quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Qual a diferença entre ética e moral?

Moral é ética são coisas correlatas mas diferentes. E nenhuma delas tem origem nas religiões. Pelo contrário, foram as religiões que se apossaram da moral (mas não da ética) como parte do ferramental para controle de seu rebanho. A moral existe em toda sociedade, mesmo as primitivas, e consiste em um corpo de prescrições comportamentais a serem cumpridas pela pessoa, para que seu convívio com os demais seja aceito dentro do que se tornou costume para aquele grupamento, naquele tempo e lugar. A moral é, pois, uma disciplina prática normativa e relativa ao contexto. O que é moral para certa sociedade, em certa época, pode não ser noutra época ou noutra sociedade. Já a ética é filosófica. A ética discute a razão das ações humanas e procura achar justificativas para sua aprovação ou condenação com base nos critérios de certo e errado, bom ou mau, justo ou injusto, honesto ou desonesto, verdadeiro ou falso, virtuoso ou viciado e outros do tipo. Busca, portando, independente dos costumes, definir os critérios para que algo seja ou não certo, bom, justo, honesto, verdadeiro ou virtuoso. E busca, também, definir que escolha seria a certa, entre essas possibilidades. É importante frisar que a eticidade de uma ação se prende à sua intenção e não à sua execução e só pode ser imputada se a ação foi realizada de forma livre e desimpedida de qualquer coação. Três critérios sobressaem dentre os que já foram levantados para a eticidade: o primeiro refere-se à característica daquela ação promover a maximização da felicidade para o maior número de seres ou ao contrário; o segundo se liga ao fato da ação poder ou não ser erigida como norma universal a ser prescrita para todo mundo e o terceiro se a ação seria uma que o autor gostaria de ser alvo ou não. Outros critérios, de menor valor, se prendem à utilidade e à lucratividade, por exemplo, que, em minha opinião, deveriam ser rejeitados.

Há certa razão quando se diz que o temor de Deus (isto é, o medo de inferno) é um fator importante na determinação de uma conduta em observância aos preceitos morais. Ainda mais que, de um modo geral, a maioria dos preceitos morais de fundamentação religiosa são éticos. Assim, o ideal de santidade, que é preceituado não só pelo cristianismo, mas pelo islamismo, o hinduísmo, o budismo e o judaísmo (só para citar as mais importantes) se, de fato, fosse seguido por todos os fiéis, levaria certamente a um mundo mais fraterno, tolerante, solidário e compassivo. Parte da escalada de criminalidade hoje observada no Brasil e no mundo deve-se à perda desse temor do inferno (em outras palavras a um ateísmo na prática). No entanto duas questões emergem: As lideranças políticas e econômicas sempre cooptaram os líderes religiosos a incutirem nos fiéis que a consecução de seus desígnios ambiciosos de poder e riqueza deveria ser tomada como missão a ser cumprida pelos fiéis em atendimento à vontade do deus do local e do momento (cruzadas, inquisição, jihad, indulgências etc.). Poucos se insurgiram contra tais práticas (tipo um São Francisco de Assis ou Martinho Lutero), mas a insurgência foi momentânea. Depois, seus próprios seguidores acabaram vassalos da plutotiranocracia. A hierarquia eclesiástica católica sempre explorou os fiéis para o enriquecimento e poder pessoal. Padres como João Maria Vianey, o “Cura d’Ars” são a exceção. E mesmo Lutero, sei lá… A outra questão é simples: Será ético impingir uma conduta moral com base em uma mentira? (o castigo do inferno). Será que não é possível uma educação ateísta ética? Uma educação em que a virtude e o bem sejam erigidos como valores desejáveis por si mesmos e não por vantagem nenhuma a ser fruída ou por castigo nenhum a ser evitado? Será que a sociedade não pode, ela mesma, concluir que a honestidade e a solidariedade são mais valiosas do que o crime e o egoísmo? Não porque seja mais vantajoso, mas porque não é possível erigir a prática do mal como norma? Não importa se a pessoa considere que a existência de Deus seja uma verdade ou uma mentira, a ética se aplica da mesma forma. O que afirmo é que as noções de bem e de mal, de certo e de errado, de justo e de injusto, de verdadeiro ou falso, de honesto ou desonesto, enfim desse tipo de dicotomia que é característico da ética, não são noções religiosas. Elas existem quer se considere que Deus exista ou não. E a ética deve nortear a moral a prescrever os comportamentos adequados de modo inteiramente dissociado de qualquer prêmio ou castigo na vida eterna. Isso é que eu considero importante. Para mim não há virtude em se fazer o bem para se ganhar o céu ou não precisar se reencarnar mais e nem deixar de fazer o mal para não ir para o inferno ou para não se reencarnar outra vez. O bem vale por si mesmo. A recompensa da virtude é a paz da consciência. Esses valores são impregnados na mente, quem sabe, por algum gene, mas a razão é capaz de mostrar que se o mal fosse erigido como norma de conduta a ser recomendada e praticada generalizadamente, não haveria condições para nenhuma pessoa alcançar paz e felicidade. A sensibilidade também repudia toda crueldade e todo mal e infelicidade que se possa causar. E a felicidade é o bem que não é condição para obtenção de nenhum outro acima dele. Dinheiro, saúde, paz, educação e outros que tais se desejam para poder ser feliz. Mas se se é feliz sem dinheiro, para que serve ele? Qualquer um que paute sua vida pelo bem estará tranqüilo e nada temerá, nem mesmo a existência de Deus. Uma conduta hedonista pode e deve ser perseguida, desde que de modo não egoísta. Eu diria que a virtude está na síntese dialética do epicurismo com o estoicismo. Creia-se ou não em Deus.

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