Fé é uma postura, isto é, um posicionamento perante a realidade. Consiste ela em uma crença, como toda crença, uma aceitação de afirmações por verdades, sem evidências e nem comprovações, acrescida de não possuir, sequer, indícios de plausibilidade, como as crenças, em geral, possuem. Normalmente essa aceitação, de fato, se prende a considerações axiológicas, isto é, quem a possua a considera como uma virtude, bem como teleológicas, isto é, quem a possua considera que seja uma condição para se atingir um fim, no caso a salvação da alma. A fé, contudo, absolutamente, não é lógica, pois lógico é algo que se possa concluir por raciocínio, com base em premissas firmemente estabelecidas de modo evidente ou comprovado. Todavia, pode-se dizer que as religiões, não apenas a cristã, estruturam-se numa lógica que pressupõe a fé como premissa de tudo o que se segue. Uma vez não sendo a fé lógica, pode-se dizer que o que se segue nas religiões, seguindo logicamente da fé, não é lógico. Diversamente de Hegel, não se pode acolher, fenomenologicamente, que a existência de alguma realidade espiritual, seja algo racional. Todo ser, em si mesmo, é completamente natural ou produto do fazer de seres naturais. Redenção é uma noção desprovida de sentido, uma vez que se refere a um retorno a uma condição hipoteticamente perdida de perenidade do ser, condição essa que nunca existiu. Assim, estabelecer a fé como requisito para a redenção é algo, também, totalmente desprovido de sentido. Mesmo que redenção fosse algo provido de sentido, é controverso se sua obtenção fosse condicionada a alguma fé. Quanto ao fato do mundo não ser perfeito, isso é uma condição inerente a ele, por si mesmo, e não uma situação decorrente de uma pretensa corrupção em relação a uma situação prévia de perfeição, decorrente de um pecado cometido pelo, também pretenso, casal inicial da humanidade. Além do mais, ao mundo, não sendo um ser dotado de consciência, não é possível se imputar punição nenhuma. De fato o tempo decorre do movimento, isto é, das alterações no estado do Universo. Mas essas alterações, em absoluto, não decorrem de queda nenhuma em relação a um estado de perfeição primevo. Nem todo movimento de um ser é vida. Vida é só o movimento que decorra de ações do próprio ser. Isto é, vida é o fenômeno do ser poder se prover de alterações por iniciativa própria. Sem dúvida é possível atribuir valoração ética às ações de um ser, desde que ele, além de vivo, seja dotado de consciência e liberdade. Assim elas são boas se promovem a maximização do bem estar para o maior número de ser e más, caso contrário. Só que não se pode dizer que o mal ao mundo pertence, pois tanto o mal quanto o bem são valores das ações e não algo que pertença a quem quer que seja.
Certamente que se pode dizer que caberia a seres conscientes, como é o caso do ser humano e de outros que já se extinguiram, bem como possam ainda surgir, que lhes compete fazer o bem, pois essa é uma condição necessária para que o mundo seja aprazível para todos. Isso, contudo, é uma consideração ética.
Dizer que a redenção seja a síntese dialética entre a tese da aceitação da fé e da virtude com a antítese da negação disso, não procede, porque uma síntese dialética de duas condições (ou situações) teria que ser uma terceira condição e redenção não é uma condição e sim uma ocorrência. Além do mais, esse não é um caso em que se aplique essa dialética hegeliana. Nesse caso não há síntese, o que há é a prevalência de uma ou outra das situações com a exclusão da oposta. E a que prevalece, na realidade, é a negação da fé, pois esta é algo inteiramente desprovido de propósito, ou seja, totalmente inadmissível. Contudo, recusar a fé não significa recusar a virtude. Esta é perfeitamente válida e necessária para a construção de um mundo bom. Só que a fé, em verdade, não é uma virtude.
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