domingo, 10 de outubro de 2010

Meus vários "eus"

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Em minha juventude fui um católico fervoroso e meu ideal era ser nada menos do que santo. Gostava de conversar com adultos e um padre amigo da família me instou a seguir o sacerdócio. Disse-lhe que não, pois eu queria ser pai e perguntei-lhe se não era possível ser santo sendo pai, porque a figura de meu pai era e sempre foi meu modelo de homem integro, reto e imensamente bondoso. Mas sempre fui extremamente inquiridor, questionando tudo e querendo saber o porque de cada coisa. Assim aprofundei-me em estudar religião e tanto estudei que fiquei convencido da total falta de sentido da fé. Mas meu primeiro “eu” continua sendo aquele que tem o ideal de virtude, de santidade. De certa forma é um eu místico, enlevado de sacralidade, que se compraz em ouvir música religiosa, em visitar catedrais góticas, que se comove com a beleza de uma flor ou com um gesto de bondade.

Meu segundo “eu”, que me acompanha também desde a infância é o eu cientista, cético, racionalista, reducionista, lógico, matemático, físico. Aquele que se debruça sobre uma biblioteca de milhares de volumes e lê vorazmente tudo sobre todas as coisas. Que questiona, analisa, comprova. Este eu é o que também vê o mundo pelo prisma da honestidade, da verdade, da justiça, que se indigna com a iniquidade e se rebela com o farisaísmo, com a hipocrisia, com a politicagem. É o eu anarquista, livre-pensador. Mas é também o eu que arregaça as mangas e socorre o pobre e ajuda o aflito.

Meu terceiro “eu” é o poeta, o músico, o literato, a cigarra da fábula de LaFontaine. É o eu amante, o trovador, o apreciador da boa mesa, dos bons vinhos. É o eu elegante, espirituoso, que dança, que canta. É também o eu que educa, que conversa, que tem muitos amigos, que é generoso, até perdulário. É o pai, o marido, o namorado.

Ainda há um quarto “eu”. Este é o execrável. É o eu das minhas fraquezas, de quando sou preguiçoso, ou pusilânime, ou quando me encovardo. É o eu de que me envergonho e que combato. Mas ele existe e, às vezes se faz presente. É quando tomo um decisão egoísta, ou a conveniência me faz transigir em um princípio.

O último “eu” é o que fica por cima observando os outros eus e rindo de tudo.

Tirando o quarto eu, que combato e não aceito, acho que consigo conciliar os três primeiros, sob o olhar crítico do último, e assim vou levando minha vida.

Meu segundo eu tranformou o ideal do primeiro no ideal de buscar sempre a verdade e levar a todos as luzes da ciência para espancar as trevas da ignorância e o terceiro me traz a alegria da vida, que procuro compartilhar com todo mundo, mesmo que as atribulações da gestão cotidiana de meus afazeres, de meus compromissos, de minhas responsabilidades, de minhas dívidas, de meu tempo sempre apertado, de tudo que é comezinho na vida, às vezes, me leve a um horizonte desolado.

Mesmo que os desencontros me apartem daqueles que amo e a solidão me abrace, meus eus interiores fazem companhia uns aos outros e, muitas vezes, conversando comigo mesmo, não me sinto só. Porque só ama o outro aquele que ama a si mesmo e só completa o outro aquele que, em si mesmo, é completo.

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