quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Porque você resolveu ser físico?

Sou licenciado (UNIPAC) e especialista (UFV) em Matemática e mestre em Física (CBPF - Cosmologia). Na verdade, como não tenho doutorado, não posso dizer que sou físico, mas, apenas professor de Física. Lecionei por vinte anos no Ensino Médio e vinte anos no Ensino Superior, tendo dado quase vinte mil horas de aula (doze mil no médio e oito mil no superior). No Ensino Médio, fui professor da Escola Preparatória de Cadetes do Ar, da Escola Agrotécnica Federal e do Colégio de Aplicação da UNIPAC, em Barbacena, além do Colégio Anglo, em Viçosa, onde ainda trabalho como Vice-Diretor. No Ensino Superior fui professor da UNIPAC, onde estudei, em Barbacena, da Universidade Federal de São João del Rei, da Universidade Federal de Juiz de Fora e da Universidade Federal de Viçosa. Nesses estabelecimentos lecionei Matemática e Física para o Ensino Médio e Física Geral I, II, III e IV, Mecânica Clássica, Eletromagnetismo, Ótica, Termodinâmica, Física Quântica, Física Estatística, Relatividade Geral e Métodos Matemáticos da Física para os cursos de Física e engenharias, no Ensino Superior. Na Pós-Graduação lecionei Métodos Matemáticos da Física. Muitos me perguntam porque não fui ser engenheiro.

Na juventude considerei a possibilidade de ser engenheiro mecânico ou arquiteto, resolvendo, afinal, fazer Matemática, pois em Barbacena não tinha Física e meu pai não podia me sustentar em Belo Horizonte. A razão principal de minha escolha foi o caráter mais filosófico da Física, já que, desde cedo, eu passei a me interessar por Filosofia e por querer entender em profundidade como é o Universo.

Durante o tempo em que fui professor do Curso de Física da UFV (cuja comissão de implantação do bacharelado eu presidi), por oito vezes (jul/83, jul/84, dez/84, jan/86, dez/87, jan/88, jan/89 e out/89) fui o professor homenageado dos formandos e por cinco vezes (mas/90, abr/92, jan/94, fev/95 e dez/97) proferi a "Aula da Saudade" da turma de formandos. Em todas essas aulas eu discorri sobre o que é ser um físico e porque eu escolhi minha profissão. Quero agora apresentar tais considerações.

Como físico, a pessoa pode ser um bom ou até ótimo matemático, químico ou engenheiro, um bom filósofo ou biólogo, um bom escritor, músico, pintor e muitas outras coisas. Porém, dificilmente um filósofo, um biólogo, um escritor, um músico, um pintor ou o que seja será um bom físico. Talvez um matemático, um químico ou um engenheiro o possa ser, mas, de modo geral, o físico é que tem as condições mais abrangentes de conhecimento e habilidades para atuar em varios campos do saber. É o que consigo perceber e, por isso, tornei-me físico, pois nunca me contentei em dominar apenas algum aspecto restrito do saber. Esta polimatia e esta curiosidade avassaladora sempre foram minha marca registrada. Além do mais a Física é a mais fundamental de todas as ciências, a que trata dos aspectos mais profundos da natureza.

De acordo com a concepção reducionista da realidade, tudo é físico. Neste sentido a Química é a Física da camada de valência dos átomos, a Biologia é a Química dos organismos vivos, a Psicologia é a Biologia do sistema nervoso, a Sociologia é a Psicologia dos agrupamentos humanos e assim por diante. Isto é, tudo se reduz, no fim das contas a fenômenos físicos. É preciso, contudo, não se ter a visão simplificada de um reducionismo "linear" que diz que o todo é a "soma" das partes. O reducionismo, numa concepção mais abrangente, considera que o todo advém de suas partes não como uma simples soma, mas como uma função não linear que, além da soma, admite termos cruzados (produtos de contribuições), termos de ordem superior (potências de contribuições), além de retroalimentações (contribuições de resultados). Assim ele pode abarcar, inclusive, as concepções holistas, que consideram que os estratos mais elevados da realidade (psíquico e social, por exemplo) possuem características próprias não advindas dos estratos mais profundos (biológico e físico). A não linearidade permite reduzir todo estrato superior aos inferiores.

No aspecto filosófico, realmente, não é possível a alguém entender bem de Filosofia sem entender de Física, especialmente Física Quântica e Relatividade. Isto porque a realidade, em sua mais profunda concepção, é física e a Física é sempre quântica e relativista. Esta é a concepção naturalista ou fisicalista, que exclui da realidade qualquer entidade dita sobrenatural. Em resumo: só existe a natureza. Entender tal coisa requer um grande conhecimento dos mecanismos de funcionamento do mundo, que só a Física é capaz de fornecer. Bertrand Russell, grande fílósofo, estudou formalmente Matemática e Física, e não Filosofia, pois dizia que, como matemático, poderia ser um excelente filósofo, mas, como filósofo, jamais seria sequer um bom matemático. E ele ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. Como se vê, era um polímata. Por isso é que estou escrevendo um livro que intitulei "Física para Filósofos" para que os filósofos sem formação em ciências exatas (o que considero lastimável, como também a falta de formação biológica) possam familiarizar-se com os conceitos e fatos da Física. O filósofo, por definição, tem que ser um polímata, pois filosofia é a ciência das ciências, além de abarcar todo o vasto campo de conhecimentos humanos. Filosofia, diferentemente do que se pensa, não pertence às "Ciências Humanas" mas transcende a todas.

