurélio, Lao Tzu, Sócrates, Buda, Jesus (o homem), Kabir, Hakim Sanai, Comte-Sponville e outros sábios espiritualistas. Mas é preciso entender que espiritualidade não tem nada a ver com a existência de espíritos como entidades sutis sobrenaturais. Considero que espiritualidade é um conceito desvinculado de crenças e religiões. Trata-se de um conceito filosófico, entendido como atitude de vida. É aquela atitude de se priorizar os valores mais elevados e nobres da humanidade, como bondade, solidariedade, cordialidade, gentileza, altruísmo, compaixão, abnegação, diligência, nobreza de caráter, justiça, honestidade, lealdade, sinceridade, coragem e bravura na defesa do bem, da virtude e de todos os valores mencionados, bem como a beleza, o conhecimento, a prudência, a sabedoria e tudo que seja edificante, enlevante e capaz de fomentar a paz, a harmonia, a alegria e a felicidade de todos os seres. Trata-se de uma disposição de viver virtuosamente e em prol do outro, da coletividade, da humanidade e de toda a natureza, despido de todo e qualquer egoísmo, orgulho, soberba, inveja, avareza, maledicência, vaidade, ambição, mesquinhez, desonestidade, prepotência, enfim, de todos os vícios. É um desejo de fazer prevalecer o bem, a virtude, o conhecimento e a sabedoria sobre o mal, a ignorância e o vício.
Isto é independente de qualquer crença em Deus e na existência de espíritos e de uma alma imortal, como bem mostra o filósofo André Comte-Sponville.

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