Assim, o professor de Física precisa inculcar em seus alunos esse caráter unificador da Física e fazê-los ficar deslumbrados com a maravilha que é a natureza, tal qual descrita pela Física. É preciso lecionar Física filosofando. Isto é mais importante do que abordar as inúmeras aplicações práticas e tecnológicas da Física que, todavia, não devem ser esquecidas, apenas não priorizadas. Por isso é fundamental que o Ensino Médio veja, pelo menos, um semestre de Física Moderna, mesmo que não caia nos vestibulares, pois é esta Física, que se desenvolveu a partir de 1900, que contempla as explicações sobre a natureza da realidade. Além de ser o fundamento da moderna engenharia eletrônica, essencial para a informática e as telecomunicações. Ser professor de Física é, pois, uma das mais gratificantes atividades que se possa desenvolver, no sentido de levantar os véus da ignorância que obliteram a visão correta da estrutura do mundo para a grande parte das pessoas.

Além do ensino, as atividades de pesquisa e extensão, em Física, também são fonte de grande satisfação e motivo de imensa sensação de realização de vida. Fazer extensão em Física é, principalmente, fazer divulgação científica. É proferir palestras e redigir textos de divulgação de conhecimentos físicos em livros, revistas e na internet. É levar a toda a população as noções fundamentais da Física que lhe façam entender o significado do mundo, de uma forma inteiramente dissociada de qualquer participação de pretensas entidades sobrenaturais. É, pois, uma atividade libertadora, já que induz, necessariamente, ao livre-pensamento, ao ceticismo metodológico, ao questionamento das explicações religiosas. Uma vez que tal modo de operar mentalmente seja estabelecido nas pessoas, elas o aplicarão a todos os outros aspectos da vida, com resultados significativamente proveitosos. Assim a Física se torna em uma forma de mudar a "cosmovisão" das pessoas, com implicações até na ética, na política e nos relacionamentos pessoais. Posso dizer, com segurança, que todo o meu posicionamento ético a respeito de tudo na vida se fundamenta em minhas profundas convicções fisicalistas. A Física, como todas as ciências, de modo diverso do mundo dos negócios, por exemplo, sempre se pauta pela extrema honestidade de conduta, pois o maior valor que se busca é, exatamente, a verdade, e não a vantagem ou o lucro.

Finalmente quero aborda a atividade de pesquisador, que acabei abandonando logo após meu mestrado, por ter me enveredado na administração acadêmica, que, aliás, não foi tanto por gosto, mas porque me propiciaria condições melhores de prover minha família. Jamais, contudo, me afastei do magistério. Pesquisar em Física, descobrir os meandros mais profundos do comportamento da natureza é algo só comparável aos arroubos místicos ou ao prazer do artista em parir sua obra. Um cientista, especialmente um físico, é como um compositor, um poeta, um escultor. O que ele faz ao desvendar o Universo macro ou microscopicamente é uma obra de arte. Saber, ainda mais, que assim agindo torna-se um benfeitor da humanidade, lhe propicia uma gratificação maior ainda. Por isso sempre recomendei a todos os alunos do Curso de Física que fizessem licenciatura e bacharelado, para que pudessem, ao mesmo tempo, iniciarem-se na profissão de professor e prosseguirem no mestrado e no doutorado para serem cientistas. Pois é importante que todo cientista também seja um professor e, para um professor, didática e pedagogia são essenciais, qualquer que seja o nível.

Para concluir só quero dizer que um professor ou um cientista dificilmente ficará rico em sua atividade. Pode ganhar bem e viver confortavelmente, mas quem quiser ser rico que seja empresário, mas honesto, é claro. Políticos podem ficar ricos se não forem honestos, pois seus salários também não são de ricos. Médicos, engenheiros e advogados também podem enriquecer honestamente, mas nem todos o conseguirão. Os professores e cientistas que não se tornarem também empresários não enriquecerão. Todavia riqueza não é garantia de realização pessoal e felicidade, mesmo que possa possibilitá-las mais facilmente. Por mim, ter participado da formação de alguns milhares de jovens que foram meus alunos é uma realização inigualável. Como se pode ver em minha avaliação docente ( http://www.ruckert.pro.br/blog/?page_id=2379 ), posso me considerar um bom professor, mas não fiz fortuna alguma e só deixo de herança minha mensagem e meu exemplo ( http://www.ruckert.pro.br/blog/?p=131 ).

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